Joy achou interessante como passara um tempo afastada deles, mas eles ainda lhe queriam por perto. E vê-los a sua porta fora muito interessante, mesmo que de alguma forma amedrontador e satisfatório. Ela queria que eles ficassem, como também queria ter se preparado mentalmente para vê-los de novo, então se pudessem ir embora, por hora, parecia bom também. Não sabia como diria que a festa naquela noite fora um erro, e que ela não era aquela pessoa, aquela personagem.
Ela queria apagar aquele momento completamente, por mais que tivesse sentido a diversão lhe rondar naquelas poucas horas. Poucas horas, mas um prato cheio para seus pensamentos de recriminação, magoando-se, levando suas ações como pragas. Pequenos acontecimentos que ela achava coerente no momento, mas então se tornavam incríveis redemoinhos de martírio. A garota sabia que podia simplesmente dizer que estava sozinha, quis se divertir, sentir como ser social podia ser legal pra ela, mas não podia mentir, odiava ficar perto de pessoas estranhas. Muitas coisas lhe viam a mente logo após, e um dos pontos principais: O que eles acharam de mim?
-Eu não vou. -Esforço psicólogo demais, quis completar.
Lais e Mateus se assustaram com a entonação da outra, os olhos estavam estreitos e a expressão carregada. Joy acreditou que nada que pudesse fazer passaria a verdade que rondava em sua cabeça, palavras e expressões. Estava engana, mas não percebeu isso nem quando eles se olharam com impaciência.
-Você tem vergonha de vestir um biquíni? -A pergunta se demorou na mente de Joy, assim como em sua resposta. -Por favor né. Até Mateus vai pôr um.
O garoto riu e se aproximou de Lais, se enroscou em seu pescoço como em uma luta e ela riu até um chiado fino sair de sua garganta. Joy sorriu da brincadeira deles, um mínimo sorriso, se afastou e acenou a mão para que entrassem.
-Eu colocaria um se coubesse. -O garoto de madeixas castanhas murmurou para Joy, lhe olhando com graça. -Um vermelho, bem decotado, cheio de pedras.
-Certo sereia. -Lais riu sozinha enquanto entrava na casa da outra. Observou como nada mudara desde a vez que entrou ali escondida com Mateus.
-Eu não estou com vontade, de verdade. -Joy murmurou por baixo do folego, estava cansada só de pensar em sair de sua casa naquele dia.
-Tá quente, estamos quase de férias, é fim de semana. Várias razões para você sair com a gente por um dia. -Mateus falara sorrindo, com o intuito de convencer a outra a sair de seu casulo por um minuto, quem sabe. -Amiga!
Se antes Joy estava se sentindo mal, agora ela ficara com uma expressão bastante irritada. Não gostava de ser forçada a fazer algo, muito menos por pessoas que julgava não ter muito contado.
-Para, Mateus. –A expressão de Lais dizia muito ao puxar o braço do aperto alheio, para que ele parasse de se aproximar tanto.
-A gente só quer que você vá. Não precisa conversar com ninguém, nem tomar banho na praia. –A explicação era honesta, e a forma como o outro lhe olhou fez Joy se sentir cansada de si própria.
As costas de Mateus, a ruiva fazia uma expressão de desagrado com as condições propostas, ela esperava que fosse uma oportunidade da outra se abrir mais, não de se fechar mais. Mas só por estar saindo de casa era algo bom, deixa-la ali dentro sozinha era algo que preocupava Lais.
-Vamos respeitar seus limites. –Quanto mais o mais velho falava, mais Joy ia se quebrando por dentro. Presa em suas próprias vontades e no desapontamento que sentiria depois consigo.
-Tá, então podemos ficar aqui e ver filmes. Só não pode ter ninguém indo à praia neles. –Por um segundo Joy quis dizer "sim", mas não se sentiria bem fazendo os amigos ficarem em sua casa. Apesar que pela expressão de Lais, não parecia que ela ficaria muito tempo lá mesmo.
