Não muito longe dali telefones não param de tocar em um órgão público, diversas pessoas de terno e gravata ou usando uniformes escuros e cheios de bolsos andam de um lado para o outro carregando papeis e falando alto, ao fundo da sala composta de baias de trabalho e portas de vidro um escudo onde se lê as siglas GOETG e abaixo, em letras maiúsculas “GRUPO DE OPERAÇÕES ESPECIAIS – TÁTICO DE GUERRILHA” trata–se de uma força tarefa criada anos antes para tentar conter o avanço de milicianos, grupos criminosos e gangues que estavam transformando os bairros de todas as cidades grandes em verdadeiros feudos dos quais vocês só poderia entrar e sair com autorização do grupo dominante, o grupo foi criado para desmantelar essas entidades por dentro através de infiltração de membros e posterior ação tática de neutralização, mas a grande especialidade do grupo é a guerrilha urbana. E uma ação de múltiplos tiros com supostamente um sniper atirando em jovens era com certeza uma ação para análise deles ainda mais quando isso ocorre menos de 24 horas de toda uma célula criminosa simplesmente desaparecer da noite para o dia em um lugar que estava sendo monitorado a meses e que absolutamente NINGUÉM diz ter visto nada.
Entre as diversas pessoas e mesas, uma mulher não chama a atenção debruçada sobre seu notebook enquanto segura um celular com o ombro e digita furiosamente.
– Me atende seu puto! – Exclama a mulher enquanto ouve os toques de chamada.
– Deixe seu recado, você só será tarifado após o sin...
– MERDA!
– Tudo bem Ligia? – Perguntou um rapaz de cabelos bem cortados e um uniforme tático cheio de bolsos e traquitanas.
– Opa Danilo! Tudo em ordem, tentando falar com meu irmão.
– Ele sumiu de novo? Isso não é bom! Quer que eu o coloque na busca? De repente a patrulha da polícia militar ou da guarda municipal pode encontrar el... – Danilo não pôde terminar de falar quando é interrompido por Ligia. – Não é necessário, ele tem as crises dele... eu desconfio onde ele pode estar, mas eu não posso ficar correndo atrás daquele irresponsável.
– Bem, não me envolvo mais que isso, tu é irmã dele cê sabe o que é melhor, afinal ele também tá bem crescidinho já né, não precisa de babá.
– É não precisa mesmo! – Suspirou Ligia enquanto olhava para o retrato em sua mesa, nele apareciam quatro pessoas em uma praia sendo ela mais jovem, uma mulher de pele bronzeada feições calmas e porte atlético sua mãe, seu pai um homem com barba por fazer e um pouquinho fora de forma, mas sorridente e um menino com quase metade da altura dela, com pele branquíssima cabelos escuros arrepiados e olhos esverdeados. – O que diabos tá acontecendo Fábio?
A mulher se levanta da mesa subitamente, Danilo observa enquanto ela pega a arma e o distintivo na gaveta e se dirige para a saída.
– Se minha mãe se preocupasse tanto comigo quanto essa se preocupa com o irmão eu tava ferrado! –Exclamou Danilo enquanto separava algumas papeladas de casos antigos em sua mesa.
Um carro de aplicativo para na frente ao prédio da GOE–TG, Ligia salta para dentro e logo eles saem sem notarem que do outro lado da rua um homem de terno alinhadíssimo observava a movimentação.
– Coelho branco em movimento.
– Entendido!
Do outro lado da cidade, em uma oficina mecânica uma moto está sendo desmontada rapidamente por mãos ágeis e precisas, o rapaz negro de uns 20 anos ostenta na parede com orgulho os diplomas dos cursos técnicos que conseguiu realizar a muito custo, uma enorme pilha de livros se espalha sobre a mesa próxima do fundo da pequena oficina mecânica.
– Vai demorar muito Fernandão?
