[Continuação da Parte 1]
A plateia pareceu ir à loucura, e Morena procurou Ivan com o olhar, sem conseguir enxergar a arquibancada por causa da névoa que começava a se dissipar da arena. O professor fez um gesto e esperou que todos ficassem quietos antes de continuar.
— Precisamos seguir os ritos corretos antes de começar a prova, então começo agradecendo a presença da vice-reitora, a Alquimista Extraordinária Veronika Tarasova, chefe das Entropias, décima primeira cadeira do Sovet. Também temos entre nós o Alquimista Extraordinária...
Morena revirou os olhos. Aquela ladainha iria prosseguir pelos próximos minutos, recitando absolutamente todos os professores relevantes que estavam ali para assistir e servir como testemunha para a prova. Ela não tinha paciência para nada daquilo. Seu coração prestes a explodir de ansiedade, e ela se perguntou, pela milésima vez, qual seria o desafio que os esperaria quando a prova começasse. Era um tipo específico de tortura o que faziam com eles, forçando-os a esperar enquanto faziam burocracias inúteis.
Sentiu a mão de Aleksey encostar na sua suavemente e esticou o dedo mindinho, entrelaçando-o no dele. Aleksey se inclinou mais para perto dela, parecendo descontraído, mas Morena conseguia sentir o quanto sua mão tremia embaixo da dela. Ela se aproximou mais, entrelaçando todos os dedos nos dele, apertando com força, e ele engoliu em seco, desviando o olhar para a arquibancada.
— Onde você acha que Ivan está? — Aleksey perguntou, com a expertise de quem estava acostumado a inventar conversas para evitar perguntas que não queria responder.
— Numa das primeiras fileiras. Ele estava mexendo num negócio para usar com os óculos para poder ouvir a arena e queria testar, mas precisava ficar a sei lá quantos metros para conseguir ouvir? — Ela tentou explicar, mas só conseguia se lembrar dos dedos longos de Ivan acariciando várias vezes um objeto metálico esquisito e desejando que ele desse atenção a ela em vez disso, e sentiu as bochechas esquentarem. — Mais uma daquelas coisas que ele inventa, fica obcecado e só para quando termina.
Aleksey balançou a cabeça com um meio sorriso, mas quando Nara deu uma cotovelada em Aleksey e fez um sinal com a cabeça para onde Ilya apresentava a prova, os dois voltaram a ficar tensos. Morena sentiu um gosto amargo na boca, a ansiedade se aninhando como um animal em seu peito. Sabia que, dependendo da prova, nem todos eles conseguiriam passar. Não tinha muita certeza de como Aleksey se sairia em uma prova que exigisse muito, tanto da parte física quanto de magia, e Morena não conseguia sequer imaginar um mundo em que ela se graduava e ele não. Faria o que fosse para fazê-los terminarem aquela prova juntos. Olhou para Aleksey novamente, segurando a mão dele com força.
— Te vejo quando a gente for Extraordinário — sussurrou ela para reconfortar Aleksey, que só retribuiu com um aperto de mão ainda mais forte, sentido até os dedos dos pés de Morena.
— As regras da prova deste ano são bem claras. Estamos numa prova excepcional, feita em reconhecimento ao alto nível da turma atual — Ilya explicou —, então nossa prova será um pouco diferente do comum: apenas um dos candidatos conseguirá se graduar.
— É o quê? — Hadassa exclamou, e Morena ouviu mesmo com todo o ruído da plateia, que havia basicamente ido a loucura.
Talvez Ivan tivesse razão em achar tudo aquilo ridículo. Como assim, uma pessoa?
— Os demais terão sua próxima chance na prova que ocorre normalmente, no ano que vem — Ilya adicionou, como se tivesse ouvido Hadassa. — Candidatos, podem se virar para a arena.
Os quatro obedeceram, a névoa por fim dissipando-se na área. Morena franziu a testa ao ver o lago que ficava bem em frente à arquibancada, com uma floresta densa à esquerda e vários pilares de metais aninhados à direita. Parecia simples demais. Elementos primários numa prova de Alquimista Extraordinária? Devia ter alguma pegadinha.
