A visita a família de papai foi muito mais animada que na casa dos meus avós maternos, mesmo que vovó tenha ficado muita brava ao ver que eu perdi peso, e tenha chamado atenção de papai sempre que pode. Meus tios e primos mantiveram uma distância normal e respeitaram nossos espaços, não fomos forçados a nada. Houveram partidas de truco, as quais eu, Luna e Caio nos juntamos, mas fomos logo derrotados e saímos para conversar lá fora.
— Como está indo na escola? — Caio me pergunta se sentando num dos muitos bancos do grande jardim e ajeitando os óculos.
— Não se preocupe, Cacá, definitivamente nosso priminho aqui está amando aquele grande latão de lixo não reciclável. — Luna exibiu um sorriso e se sentou perto de Caio, deixando um espaço entre eles e dando duas batidinhas para que eu sentasse lá.
— É tranquilo, tirando o atraso em algumas matérias, acho que vou sobreviver. — ergo meus dois braços, passando eles ao redor dos pescoços de Luna e Caio. — Estou feliz por ver vocês de novo pessoal, conversar por mensagens não chega nem perto disso.
— Também senti muita falta disso, é uma pena já ser meu último ano, queria passar mais tempo com vocês. — Caio segura minha mão gentilmente.
— Não sejam tão dramáticos. Erg. Ainda somos da mesma família. — Luna diz, mas sua voz parece balanceada pelo abismo de três anos em que mal nos conectamos um com o outro. Desde que éramos crianças fazíamos tudo juntos. Nossos tios sempre nos chamaram de trio dourado, o que eu amava, porque me lembrava Harry Potter. Mas nossos primos se dividiam em três mosqueteiros, no caso dos mais novos, que queriam ser como a gente, e os três patetas, no caso dos mais velhos, que achavam que eram tudo o que tinha de melhor no mundo. — Você vai mesmo estudar fora, Cá? — O assunto se desvia de mim agora.
— Ainda estou analisando minhas opções, vou aproveitar o pouco tempo que tenho pra relaxar, antes de tomar uma decisão definitiva. Mas acho que sim, Lu, provavelmente. — Caio se afasta do meu braço e se vira para mim. Me vejo refletido nas suas lentes. — Como foi morar fora, El?
El. Fazia tempos que não ouvia alguém me chamar assim. Não pessoalmente, ele já havia me mandando centenas, não, milhões de mensagens usando esse apelido, mas escutar ele aqui e agora, depois de tanto tempo, me faz tremer um pouco com diversos sentimentos. Eu senti tanta falta disso.
— O Rio é realmente maravilhoso, mas, não sei. Acho que eu não gostava muito dos amigos que eu fiz e dos caras com quem eu saí. Todos pareciam tão diferentes de mim, de algum modo. Não que diferenças sejam ruins, mas só como peças de um quebra-cabeça que simplesmente pertencem a lugares distintos. — Dou uma pausa e ele assente, me encorajando a continuar. — Mas mamãe estava apaixonada e papai podia trabalhar menos. Os bondes também são bem legais e todas as praias. Eu gostava de ver meus pais felizes, então, mesmo com minhas adversidades, foi um dos melhores momentos pra mim. — Meus olhos ficam marejados ao lembrar de mamãe e papai juntos, vivos e felizes. Saber que nunca mais terei aquilo, juntando o fato de estar de volta com Luna e Caio me fizeram simplesmente chorar. De dor e gratidão.
Luna se levanta, enquanto Caio me puxa para um abraço e eu simplesmente enterro minha cabeça em seu peito.
— Venham. — ela chama e sai andando em direção a uma antiga garagem um pouco longe de onde estamos. Desde de crianças a garagem se tornou uma espécie de sala de brincadeiras para os mais novos da família e, por termos idades muita próximas, Caio, eu e Luna sempre ficávamos por lá, fazendo a magia da infância acontecer.
Quando entramos tudo parece muito diferente desde da última vez em que estivemos ali, o que é perfeitamente compreensível. E muito mais bagunçado, já que temos muito mais primos mais novos agora. Por sorte, está vazia. Há brinquedos espalhados por todos os lados e luzes coloridas sendo refletidas por grande parte da sala. Tem bastante colchões infláveis no chão também, Luna se joga num deles e Caio e eu nos juntamos, um de cada lado dela. Minhas lágrimas já se foram completamente.
