Morena inspirou e expirou devagar, alimentando o fogo que corria em suas veias, concentrando-se em se esquentar. A tranquilidade que sentira enquanto esperava que os chamassem para a arena fora uma grande farsa, e se dissipara no momento em que ela parara de pé, ao lado de Aleksey, na beirada da arena. Ela se concentrou em controlar sua taquicardia, tentando domar seus pensamentos. Focou no calor que Aleksey irradiava e no cheiro suave de tempestade que sempre acompanhava a magia dele, fechando os olhos. Conseguia sentir o aroma suave das águas termais que a magia de Narantuyaa Zayaevna emanava misturado com o gosto metálico no fundo da boca que era resíduo de Hadassa Mirienovna.
Estavam posicionados de acordo com suas afinidades principais, no ciclo de criação: metal virava água, que dava vida à madeira, que alimentava o fogo. Para as Entropias, aquele era o início e o fim de sua arte, a base primordial para manipular os elementos. Estavam tão acostumados a pararem nessa ordem que se posicionaram assim na arena sem orientação alguma. Normalmente, à sua direita, ficaria Mihail Nataliev, o único que se recusara a fazer a prova, e que completava o ciclo com sua especialidade, fogo cria a terra, que gera metal.
Morena se inclinou um pouco para a frente para ver seus colegas na fila e deu um pequeno sorriso. Gostava de como eles eram únicos e se completavam de forma harmoniosa, bem diferente da uniformidade que algumas das outras especializações tentavam impor. Eram os mais próximos da natureza e tão exuberantes quanto ela – e cultivar e respeitar as próprias particularidades eram a chave para sua arte. Ela preferia mil vezes a sensação indescritível que sentia ao se conectar com os fluxos de energia que corriam no mundo elemental aos cálculos cuidadosos que seu marido fazia para transformar a magia e domá-la em objetos.
Eles eram tão diferentes entre si quanto os elementos em que se especializavam. Hadassa, a primeira da fila, era uma mulher alta de ombros largos, com o cabelo cacheado bem curto, num marrom acobreado parecido com o tom da sua pele, os olhos cinzentos e afiados como as lâminas de que tanto gostava. A especialista em metal era um dos raros casos de alquimistas com duas especializações – havia se graduado como Cinemática e buscava o grau de Extraordinária como uma Entropia. Morena a conhecera quando ainda eram meninas e se esbarraram numa das mesas de comida, as duas desesperadas atrás de algo que pudessem comer sem passar mal. Quando descobriu que a garota era de uma cidade muito próxima de onde Morena havia crescido, em Mièdz, as duas perceberam que tinham muito mais em comum do que uma série de restrições alimentares que eram sumariamente ignoradas pela academia onde estudavam. A especialista em água, Nara, era tão alta quanto Hadassa. Uma figura chamativa aonde quer que fosse, seu cabelo escuro e pesado caía numa trança ao longo das suas costas; seus olhos eram grandes e angulosos e sua pele era da mesma cor das pedras arenosas das montanhas que seu povo habitava, na fronteira com Xenon. Nara e Aleksey eram como ela e Hadassa – os dois haviam ficado amigos com uma facilidade ridícula por terem crescido em regiões relativamente próximas, e mantinham uma competição que ficava cada vez mais elaborada e ninguém sabia mais como tinha começado, nem que regras envolviam. Morena já conseguia imaginar a série de critérios aleatórios que eles inventariam para decidir qual dos dois havia se saído melhor depois que todos eles se titulassem.
Ao seu lado, Aleksey era uma presença sólida e reconfortante, o mais alto das quatro, seu cabelo castanho jogado para trás e sua pele branca brilhando com um tom alaranjado sob a luz das tochas. Ele era o único que estava com ela desde o início, desde que entraram na academia. Morena conhecia a magia dele tão bem quanto conhecia ela própria, e embora Aleksey não gostasse tanto de se vangloriar, ela já o vira chamar uma tempestade num dia de sol, segurando os trovões entre as mãos como se fossem brinquedos de criança. Sabia que a maior parte das pessoas na Corte achavam que ele não passava de um rostinho bonito sem cérebro, fosse pelos boatos que o tio espalhava sobre ele, fosse pela reputação duvidosa que ele estava tentando construir cuidadosamente para si. Morena sempre se irritara com a forma como o desprezavam abertamente, sem sequer disfarçar, mas Aleksey não via problema nenhum em nada disso. Ele era excelente em transformar o que jogavam contra ele em suas armas, apesar de não precisar de nada daquilo. Se quem acreditava na incompetência de Aleksey pudesse vê-lo ali na Azote, com a cabeça erguida, orgulhoso, a tensão da antecipação em seu rosto, teriam tanto medo dele quanto tinham dela, e finalmente o respeitariam.
Poder demanda respeito, era a primeira lição que a mãe dela lhe ensinara, que ficara grudada em sua mente. Ela queria que Aleksey entendesse que merecia respeito, mas já que ainda não obtivera sucesso, ela teria poder o suficiente para exigir respeito para os dois.
Aleksey sentiu a atenção de Morena sobre si e olhou de soslaio para ela, com um ensaio de sorriso. Ela o imitou, desviando o olhar para os próprios pés, antes de levantar os olhos para a arquibancada à sua frente. Às vezes suspeitava que Aleksey havia se especializado em madeira só porque sabia que o verde do uniforme iria ressaltar os tons esverdeados nos seus olhos cor de mel e deixá-lo ainda mais bonito.
E então havia ela: a mais baixa dos quatro, embora fosse a mais alta da família do seu pai, em Tantalum. Seu cabelo cacheado pendia de um rabo de cavalo alto, sua pele marrom brilhando como bronze. Nunca tivera escolha quanto à sua especialização – embora a crendice de que a magia bashari era alimentada por demônios de fogo fosse infundada, a magia que corria em suas veias era a base do seu elemento. Levou uma mão à sua lateral direita, onde a tatuagem que ligava sua magia à de Ivan, feita quando se casaram, quase cinco anos antes, se espalhava, abraçando suas costelas. Seu marido havia ficado duas semanas inteiras ardendo em febre, murmurando coisas desconexas, com medo de seu sangue esquentar ao ponto de evaporar.
Eles sabiam que a tatuagem poderia ter efeitos colaterais, mas esperavam que fosse como os que ela tinha sofrido: um desconforto, como se seu corpo estivesse tentando conter algo maior do que ele. Com Morena, tudo havia passado em dois dias. Como iriam explicar a qualquer um se fosse mais tempo do que isso? Ah, Ivan e eu encontramos um ritual de casamento num livro antigo escrito em um idioma morto, deciframos o que dizia e adaptamos para algo que não sabemos bem o que é, mas que certamente é ilegal? Eles não podiam se dar ao luxo de serem descobertos. Nem Aleksey sabia o que haviam feito, e não parecia suspeitar, apesar de Morena ter quase certeza de que ele não comprara a desculpa que ela dera de que Ivan tinha ficado com um forte resfriado.
Entretanto, não era todo mundo em Tantalum que tinha magia como a dela – esse era só o presente que lhe fora dado pelo seu pai, um segredo sussurrado em seu ouvido nas primeiras horas do seu nascimento, antes mesmo de lhe darem seu nome.
— AZOTE! — A voz do professor Ilya Svetlanich, a Entropia escolhida para supervisionar a prova, soou pela arena, tirando-a de seu devaneio. — Estamos reunidos aqui nesta noite sem estrelas para a Tricentésima Primeira prova de Graduação Extraordinária das Entropias.
[Continua na Parte 2]
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