Todas as turmas estão fora das salas e uma grande histeria tomou conta dos corredores. Assim que coloco meus pés no enorme pátio central, entendo o motivo. Teremos uma quadrilha. Dessa maneira, o primeiro e segundo tempo serão apenas de avisos e para que, quem quer que estejam interessados em dançar, possam escolher seus pares.
Luna se aproxima de mim, sorrindo, com o celular entre as mãos. Amanda, provavelmente. Luna raramente sorri na escola. Desde que entrei, nunca havia testemunhado tal cena. Ela ergue os olhos e parece decidir que minha indiferente existência pode ser agraciada com alguns de seus minutos.
— Vai fazer parte dessa palhaçada? — o desprezo substituiu qualquer traço risonho e alegre que as mensagens de Amanda possam ter causado.
— Bom, eu sempre participava no Rio. E mesmo quando morava aqui. É uma data comemorativa e as pessoas vão se divertir, por que me colocaria de fora disso? — respondo tranquilamente e a observo atentamente. Ela finge que vai vomitar.
— Qual é? Você não pode estar falando sério. Ninguém se diverte com uma festa, ou pior ainda, uma quadrilha de escola. A maioria das pessoas que toparam dançar só querem uma desculpa para matar aulas e se pegarem em qualquer maldito corredor não vigiado. As decorações são horríveis e ... — ela respira fundo, tomando fôlego. — ter que fazer algo em conjunto com outros alunos desse colégio é uma bela prévia de como serão nossas vidas no inferno. — Ah. Aí está. O verdadeiro motivo para toda essa aversão não é a festa em si, não, ainda mais considerando que Amanda conseguiu encaixar Luna como seu par na quadrilha do bairro dela. Dançar com as pessoas que ela tanto despreza, que ela pensa que a desprezam de volta, é o que é insuportável.
Toco seu ombro suavemente e tento usar o tom mais suave possível quando respondo.
— Lu, entendo seus motivos e acho perfeitamente compreensivo você não querer dançar. Porém, se sua decisão é respeitada, seria legal você respeitar as das outras pessoas também. A minha. — paro um pouco e deixo meu olhar se perder no dela. — Não tenho tido muitos motivos para comemorar e os últimos dias foram incríveis. Não me julgue por querer mais disso, por querer algo além de horas sofrendo em silêncio comigo mesmo. — clara compreensão toma conta dela, que assente.
— Me desculpe, Urizinho. Claro, vá em frente. Você merece. Me desculpe por não ver que isso poderia ser importante para você. Para muitas pessoas. — ela acrescenta e me abraça. Algo de muito errado aconteceu com a Luna da escola, distante e arisca, mas não me sinto nem um pouco triste por isso. Luna sendo ela mesma em qualquer lugar é ainda melhor. A abraço ainda mais forte.
— Também acho válido mencionar que aqueles chapéus ficam incrivelmente lindos em mim. — digo.
— Idiota. — ela me afasta com um empurrão leve.
Estou perto de oferecer Luna mais um comentário sarcástico quando avisto Hugo vindo em minha direção. Grande parte dos alunos tem pares agora e, a comissão de organização, formada por alunos do terceiro ano, incluindo Caio, está tentando se decidir sobre os noivos. Me afasto das vozes altas e vou andando em direção a Hugo. Luna já achou um lugar mais calmo, longe de vista, para aproveitar o tempo livre e trocar mensagens com Amanda.
Ele parece retraído e descontente, o que me atinge um pouco, porque me sinto o exato oposto disso. Me sinto vivo e alegre. Sinto como se pudesse queimar eternamente depois dos dias nas Colinas Cinzas. Minha preocupação e descontentamento devem ter ficado evidentes no meu rosto, porque Hugo me oferece um sorriso doce antes de se pronunciar.
— Tenho algo para falar com você, Uri. — seu tom me deixa apreensivo. — você tem um minuto? — não menciono que já iniciamos a conversar e apenas balanço a cabeça, concordando.
— Aconteceu algo de errado? — seguro minha mão em punho para evitar que ela trema. Não é possível que todos os momentos felizes tenham se esvaído tão rápido. — Eu fiz algo de errado? — acrescento e consigo sentir a urgência na minha voz enquanto Hugo me encara, ainda contrariado.
— O quê? Meu Deus, não, Uri, não mesmo. — ele diz e sorri, amenizando a antiga expressão desgostosa. — Você não tem nada a ver com isso, quer dizer, tem, mas não é culpa sua.
Ergo as sobrancelhas e viro a cabeça levemente. Uma pergunta silenciosa: que porra está acontecendo?
Hugo, após um momento de reflexão, parecendo julgar se vale a pena dizer o que quer que ele tenha para dizer ou não, fala.
— Raissa pediu, mais pareceu uma exigência, para que eu convidasse você para dançar quadrilha com ela. — ele parece raivoso. Me pergunto por que ele aceitou perguntar.
— Você disse a ela que eu estava livre e não tinha um par? — ele olha para mim e quase esqueço sobre o que estamos conversando quando ele sorri, antes de parecer se lembrar que temos algo a discutir também.
— Não, ela apenas se aproximou de mim assim que descobriu do que se tratava essa aglomeração. Perguntou se você havia chegado e eu disse que não, então ela deduziu que você ainda não sabia sobre a quadrilha e queria ser a primeira a te convidar.
— E decidiu que seria arriscado demais fazer isso pessoalmente? — eu pergunto.