-Eu só vou tomar uma água de coco, só avisando. -Com um suspiro Joy caminhou até o andar de cima, os amigos se esticando em contentamento.
Era um dia bonito, a casa estava cada vez mais quente e Joy não queria sair do quarto frio por conta do ar-condicionado, ao chegar novamente no recinto se sentiu com pesar por não poder passar o resto do dia lá. Escutou o barulho de algo caindo dentro do banheiro e quando chegou a ele, viu que seu gato estava na pia, ele lhe olhou, travesso. Era como se soubesse o que estava fazendo, uma pata derrubava uma de suas caixas que estavam em cima da pia, cotonetes por todo o chão. Os olhos verdes e os pelos pretos destacavam o pequeno animal no meio da branquidão do banheiro.
A menina respirou fundo e sorriu para o gato, pouca paciência, balançou uma vez a cabeça concordado com o joguinho do parente mamífero e em uma ameaça de aproximação de Joy, o bicho pulou e saiu em disparada pela porta do banheiro. Ao lado de fora viu seus amigos tentando o pegar e o gato se azedar com eles.
-Escolha um biquíni bem bonito. –A fala de Mateus foi um gota a mais na paciência escassa de Joy. Procurou algo que a deixasse confortável no calor do verão, os movimentos brucos pelo guarda-roupa.
Ela não escolheu nenhuma de suas poucas roupas de banho, nenhuma delas pareciam lhe servir mais. Sentia que já havia crescido muito desde cinco anos atrás, a última vez que usara um dos trajes. Mas a principal razão era que não estava na vibe de se exibir, talvez nunca estivesse.
Saiu do banheiro quase vinte minutos depois, cabelos em rabo de cavalo, blusa azul marinho e shorts frescos, sentiu o olhar dos outros dois queimar em si. Não ligou e apenas caminhou até próximo de sua cama, calçando as chinelas, desligando o ar-condicionado, com um pequeno pesar e então saiu do quarto. Seus amigos saíram junto a si, lhe convocando para conversas, mas ela apenas se focou em buscar suas chaves, dinheiro e identidade.
-Minha axila está um pouco escura, será que vai dá pra perceber? –Lais falava com o amigo as costas da outra menina.
-Hoje quero pegar sem me apegar. –A conversa as suas costas lhe fez saltar de leve nos pés.
Era a hora então de começar a agir como uma pessoa super consciente de suas ações, em consequências as conversas desconfortáveis dos outros. Era tão cansativo, não evitou suspirar ao sair da casa, trancando a porta após seus amigos passarem. Quando se apoiou na parede de sua casa, na sombra que permitia uma brisa passar por entre o forno da cidade, viu os amigos lhe acompanhar.
-Você não flertar, entenda. Fez o cara da festa quase te tacar na mesa. –Com movimentos rápido Lais pegou os óculos antes pendurados no decote da blusa e os posicionou no rosto claro.
Joy observou como a amiga era elegante, e como diferente de si parecia tão confortável com tudo ao redor. O mesmo valia para Mateus, eles pareciam saber todos os passos da vida, parecia se encontrar em qualquer conversa e andavam como se nada pudesse os impedir de viver. Ela desejou tanto poder ser como eles, mas não conseguia. Primeiro que eles estavam acostumados, segundo... Eles não estavam ali pensando em todas as mínimas coisas como ela.
-Ele não fez isso, exagerada. –Mateus deu um tapa na bunda da outra, e Lais devolveu. -Eu que quase o taquei na mesa. Você tava tão louca que nem lembra.
-Coitado. –Lais riu ao lembrar-se da cena, imaginando o que o garoto da festa pensara. -Tente paquerar alguém sóbrio, que tal?
-Eu vou te paquerar bebê. -Mateus se virou para a amiga e se abraçou com ela, com uma perna a fez se jogar em seus braços.
-Ah! Tá bebezinho vem cá.
-Ai coisinha mais fofa.
