Um pátio se agita com os sons de
diversas crianças, é o intervalo das aulas a desejada hora do recreio, enquanto
algumas se alinham nas filas para pegar a merenda, outras preferem correr e
brincar indiferentes aos gritos e apitos das monitoras e demais profissionais
que tentam garantir que todas se alimentem e não se machuquem.
–Ouviu? Já é horário do intervalo!
–... –O jovem só deu de ombros e permaneceu de cabeça baixa.
–Não vai falar nada? –Perguntou a diretora da escola olhando para o pequeno projeto de gente sentado na sua frente cujo pés mal conseguiam alcançar o chão enquanto aguardava.
–Tô com fome! – Disse o pequeno com os olhos ainda cheio de lágrimas.
–Silvana, pega um pouco de merenda pra ele na cozinha? Eu não posso liberar ele até os pais chegarem.
–Tudo bem dona Carmen, mas você sabe que provavelmente ele só vai sair daqui lá pro final do próximo período né? – Disse a senhora de óculos fundo de garrafa e que aparentava ter idade pra ter se aposentado três vezes.
– Infelizmente eu sei...
Os olhos do menino marejaram ainda mais.
– Eu quero minha mãe! – Exclamou o menino com a voz embargada e com as lágrimas correndo pelo rosto.
– Calma! Ela já chega, seu pai e sua mãe estão vindo.
O jovem ostentava um belo olho roxo da briga que ocorrera na aula de educação física, o colégio já tinha providenciado uma punição acadêmica e encaminhado o agressor para os responsáveis, mas ela não podia deixar o pequeno se misturar aos demais alunos, talvez até uma transferência fosse uma atitude mais adequada se tudo que ela escutou fosse verdade, de repente ela se sentiu como uma diretora de presídio tentando evitar que membros de grupos rivais se misturassem.
– Por que você disse aquelas coisas sobre os pais de seus colegas Fábio?
– E–Eles que começaram! – Disse o menino entre soluços.
– O que você disse é muito grave! Você não pode xingar ou ameaçar eles.
– Mas!
– Isso é assunto de adulto! Você não deveria falar dessas coisas! –A Diretora parou um momento, e preocupada se lembrou de que ele não tinha mais do que nove anos. Ele não deveria sequer pensar naquelas coisas!
– Por que você disse que seu pai ia prender o pai do Lucas? Isso é algo muito sério!
– Porque ele não me deixava brincar e ficava me chamando de tampinha!
– Mas de onde você tirou essa ideia de prender? Só porque seu pai é policial isso não significa que ele pode prender todo mundo! E ouvir algo do tipo deixa as pessoas muito irritadas!
– Eu vi que ele ia prender! Tava no computador quando eu fui jogar ontem!
A diretora colocou a mão na boca, talvez uma briga de criança tivesse desdobramentos mais sérios do que ela saberia lidar.
– Fábio meu amor! Você não pode ficar falando essas coisas, você pode ter entendido errado e não se fala sobre o trabalho do seu pai! É uma coisa muito séria e perigosa.
– Mas o Lucas fica falando o tempo todo sobre o pai dele e ninguém impede!
Infelizmente era verdade, Lucas tinha onze anos dois a mais que Fábio e quase o dobro do tamanho já e se gabava do pai policial, que o levava para atirar, que andava de viatura e por vezes histórias escabrosas surgiam sendo contadas por funcionários a rara presença do pai dele era temida, felizmente quem veio era os avós do jovem, dois idosos pouco interessados em conversar, porém que não aparentavam fazer mal a uma mosca. Já o pai de Fábio era um dos investigadores de uma força policial que acabara de ser criada, unindo o suprassumo dos principais órgãos de segurança pública para combater o crime organizado, quase nunca vinha as reuniões, mas quando vinha era fácil de lidar embora fosse extremamente carrancudo, já a mãe do pequeno era um doce de pessoa, mas era professora e psicóloga então existia uma certa afinidade entre as duas que aumentava essa simpatia.
– São casos diferentes. –Disse a diretora suspirando de forma pesada, ela se sentia mal por falar aquilo. –Seu pai é diferente do pai do Lucas.
– O pai do Lucas é MAU!
Nisso a porta da diretoria abre e dona Silvana entra com um prato de comida em uma mão e um sorriso no rosto.
– Adivinhem quem eu trouxe para conversar com vocês?
– Bom dia Senhora Giovana e senhor Hector D’Angelus - Cumprimentou a diretora se levantando e tentando ser a mais polida possível.
Atrás da inspetora estavam os pais de Fábio. Ambos com aspecto aflito. Silvana entregou o prato de comida para Fábio que imediatamente começou a devorar ignorando tudo ao redor.
– Tá bem, meu querido? –Perguntou Giovana olhando para o filho com ternura.
– Meu olho tá doendo mãe! – Falou o pequeno cuspindo alguns grãos de arroz.
– É, vai ficar um belo roxo aí!
– Eu não quero roxo!
– É só por um tempo depois some! E...
– E se não sumir?
– Se não sumir tudo bem! Todos os personagens fortes dos desenhos que você gosta têm cicatrizes! Você vai ser que nem o Samurai X!
– Mas o Shishio tinha cicatrizes e ele era mau e eu não quero ser mau!
A diretora olhou a interação e teve um lampejo de tranquilidade por um breve instante, porém isso logo foi cortado pelo peso do olhar de Hector. Os dois olhos pareciam dois lasers verdes queimando a pele da diretora, era quase aterrorizante. O homem de 1,90 e uns 150 quilos já seria intimidador por si só, mas os olhos eram algo que pareciam fora do normal, como se entrassem na alma da pessoa.