— Não acho que se trata disso. Acho que ter me pedido para te convidar foi mais um recado para mim do que para você. — ele suspira levemente, como se tivesse que lidar com um problema de matemática extremamente complicado.
— Por que? — me sinto um pouco mal por ele ter feito isso. Não por ter me convidado, mas por ter feito isso por causa de outra pessoa. Para outra pessoa. Seria Hugo assim tão estúpido? Ele não percebe que, de todas as pessoas, eu sei exatamente com quem quero dançar?
— Acho que ela queria deixar claro que não se esqueceu do dia em que impedi que vocês dois fizessem dupla. — ele ergue o olhar para mim e então eu vejo, claro como o dia, se abrindo naqueles olhos lindos. Hugo sabe exatamente com quem quero dançar, quem eu escolheria.
— Ela não deveria ter se ressentido. Eu teria escolhido você desde o início. Eu escolhi você desde o início. — digo. — E, se fosse preciso, se for preciso, escolherei você quantas vezes forem necessárias. — tomo suas mãos nas minhas e tento dizer silenciosamente. Tento mostrar a ele que não me importo com quem tenha me convidado. Eu já tenho tudo que quero.
— Uri. — ele diz. De novo aquele tom de voz. Que merda está acontecendo? — Não é só isso.
— Não? — não consigo mais esconder minha confusão, não entendo porque isso se tornou tão complicado.
— Eu sei o que você queria. Dançar comigo. Caramba, eu também gostaria de fazer isso. Seria maravilhoso, mas... — ele parece receoso.
— Mas? — afasto nossas mãos e coloca as mãos nos bolsos da calça.
— Mas eu já prometi que dançaria com outra pessoa. Meses atrás. Antes de sequer saber que você existia. E me arrependo agora, mas não posso quebrar essa promessa. Não para o Léo. — ele parece aliviado depois de ter dito tudo e ergue a mão para segurar a minha novamente, mas, assim que roça meu braço, minhas mãos ainda nos bolsos, eu me afasto.
— Léo? O das Olímpiadas? — espero que a raiva na minha voz não seja evidente. Respiro um pouco, suavizando, não faz sentido ficar bravo por isso. Ele não tem culpa, me lembro.
— Sim, ele. — Hugo diz apenas, parece um pouco magoado por eu ter recusado seu toque. Tiro as mãos do bolso e seguro seus braços, o aproximando. Faço o meu melhor para sorrir.
— Tudo bem, Go. Podemos ir juntos ao menos. Eu odiaria que não mantivesse uma promessa. Diga a Raissa que eu disse sim, então. — Nós dois parecemos tristes e me pergunto se deveríamos simplesmente deixar qualquer outra pessoa para lá e formarmos um par, mas acabo pensando em Léo, que o apoiou nas duas semanas em que eu não estive lá, mesmo sem saber ao certo quem ele é, e me rendo. — Espero que eu receba outro sorvete por ser tão compreensivo. — sorrio e ele também, não é tão difícil voltar a um bom estado de humor estando ao lado dele.
— Quantos sorvetes quiser, mas me avise quando quiser chupar outra coisa. — ele dá um sorriso malicioso e eu explodo em gargalhadas.
— Bobo. — digo e o abraço. Simplesmente me perco enquanto apoio a cabeça no seu ombro, meu queixo se encaixando perfeitamente e nossas orelhas fazendo cócegas uma na outra.
— Olá, garotos. Estou interrompendo? — uma voz familiar soa e nos afastamos. Raissa está nos encarando com um sorriso forçado e não parece disfarçar tentando um sorriso melhor.
— Não, claro que não. — digo. Hugo leva sua mão até a minha e a aperta. Sei que ele não está muito feliz com isso.
— Que bom. — ela diz. — Odiaria ficar no meio dos momentos de um casal tão fofo.
— Não se preocupe. — eu digo. — E não somos um casal.
— Ah. — ela abre a boca, em falsa surpresa.
O aperto de Hugo se intensifica. Sei o que diz. Ainda não. Apenas uma questão de tempo.
— Queria mesmo ver você. — A expressão de surpresa é genuína agora. — Sobre o convite ... — antes que eu tenha tempo de falar, um grupo entra em nossa conversa, formando uma parede entre eu e Hugo e Raissa.
As vozes estão alteradas e mal consigo ouvi-los. Escuto Hugo falando o nome de um garoto, Léo, e logo o vejo. Reconheço da sala de aula. Cabelos dourados e óculos garrafões. Caio também está entre eles e, quando todos se acalmam, ele se pronuncia.
— Uri, Hugo. Estávamos conversando sobre os noivos para a quadrilha e esse garoto do segundo ano nos deu a sugestão de que vocês formariam um belo par. — Hugo olha boquiaberto para Léo, que pisca como se soubesse de algo que não sabemos. — Então, se ambos estiverem sem par e disponíveis, gostariam de fazer isso?
Encaro Hugo, que me observa de volta. Sorrindo. Radiante. Ele se aproxima de mim suavemente e sussurra: — esqueça os sorvetes. Antes de se virar para o grupo e dizer, em um tom fervoroso e confiante.
— Ficaríamos imensamente honrados em sermos os noivos. — Eu não digo nada. Apenas aperto sua mão mais forte ainda em agradecimento. Raissa simplesmente se vira e sai, acho que ela já tem sua resposta. E eu também tenho a minha. A nossa. Todos continuam sorrindo quando assinto.
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