Joy observou com o canto dos olhos os amigos interagindo e sorriu, eles se davam bem, aquilo era interessante. A menina de olhos escuros observou os veículos passando por sua rua, esperando que algum deles fosse o transporte que chamaram. Estava tentando respirar fundo, na intenção de tirar o peso de seu peito, mas a cada buzina, pessoa olhando para ele, pássaro que cantava mais alto, aumentava a sensação ruim em si, então tentou olhar para outra direção.
-Está chegando o Uber? –Mateus estava com Lais em suas costas agora, e quando olhou para a outra amiga que encarava o céu, se perguntou se ela estava bem.
-Sim. Ei, me lembrem de comprar água, senão eu mesmo morro depois de umas latinhas. –O rapaz puxou o celular do bolso de seu shorts e respondeu ao motorista.
-Por que chamou um Uber? Um 99 era mais barato, a Orla fica longe. –Lais falou se aconchegando mais no pescoço do outro, sentindo o perfume do outro. –E esse perfume é o meu.
-Você tá louca. Começou a beber sem a mim? –Mateus olhou para a rua, tentando entender o porquê do motorista fantasma dizer que já estava ali na frente deles.
-O que? Por que? –Lais desceu das costas do outro e esticou a própria coluna.
-Os cara fica com suas coisas se você vacilar. E nem tente denunciar, que o aplicativo te dá sumiço. –Explicou enquanto enfim via o carro que chamara chegar no início da rua. Ele caminhou até a calçada e levantou o braço para que o motorista do Uber lhe visse.
-Isso só aconteceu com você. Quando minha amiga deixou o celular lá, ele voltou para devolver. –Lais respondeu se abando com uma mão pequena, seus dedos logo se arrastando por sua testa suada.
Joy se aproximou deles e suspirou de leve tentando não passar mal a qualquer momento. Entraram no carro, e menina de careta em uso se perguntou o porquê de estarem todas as janelas baixas. Era quase verão, a cidade é uma das mais quentes do Nordeste e o motorista parecia muito bem com esses fatos. Diferente dela que começava a suar bicas enquanto se exprimia no banco traseiro com os outros amigos.
-O cara era gente boa demais nessa situação. –A mais calada dos três não acompanhava mais a conversação.
-Bom dia amigo. -Mateus falou em uma voz firme, sendo respondido pelo motorista com um tom vibrante, as meninas o saudaram em seguida. -No seu caso, o cara era gente ruim demais, então.
-É, certo poc. -Lais responde ao amigo e se recostou com as bochechas corada pelo ar quente.
As ruas começavam a encher ao decorrer do trajeto, Joy começava a ficar mais nervosa ainda. Se passar um dia com pessoas estranhas podia ser algo divertido para os outros, para a menina de cabelo crespos, era um lindo inferno. Era como se jogar aos leões e saber que as leoas iriam antes deixa-los se divertir com sua carcaça, para então elas devorarem-na. Diversão. Era isso não? Se tornar uma leoa?
-Sangue de gêmeos. Dois em um. –Joy se religou na conversa dos amigos, pensando ter se inspirado no tema sobre signos para sua navegação mental.
-Eu sei não é? Sou ágil. –Mateus riu e cutucou a menina quieta ao seu lado, como se ela estivesse realmente atenta.
Joy voltava para o presente ao perceber a rua mudando de cenário, o ar ficando mais denso, as pessoas mais desnudas, se é que era possível. A praia da Atalaia estava sufocante de gente, o som do mar veio junto ao vento, Joy teve que levantar um pouco o vidro, impedindo que a potência lhe deixasse surda. Perdeu então um pouco do frescor, doce frescor, o calor de queimar a pele, era como se estivesse borbulhando.
-Joy você é de que? –Mateus lhe chamou a atenção mais uma vez.
A garota demorou um instante, pensando como responder ao amigo. Ela não lembrava o signo dela, a muito tempo não se atualizava nas questões dos astros e ficou aflita por não poder participar da conversa. Por um lado ela queria ficar quieta, se impedindo de cometer algum deslize em alguma palavra errada, ou assunto do qual ela não conhecia. Mas algo dentro dela ainda dizia que deveria entrar em algum assunto, qualquer que fosse, e se arriscasse a dizer nem que fosse algo neutro.