— Precisamos de algo pra nos animar, não podemos ficar remoendo todos nossos momentos só porque talvez seja nosso último ano juntos assim. Nos vendo frequentemente. Sei que parece ter mais beleza porque é finito, mas tudo é, mesmo que se estenda por belos e longos anos. — ela estende uma mão para tentar pegar uma luzinha que reflete sobre a gente. — O que importa é simplesmente viver da forma que pudermos. Deixe pra recordar de tudo e fazer uma autópsia de cada pequena coisinha quando estivermos velhos e grisalhos, isso é, se chegarmos lá.
— Claro. — Caio diz e ri sinceramente. — Muito algo da Luna. Vamos pessoal, fiquem alegres! Oh, mas sabiam que podemos morrer a qualquer minuto?
Eu e Luna damos início a gargalhadas frenéticas, porque bem, esse é o Caio e é muito raro ver ele dizendo coisas desse tipo. Geralmente suas personalidades flutuam entre sério e calado, mas ele sabe que também amamos seu lado irônico.
— Não seja um irmão estúpido, maldito Caio. — Luna diz, ainda sorrindo. — Estou apenas dizendo que já que estamos todos juntos, quero me divertir. Principalmente agora que o Urizinho aqui está prestes a ser tomado de nós pelo seu príncipe no cavalo branco.
— Quê? — diz Caio e eu fico envergonhado novamente. — Espera, de quem vocês estão falando?
— O Hugo, o que ganhou as últimas olimpíadas de matemática. — não sabia dessa informação, mas provavelmente esse seria um dos poucos detalhes que fariam Caio se lembrar de alguém. — Serão um maldito casal de nerds e apostam que darão suas crianças nomes como Einstein e Marie Curie.
— Não tem nada acontecendo entre nós dois, Cá. — eu digo. Porque, bem, não tem realmente nada acontecendo.
— É só uma questão de tempo. Aguarde irmãozinho. Estou sempre certa. — Luna diz e tira o celular do bolso.
— Okay, dona da verdade. — eu rebato e observo enquanto ela desbloqueia a tela. — O que você tá fazendo? É falta de educação ignorar alguém ao seu lado. Ainda mais depois de todo aquele papo sobre aproveitar o momento. — ela se vira pra mim e sorri.
— Vamos dançar. — ela liga o bluetooth e o conecta a uma grande caixa de som encostada na parede, ao lado do nosso colchão. Todos nos levantamos juntos. — Vocês sabem o que isso significa, certo?
— BTS! — eu e Caio gritamos juntos, rindo logo depois.
Luna sempre nos fez ouvir K-pop desde que tínhamos 10 e 11 anos, sem dar a mínima se estivéssemos gostando ou não. Mas, com o tempo, eu e Caio acabamos nos afeiçoando pelo estilo e dançar juntos começando pelo som deles se tornou um ritual.
Ela deu play em Blood, Sweat and Tears e logo estávamos como loucos, girando por todo o espaço a nossa volta e perdendo o ar, ao cantar junto, quando chegavam nos versos com "manhi, manhi, manhi". Passamos por mais músicas deles, dos álbuns novos e antigos, e depois mudamos de cantores aleatoriamente. Muitas horas tinham se passado quando enfim decidimos que tínhamos sido derrotados pelo cansaço e deveríamos ir embora.
No caminho de volta para casa andamos todos de braços dados e o ar noturno sopra frio, mas nosso sangue ainda está quente devido as danças. Eu suspiro aliviado por ter isso novamente, olho para o céu estrelado e desejo que, onde quer que minha mãe estiver, ela possa ver que eu não passo a maior parte do tempo chorando mais. Eu comecei a superar a tristeza, mesmo que sempre tenha que viver com ela. Aperto os braços ainda mais forte envolta de Luna e Caio.
— Amo vocês, pessoal. — e sim, puta merda, eu realmente amo essas pessoas.
Comments (0)
See all