— Filho, se cuida. E comporte-se. Não quero que dê trabalho para os seus tios. — papai está com uma aparência cansada enquanto tenta agir como um adulto normal e prudente ao me dar um aviso. Seu pijama azul, o pacote de batatinhas e as sombras debaixo dos seus olhos de tanto trabalhar, e agora devido a uma maratona de Sense8, impedem o efeito desejado. Parece o resmungo de um homem bêbado. Sorrio pra ele.
— Quando foi que já te decepcionei, Max? — Abreviação de Maxuel. Espero a raiva que vai vir após o uso do nome dele.
— Como ousa, garotinho? Não te criei durante 17 anos para nem se quer me tratar decentemente. Papai, ande. Concerte isso, porra. — ele está usando o tom de voz nervoso e sorrindo. Sabemos que é apenas uma brincadeira. De alguma forma, quero continuar com ela. Eu amo esses momentos com Max, digo, com papai.
— Meu Deus, Max, foram apenas 16 anos, porra. — Ele começa a rir e joga os braços para cima.
— Quem permitiu você usar "porra" dentro dessa casa, garotinho? Vaze, antes que eu mude de ideia. Vai começar um novo episódio. Não ouviu? Vaze. — ele fixa os olhos na televisão e o novo episódio começa. Vou em direção a porta e a abro. Quando estou indo fechar ela novamente, escuto.
— Boa viagem, Uri. Aproveite. — a voz de papai parece um pouco balanceada.
— Sem sentimentalismo, Max. — grito e escuto ele rindo enquanto me afasto, caminhando até a casa da tia Anna. No fundo penso, fique em segurança papai.
Duas semanas estão chegando ao seu fim e, nessa tarde de sexta, estamos indo para um sítio comemorar o aniversário do tio Marcelo, pai de Caio e Luna, que ocorreu na quarta passada. Checo minhas últimas mensagens e me sinto vazio, sinto falta de Hugo. A cadeira solitária ao meu lado durante todo esse tempo era como uma tortura. Olho a última mensagem que ele enviou.
hugo: talvez eu chegue antes do fim de semana. foi um evento e tanto. gostei, mas estou feliz que acabou. tudo o que quero agora é voltar para você.
Não respondi, não tinha como. Não poderia fazer isso sem perder completamente a postura e dizer a Hugo o quanto eu odiei ficar longe dele e como tive medo de que ele não voltasse, como ainda tenho. Eu não preciso de Hugo, sei disso. Posso ser feliz sozinho. Porém, eu o desejo e acho que minha vida seria incrivelmente mais iluminada com ele. Porque ele é o maldito Hugo e, puta merda, ele é o maldito cara que eu amo.
uri: estarei sempre esperando por você. Respondo finalmente.
[...]
— Sempre pontual, nosso Urizinho. Vamos, nos ajude carregar essas tralhas. — Luna está com sua expressão sarcástica e mortífera no rosto. O cabelo em um rabo de cavalo.
Os ajudo a levar todas as coisas que precisam para o carro e, depois de trinta minutos, estamos prontos para embarcar. Cumprimento tio Marcelo e tia Anna, além de dar um abraço muito apertado em Caio.
Não falamos muito durante o trajeto de ida, apenas nos acomodamos confortavelmente e jogamos conversa fora, nada muito relevante. Luna fica com uma expressão mais feliz e até começa a dizer coisas engraçadas, que fazem todos nós explodirmos em gargalhadas. Depois de duas horas, chegamos.
Ocupamos três chalés, um para mim e Caio, outro para o casal e um para Luna. Deixamos nossas coisas nas acomodações luxuosas e, enquanto tia Anna e tio Marcelo estão dando um show de amabilidade ao vivo, decidimos sair para explorar o local.
Verde é a cor predominante. Desde os caminhos de grama fofa que se estendem em todas as direções, passando pelas múltiplas variedades de árvores e tingindo as colinas e montanhas, tomadas por uma névoa cinzenta e reluzente, manchada pelo crepúsculo.
— Uau, é o caralho de um lugar lindo. — Luna diz.
— É mesmo incrível. — Caio acrescenta com o queixo caído. — Deveríamos fazer nossos pais saírem mais vezes.
Foi nesse sítio que os pais dos meninos se conheceram. Tia Anna estava trabalhando com preservação ambiental e veio ministrar uma palestra. Um bando de pessoas que fazem exploração ilegal acabou atacando a sala onde ocorria o evento e os índios da região, junto a polícia da cidade vizinha, lutaram contra eles, levando a melhor. Macãello, que hoje adotou o nome de Marcelo, era um dos índios que veio ouvir o que os homens sem cor tinham para falar. Ele se emancipou e foi para a cidade, um ano e meio depois, encontrou tia Anna numa empresa parceira a que ele trabalhava e a chamou para sair. O resultado disso tudo está bem do meu lado.
— Ah, como devemos. Por favor. — Luna responde. — Estou um pouco cansada da viagem e já vai escurecer. Podemos apenas arrumar um lugar para deixar nossos corpos e conversar?