Ai que o problema ficava para ela, pois precisava pensar muito, filtrar os próprios pensamentos, muitas vezes modifica-los de acordo com o que ela pensava da opinião dos outros. Era complicado, mas ela ainda estava tentando. Não tinha conseguido participar de prontidão naquele instante, e seus amigos esperavam.
-Acho que ela é de áries. –Lais lhe atingiu, não parecia muito preocupada com a falta da resposta.
-Virgem eu acho. –Mateus chutou, o pescoço se esticando por entre os contornos do carro, na meta de ver a situação da praia. -Data de aniversário. - Disse se voltando para ver o próprio celular.
-25 de setembro. –Joy disse se ajeitando desconfortável no banco do carro.
-Libra, não? –Mateus teclou algo rápido no celular e então se esticou até o banco da frente. –Amigo pode parar naquele bar mesmo. –Disse apontando com um dedo, o motorista balançou a cabeça, permanecendo em silêncio. -Hum, interessante. Acho que faz sentido. –Mateus voltou a reagir ao signo da amiga.
Do seu lado do banco, Joy sentiu uma centelha de desagrado quando viu uma silhueta familiar no bar do qual o amigo indicara. Pensou por um segundo que poderia ser coisa da sua cabeça, mas ai quando estavam descendo e as figura das pessoas foram se formando a sua frente, Joy se viu ficando apavorada.
-Eu queria ter passado numa barraquinha de ambulante antes. –Lais falou, saltando do carro.
-Ali na frente acho que tem algumas. –Mateus puxou uma Joy paralisada no banco do carro e ficou para trás falando algo com o motorista do carro, as meninas caiaram na graça do calor excessivo e se integravam no barulho do mar e das pessoas agitadas.
Joy respirou fundo quando viu os colegas lhe olhando, talvez não exatamente para ela, mas era a sensação. A menina tentou não voltar para o carro enquanto ainda estava ali, mas não pôde evitar se por atrás dos dois amigos andando até o encontro dos outros. Sentiu a pele formigando com o sol e seus pés começarem a se encher da areia por entre os dedos. O cheiro do mar lhe abraçou, trazendo lembranças de quando era menor, quando tinha pessoas ao seu redor e ela não sentia que podia fugir a qualquer segundo. Tentou respirar aquelas lembranças, se imunizando com a sensação que lhe ocorria no passado, trazendo para o agora.
-Se aquele cabeça de miojo estiver ai eu vou bancar a Monalisa. –A conversa continuava, Joy se afastava mais alguns passos atrás.
-Uhu, já tem apelidinho. –Mateus olhou a amiga as suas costas e pensou se deveria deixa-la, mas a puxou pela mão até seu lado.
-Descontrolada, me respeite. –Uma mão de Lais voou até a cabeça do amigo por trás de Joy.
-Oh, que dó. Espero que se beijem.
-Para Mateus. - Lhe bateu no braço.
-Joy, você tem algum crush? -A cabeça da amiga calada estava zunindo, ela demorou um tempo para entender o que ele quis dizer, mas então percebeu que estava novamente na mira de novas perguntas que lhe deixava desconfortável.
-Hum, não. -Disse por entre um suspiro e Mateus entortou os lábios cético.
-Humhun sei.
-Talvez uma crush. -Lais riu enquanto falava, seus olhos vagando por entre seus colegas que estava a alguns passos de distância acomodados em sombreiros.
Joy estava quase negando, mas perdeu sua linha de raciocínio quando avistou Mary, e por um segundo pensou como seria se apenas desse as costas e fosse embora. Ela já achava que lhe encaravam como uma chata, parecer uma louca era apenas mais um passo pra ela. Seu auge veio quando vira o garoto da noite anterior, se sentiu muito perdida, quase virou uma estátua no meio da areia quente. Os amigos se viraram pra encara-la, Joy nada dissera e começou a caminhar para o sentido contrário.
(Continua)
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