– Calma Fábio! Tu me aparece com essa tranqueira velha que não vê sequer uma troca de óleo nos últimos anos e acha que isso é drive–thru que tu entra de um lado não demora 5 minutos tá saindo andando do outro? Tenho que verificar as válvulas, limpar essa borra de óleo velho, arrancar esse carburador podre e colocar um que funcione sem vomitar gasolina pra todo lado, pessoalmente eu acho que tu devia jogar essa joça fora e pegar uma nova! Quem sabe uma elétrica!
– Pô não ofende meu cavalo! É velha, mas funciona!
– Funcionava, né? Ela era do seu pai pelo que me lembro!
– Sim, única coisa que me restou dele.
– Ué? E a casa?
– Que casa? A que minha irmã mora? É dela! Eu não me sinto mais à vontade morando lá! Dois anos naquele hospital fez com que eu não me sentisse mais à vontade em lugar nenhum.
– Faz um ano que você saiu né? Por que não me procurou antes cara? Eu te acomodava aqui em casa ao invés de você morar naquele buraco que tu me mostrou ontem à noite!
– Você tem uma vida, casou, tá fazendo faculdade... Eu parei no tempo, só sirvo pra fazer merda, te garanto que você não vai me querer por perto tanto tempo.
– Não é assim! Tu era mais inteligente que eu na época da escola, só voltar a estudar e logo tu se reestabelece. Quanto a ficar por perto, você só precisa se controlar.
– Controle... Engraçado ouvir isso. – Falou Fábio com um sorriso sarcástico.
Fernando seguia trocando as peças, e falando sobre como as coisas aconteciam desde que ele tivesse fé e trabalhasse firme, Fábio escutava e não se incomodava, ele sentia que era uma preocupação legitima de uma das poucas pessoas que sempre o tratou bem.Fernando não tinha sofrido o mesmo que ele, mas tinha suas próprias cicatrizes e conseguiu virar o jogo do jeito dele e Fábio o admirava por isso, mas sentia que no fundo não era algo que ele pudesse fazer, existia algo muito abaixo da superfície que o impedia de se aproximar dos outros.
– Parece que a Paula vem pra cá também. – Disse Fernando, em voz baixa para não correr o risco de ser escutado por mais ninguém na casa.
– A Paula? Ela não estava na França? – Evitando falar mais alto, ninguém queria provocar a ira da “patroa” de Fernando. Já bastava a presença dele lá que era quase tão odiável para ela quanto de qualquer “vagabunda abominável do demônio” como ela se referia “gentilmente” em relação a Paula.
–Até onde eu sei ela estava, mas eu mandei um e–mail pra ela quando o Daniel avisou da “lista” que estava rodando.
– Você sabe se ela tem notícias da...
– Não... Eu já perguntei, a Carol sumiu no mundo, desencana cara.
– Falar é fácil... Não foi você que foi chamado de monstro!
– Mas você é um monstro!
Fábio olhou para Fernando, estranhando a frase... Afinal ele era o único que nunca tinha atacado ele de forma alguma.
– Até você cara?
– Já leu Lovecraft? – Indagou Fernando parando de mexer no motor da moto e se debruçando sobre a bancada para olhar para o amigo.
– Já ouvi falar! Mas nunca li.
– Leia, você é que nem algunsElderGods! Tu pode ser monstruoso pra quem vê, mas eu acho que na verdade tu só não faz ideia do que tá acontecendo e o que seus atos fazem com quem está ao seu redor... você precisa desenvolver melhor isso.
– Profundo!
– Achou que eu tava falando desse seu cu que tu chama de cara? Filho! Tu é branquelo azedo, tu nasceu feio! No dia que você pegar um bronzeado talvez você fique melhorzinho, mas jamais será bonitão como eu! –Gargalhou Fernando enquanto fazia pose e sorria.
– Vá se foder seu babaca! – Disse Fábio, rindo.
O clima de descontração acaba de repente quando o celular de Fernando começa a tocar em cima da bancada.
Na tela aparece a notificação:
DE: Cristiano
MSG: HOSPITAL CENTRAL! URGENTE!!! NÃO LIGA DE VOLTA! SÓ ACHA O FÁBIO E VEM PRA CÁ!