— A arena foi dividida em cinco áreas, uma para cada elemento. Fogo, madeira, água e metal estão no círculo exterior, e terra, no central. É semelhante à prova de graduação de Alquimistas que fizeram anteriormente: há um segredo escondido em cada uma das partes, e, só ativando a combinação, vocês passarão para a próxima etapa — Ilya continuou, alheio ao drama que se desenrolava com seus alunos.
— Não — Aleksey falou, largando a mão de Morena e levando uma mão às têmporas, trocando o peso do corpo de perna. — Não é possível. Igual à prova de Alquimista? Não pode ser.
— Não há problema algum em dois alunos estarem na mesma seção — o professor acrescentou, dessa vez sem esconder sua animação com a prova diferente de tudo o que já fizeram. — Menos quando chegarem no coração da prova: se mais de um aluno conseguir chegar lá ao mesmo tempo, só um deles poderá obter o título. Como eles vão decidir quem ganha, fica a critério deles. Desde que não haja nenhuma morte, tudo está valendo.
— Não pode ser — Hadassa bufou, olhando para os colegas ao redor. — Vai ser no mesmo esquema? Aquele que vocês demoraram cinco horas para decifrar os enigmas e passar? Aquela prova foi surreal.
— Com o grande adicional de que só um de nós pode terminar a prova! — Nara exclamou, sua voz pingando sarcasmo. — Melhor dia da minha vida.
— Lyosha. — Morena segurou Aleksey pelo pulso e quando ele se virou, ela conseguia ver o medo em seus olhos. Ela se aproximou e sussurrou: — Você consegue. Nem que eu precise te arrastar comigo. Eu sei que é uma prova longa e cansativa, mas juntos, a gente já conseguiu uma vez. A gente vai conseguir de novo.
— Do que adianta se só um de nós pode ganhar? — ele sussurrou de volta e ela largou o pulso dele, se sentindo incomodada.
— Você não sabe disso. Se a gente chegar juntos, eles não têm escolha a não ser dar o título para nós dois.
— Se nós dois chegarmos juntos, vai ser porque eu consegui chegar lá sozinho, sem a sua ajuda — respondeu ele rispidamente, olhando na direção dos desafios que os aguardavam.
— Mas a sua per...
— Morena, isso é uma competição — Aleksey a interrompeu, sem sequer olhar nos olhos dela. — Não tem diferença nenhuma entre vencer com a sua ajuda e não vencer.
Morena engoliu em seco, desviando o olhar para a arquibancada.
— Tudo bem, então. Faça como quiser.
Eles ficaram em um silêncio tenso pelos minutos que restavam antes dos professores virem para conduzi-los até as suas posições. Ela sabia que Aleksey era completamente capaz de concluir qualquer prova que viesse pela frente se estivesse bem, mas ele não estava bem há meses. Não desde que o seu tio estúpido havia errado a mira e acertado a perna dele com um tiro acidentalmente, como era a versão dos boatos que circulava por aí. Não desde os meses em que passou de cama, no quarto ao lado do que ela e Ivan dividiam na Azote, precisando de ajuda para ir às aulas, trocar curativos, tomar banho. Mesmo quase um ano depois, a perna ainda doía, e, embora ele e Ivan não tivessem contado para ela o que estavam fazendo nas horas que passavam juntos na biblioteca, tinha certeza de que era algum plano mirabolante para Aleksey conseguir passar nessa prova sem muitos problemas.
Ela também queria ajudar. Queria muito. Ficava sentada ao lado deles, esperando que a convidassem para alguma pesquisa ou que contassem para ela o que estavam planejando, ou que pelo menos perguntassem o que ela achava, mas não. Aparentemente, Aleksey preferia morrer a ter a ajuda dela.
Então se era isso que Aleksey queria, era o que ele teria.
— Boa sorte — falou ele nos momentos antes de se separarem, e ela deu uma risada que soou quase cruel.
— É uma competição, Aleksey — retrucou irritada. — Não preciso de sorte para vencer.
Continua...--
CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais
Edição: Marina Orli e Val Alves
Preparação: Laura Pohl
Revisão: Lavínia Rocha
Diagramação: Val Alves
Título tipografado: Vitor Castrillo
Ilustração: Júpiter Figueiredo
Agradecimentos especiais aos Betas: Gih Alves, Franklin Teixeira, Thiago Lee, Ana Elisa, Fernanda Nia, Dayse Dantas e Diego Matioli.
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