— Podemos. — eu digo e passo meus braços ao redor de Luna. — Vamos ficar no gramado ali. — aponto para uma área a nossa frente, um tapete felpudo feito de grama verde, onde é permitido permanecer.
Logo Luna e eu estamos deitados de costas, enquanto Caio está sentado de pernas cruzadas assomando sobre a gente. Seu olhar ainda absorvendo tudo. Ele ajeita os óculos.
— Vocês acham mesmo que ter outra pessoa é tão importante assim? — ele pergunta, sua voz assume um tom melancólico.
— Nah, isso é bobagem, irmãozinho. — Luna olha pra mim, buscando apoio.
— Claro que não, Cá. Apenas fica bem em histórias. É uma ótima mercadoria, a ideia de amar outra pessoa romanticamente. Mas, não acho que seja muito importante. É legal, definitivamente. Divertido. Porém, ter a nós mesmos é o que importa, no final. — lanço cada palavra assertivamente até ele. Quero que ele continue pensando que está tudo bem não ter esse tipo de interesse, sentir esse tipo de atração. Porque o amo e, bem, porque está tudo bem mesmo.
— Mas você está completamente apaixonado pelo Hugo e até a Luna anda caidinha pela garota do curso de desenhos agora. — ele diz de uma forma simples. O rosto de Luna pega fogo e ela se senta, encarando Caio de uma maneira voraz.
— Como ousa? Eu disse que queria fazer uma surpresa. Nunca mais te darei detalhes da minha vida em antemão, maldito Caio. — apesar de dizer tudo com uma expressão dura, ela sorri no final. — Mas, você está certo, Amanda é o melhor fenômeno que esse mundo já criou. — pura ternura inunda sua voz. É a primeira vez que Luna se apaixona. E, caramba, é estranho para caralho.
— Ah, então não sou o único esperando por alguém num cavalo branco mais, certo? — sorrio para Luna.
— Sim, Urizinho. Você é o único. Amanda quem virá montar em mim. — ela pisca e joga o rosto para o lado, de uma maneira divertida e despreocupada. Caio e eu rimos. — Voltando ao assunto, Caio está perguntando isso porque foi uma das perguntas recentes na sua página no insta.
Caio tem uma página no instagram, já fazem quase três anos, é denominada @culpido_ errante e ele ajuda pessoas com seus problemas de relacionamentos e a entenderem seus sentimentos.
Ele começou porque queria entender mais sobre o que isso tudo significava para as pessoas e compreender mais sobre sua arromanticidade, o que veio depois de algum tempo administrando a página. Ele é relevante nesse meio, até mesmo participou de um evento a dois anos atrás, quando começou a bombar. Era uma ocasião para levar um par, a pessoa amada, e Caio apareceu sozinho, discursando sobre assexualidade e arromanticidade. Depois disso, sua visibilidade aumentou ainda mais. Sei que ele gosta disso, mas, em alguns momentos, Caio é totalmente inseguro do quão incrível ele é.
— Entendo. Mas, como você sempre diz, meu amigo. Nosso amor sempre bastará e será o suficiente. E, independente de como ocorra, qual tipo seja, o importante é amar. — eu falo.
— Eu amo vocês. — Caio sorri.
— Bom, eu te amaria se soubesse controlar sua maldita boca e não estragar minhas surpresas. — Luna diz de um modo brincalhão.
— Bom, eu adorei saber por você, Cá. Luna apaixonada é algo totalmente hilário. — eu olho para ela, que me encara com olhos semicerrados.
— Como ousam? Garotas fodas também podem amar, babacas. — ela ajeita o rabo de cavalo.
— Você está certa, Lu. Talvez Amanda dure três dias. — Caio zomba, empurrando o ombro da irmã.
— Como você é otimista, Cá. Um dia e meio. É o máximo. — o olhar que Luna me dirige congelaria o inferno.
— Eu nunca mais contarei algo assim para vocês, idiotas. — ela diz, mas está rindo. — Claro que ela não vai aguentar mais de oito horas. — ela pisca pra gente.
— E o Hugo, como vai? — Caio pergunta.
Luna começa a se remexer de uma maneira cômica e debochada.
— Não vê, irmãozinho? Nosso primo está totalmente domado. Deplorável. — ela diz.
— Você não está tão diferente, Lu. — Caio diz.
— Calado, mocinho. Isso não vem ao caso. — ela fala de um modo ligeiro e leve. — Vamos Urizinho, conte. Como vai o Hugo?
— Nada demais. Ele está concentrado nas olímpiadas. Não sou um ponto muito relevante da vida dele nesse momento. — minha voz está emotiva. tudo o que quero agora é voltar para você, lembro da mensagem.
— Eu não diria isso se fosse você. — uma voz vem de trás de nós e simplesmente congelo. Reconheceria esse timbre em qualquer lugar. Me viro rapidamente.
— Hugo? — não consigo evitar um sorriso.
— Eu disse que voltaria, não disse? — ele abre os braços. Eu corro e o abraço.
— Sim. — digo. E o abraço mais forte ainda.
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