Os dois jovens se entre olham.
– Bem, ao menos uma parte da mensagem tá fácil de resolver. – Diz Fernando, enquanto joga as ferramentas na bancada, os dois saem da oficina logo em seguida, o conserto da velha Virago ficaria para outro dia.
- Amor já volto! – Grita o rapaz antes de baixar a porta de aço e voar para dentro do carro.
Na janela da casa uma jovem mulher com cabelos presos observa com reprovação.
No hospital, Cristiano está com as mãos sobre a cabeça em claro sinal de desespero. Ao Seu lado Paula tenta confortá-lo de alguma forma.
– Responsável por Tomas da Silva Reis? – Chama uma enfermeira.
Cristiano ergue a cabeça e murmura. – É Silva dos Reis, cacete! – E se levanta para receber as notícias. Enquanto eles conversavam no bosque o pior estava acontecendo, ele sabia que as ações deles na noite anterior não seriam sem consequências, mas não esperava algo tão rápido e direcionado.
– Eu vou ver se o Daniel conseguiu estacionar e já volto! –Avisou Paula se levantando e se dirigindo para o corredor de saída da emergência enquanto várias pessoas entram, porém Cristiano nem presta atenção, existem coisas mais importantes nesse momento.
– O senhor é o responsável pelo adolescente que foi alvejado hoje na praça dos esportes?
– Sim, ele é meu irmão mais novo, eu tenho a guarda.
– Preciso dos documentos e que você assine os termos para cirurgia. Possui algum plano de saúde?
– Não, precisa?
A enfermeira olhou para o jovem, com cara de pena.
– Sendo sincera, não deveria falar nada, mas se ele sair provavelmente vai precisar de reabilitação, e no SUS demora pra ter vaga.
– Como que ele tá?
– Intubado, foi estabilizado, porém houve muita perda de sangue. O tiro pegou o pulmão dele, não sei mais que isso.
As mãos de Cristiano se fecharam como se preparassem para dar um soco.
– Nenhuma boa ação fica sem punição. –Falou uma voz na nuca de Cristiano o fazendo esbugalhar os olhos. –Se vira devagar, minha arma está nas suas costas e vamos conversar na boa.
Cristiano se virou lentamente, a sua frente estava uma mulher de cabelos longos e terno bem cortado vestindo uma capa de chuva longae dentro da capa, apontando para ele, uma Taurus 24/7.
– Oi Ligia, a quanto tempo.
– Vamos andando, tu vem comigo!
– Dá pra me dar um tempo? Meu irmão tá no hospital tu sabe como que é isso!
– Eu sei, quero saber quem colocou o Tom numa maca e explodiu a cabeça de dois moleques e tenho certeza de que tudo isso é porque vocês andaram aprontando de novo.
– Não se precipite prima! –Disse Daniel recostando no ombro de Ligia surgindo como se fosse do nada.
– Por que será que eu não estou surpresa de te ver aqui Daniel? Será que daqui a pouco eu consigo encontrar o porra do meu irmão também?
– Talvez, de repente isso seja uma reunião de família. Tá aqui a trabalho? Tem reforço?
– Não! Vim armada só por precaução, eu e o Cris temos algumas diferenças, você sabe.
– Diferença eu tenho com o Daniel, você tentou tirar a guarda do meu irmão de mim e entregar para o Estado! – Exclamou Cristiano sendo contido por Daniel.
– E a gente tá vendo onde deu você permanecer com a guarda dele né? –Indagou Ligia olhando fundo nos olhos de Cristiano.
– Eu, só acho que todo mundo aqui deveria ficar calmo e silencioso, afinal estamos em um hospital. –Disse Paula, se aproximando e baixando a mão de Ligia, que em ato contínuo coloca a arma de volta no coldre.
– Eu não te reconheci quando passei no corredor, senão não teria dado essa bobeira.
há quanto tempo Paul... Paula.
– Bastante, muita gente não me reconhece mais mesmo, não se sinta mal.
– Me diz o que está acontecendo!
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