Quando chegamos na escola, nos despedimos carinhosamente de tia Anna e eu vou direto pra minha sala, dando um tchau desajeitado para Caio e Luna. Quando me sento, a cadeira ao meu lado ainda está vazia. O professor do primeiro horário chega, anuncia testes surpresas em duplas, e Hugo ainda não apareceu.
Todos ao meu redor estão arrumando cadeiras e se organizando, formando duplas com quem tem mais afinidade e, em alguns casos, apenas olhando desesperadamente para aquilo e perguntando ao professor se é obrigatório fazer com outra pessoa. Eu apenas estou calado observando tudo. Mas então uma garota de pele muita branca e com olhos pequenos se inclina na minha direção, já arrastando sua mesa.
— Olá, Uriel. Acho que ainda não fomos apresentados. Sou a Raissa. — ela terminou de arrastar a mesa, colocou ao lado da minha, e estende sua mão em um cumprimento. Eu a aperto. Ela sorri. — Vou fazer dupla com você, assim não ficará sozinho. — aceno com a cabeça e dou um sorriso sem graça pra ela.
— Desculpa, Raissa. Acho que a Luíza quer muita fazer dupla com você e ela também está sozinha. E, como estou ajudando o Uri com as matérias, acho melhor ser a dupla dele. Tudo bem? — me viro na direção da voz e Hugo está sorrindo radiantemente, como sempre, enquanto encara Raissa.
— Claro, Hugo. Estava mesmo me perguntando onde você estaria. Não há problema nenhum. — ela olha pra Luíza e percebe que Hugo já tinha arrastado a mesa que ele ocupava até ficar ao lado da dela, bem na frente da sala. Distante de nós. Apesar das palavras, o tom de Raissa demonstrava que haviam problemas sim. Tantos.
Hugo se acomoda rapidamente ao meu lado e, após retirar uma caneta do estojo, seus olhos encontram os meus. Sua expressão está séria agora e parece que ele pode ler cada pequeno e efêmero pensamento que cruza minha mente. Me lembro da noite passada e sinto meu rosto esquentar. Ficamos ali nos encarando por minutos, tentando desvendar um ao outro, até que o professor coloca o teste sobre nossa mesa.
— Boa sorte, alunos. — ele diz e se afasta apressadamente.
Encaramos a folha a nossa frente e permanecemos um pouco mais em silêncio. Uma voz sorrateira se esgueira pelos meus pensamentos e sussurra: ele sabe. Ele sabe o que você fez. Não se sente mal por isso? E estou quase me levantando, pedindo para ir ao banheiro, só para não ter de prolongar mais a situação, mas então Hugo quebra o silêncio.
— São oito questões. Podemos nos revezar, certo? Eu faço quatro e você quatro, nos alternando, cada hora um. — ele aperta a caneta mais forte e eu retiro a minha do estojo também. Evitando seu olhar.
— Por mim tudo bem. — digo.
— Se não soubermos como responder, ou se discordamos com relação as respostas, podemos ajudar um ao outro, okay? — ele parece nervoso. E eu acho que devo parecer nervoso também.
— Okay. — nos viramos para a folha do teste, no meio de nossas mesas unidas, e começamos a ler em silêncio. Cada um de nós apenas passando os olhos e assimilando as informações em nossas cabeças.
Hugo começa marcando a primeira. Eu concordo, e então avançamos. Marco a segunda, ele concorda. Continuamos seguindo em frente. Volta a ser minha vez, a quarta questão. Estou lendo novamente, para entender melhor do que se trata, e repentinamente sinto algo macio roçando minhas pernas, de lado. Tiro os olhos do teste e vejo que a perna de Hugo está absurdamente próxima da minha. Nada as separa, exceto nossos jeans.
Quando marco a resposta que penso está correta, ele assente com a cabeça e fica um pouco envergonhado quando se abaixa para ler a próxima. Sei que ele também está bastante consciente da nossa aproximação. Foi ele quem começou tudo isso. E aí acabo fazendo algo que não me imaginava capaz, numa sala repleta de pessoas. Pressiono minha perna ainda mais forte na dele e me arredo mais para o lado, de maneira que meu braço começa a tocar lateralmente seu tronco. Ele parece gostar, porque se aninha numa posição mais confortável, sem quebrar a conexão, e permanece.
O professor recolhe todos os testes no final da aula e a próxima professora entra na sala. Diz que não precisamos desfazer as duplas, o dia será inteiramente de testes. Então eu e Hugo permanecemos juntos durante todos os primeiros horários e nos que sucedem o intervalo também. Uma manhã inteira sentindo seu corpo próximo ao meu. Sua perna e seu tronco sempre se acomodando a mim quando mudamos de posições para ficar mais confortáveis. Me sinto como uma peça de quebra-cabeça e ele é o encaixe perfeito.
Ao som do sinal para ir embora nos levantamos juntos e não dizemos nada sobre o que aconteceu ali, mas nós dois sabemos o que parece significar. Entendemos o que nossa proximidade quis dizer. E o que quis dizer foi: eu quero ficar ao seu lado, eu quero agir como se fosse uma extensão sua. Eu quero ser o encaixe perfeito. Eu quero você. E, nesse lugar, com o fim da manhã nos banhando em sua luz enquanto somos as últimas pessoas na sala, eu compreendo. Hugo e eu queremos um ao outro. Me despeço dele com um tchau e saio pela porta. Volto meus pensamentos para tudo que aconteceu e as lembranças só me deixam mais ansioso para vê-lo novamente amanhã.
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