– O que houve? – Questionou o homem com uma voz rouca e séria.
– Dona Silvana, dá para sair e levar o Fábio para fora? O horário do intervalo logo irá terminar, creio que não teremos problemas. Senhora Giovana, se quiser pode acompanhar fique â vontade.
– Não! Eu sei que ele está bem agora, mas preciso saber o que houve e o que foi feito. –Disse a mulher que até aquele momento possuía um rosto plácido e amoroso agora era frio e fechado, seu rosto fino e seus olhos castanho amarelados não tinham o mesmo peso da carranca de seu marido, mas sua postura perfeita fazia com que ela aparentasse ser capaz de bater em cada pessoa da sala inclusive no próprio marido.
–Bem, Dona Silvana, faça esse favor para mim e não deixe ninguém se aproximar do nosso samuraizinho.
A inspetora pegou o prato da mão do pequeno e o levou para fora. Tão logo a porta bateu as suas costas os três adultos começaram a conversar. Cada palavra era acompanhada de uma reação física dos pais, fosse a mão no rosto, fosse o olhar fulminante disparado por Giovanaao ouvir que o filho havia visto informações do trabalho de Hector no computador.
– O que a senhora disse aos avós do Lucas? –Perguntou Hector em tom de derrota.
– Nada a respeito do motivo da briga, para eles trata–se somente de um desentendimento por conta de um jogo de futebol entre duas classes que por ausência de professor estavam fazendo educação física juntas. Felizmente ou infelizmente, O Lucas já tem um histórico de brigas e abusos em relação a alunos menores então não houve questionamentos, porém não posso garantir que o próprio jovem não vá falar nada.
– Merda! Por que eu fui usar o computador da sala? –Exclamou Hector levando a mão no alto da cabeça e puxando os fios de cabelo da franja como se quisesse arrancar algo de dentro do próprio crânio.
– Eu cansei de falar para não fazer serviço no computador das crianças! A Ligia tem discernimento e envolvida nessa loucura, mas o Fábio ainda é muito imaturo além do que ele viu um nome, imagina se ele visse aquelas fotos medonhas dos laudos! Poderíamos não estar conversando com uma diretora, mas sim com um psiquiatra agora!
–Eu preferia o psiquiatra! – Resmungou de forma quase inaudível o investigador.
– O que!? –Falou a mulher quase rugindo.
– O mandado de prisão foi revogado! Ninguém tá entendendo... Não retiraram a investigação, mas não posso prender o Ricardo, o pai do Lucas! Ele tá sobre monitoramento, mas ele tá blindado!
– Senhor, eu não preciso e prefiro não saber mais sobre esse assunto! –Interrompeu a diretora suando frio. –Eu acho que vocês precisam conversar sobre isso em outro local, mas estou preocupada, é de conhecimento que o Senhor Ricardo não é exatamente um professor do PROERD, logo recomendaria a possibilidade de mudança do Fábio para outra escola, é com pesar que falo isso uma vez que ele é ótimo aluno, mas nossa escola não pode se ver envolta em uma situação criminal, o Aluno Lucas também foi recomendada a transferência porém os avós dele se mostraram resistentes já que são moradores das proximidades, e por hora ele encontra–se suspenso por 5 dias creio que seja o mais adequado para dar tempo para vocês tomarem suas atitudes uma vez que moram em outra região do bairro e existem escolas do nosso grupo de igual ou até melhor índice de ensino mais próxima de sua residência.
– A senhora não quer dor de cabeça. - Falou Giovana bufando descontente.
– Não! A senhora como educadora pode se pôr no meu lugar.
As duas mulheres se olharam profundamente por alguns segundos, Giovana conseguia entender os motivos como professora, e como psicóloga ela conseguia ler nos gestos e micro expressões de Carmen o quanto ela estava apavorada com toda a situação, mas ela se irritava com o pedido forçado de empatia enquanto ela estava vendo o filho machucado e sendo expulso de uma escola que eles estavam fazendo o diabo para pagar, devido a uma atitude estupida de um marido preguiçoso e teimoso, envolvendo um merdinha briguento cujo o pai era um policial corrupto de merda!
– Eu te entendo! E nós já vamos, esse problema não será mais da senhora! – Disse a mulher se levantando de forma altiva.
– Hector olhou para a mulher com expressão surpresa, pois esperava no mínimo outro rugido como escutara a pouco.
Os dois saíram da diretoria e caminharam pela escola, no fundo do pátio Fábio e dona Silvana estavam conversando sobre os quadrinhos que o menino carregava na mochila. O olho direito do jovem estava um pouco inchado, mas o rosto agora estava seco e sorridente.
– Vamos filho! Se despede da dona Silvana! –Disse Hector sorrindo.
– Tchau dona Silvana! Até amanhã!
– Até amanhã Fábio! Cuide desses olhos, eles são muito bonitos para ficarem fechados.
– Obrigado tia!
O menino correu na direção da mãe e abraçou as pernas finas da mulher. Que sorriu para o infante e em seguida levantou o rosto e em um aceno e sorriso carinhoso se despediu de Silvana. Os três saíram pelo portão cumprimentando o porteiro da escola. Uma cena comum que acontecia com certa frequência por outros motivos, mas por um instante algo frio passou como uma sombra mente da mulher e uma lágrima escorreu pelo seu rosto.
– Adeus! –Falou a mulher secando o rosto e se levantando do banco de pedra para voltar aos seus afazeres.
Os três entraram no SUV, Hector mal tomou sua posição ao volante quando foi repreendido por Giovana.
–GUARDA ESSA COISA!
A arma de Hector encontrava–se no console central do veículo.
–Meu deus! Eu esqueci ela dentro do carro! Sorte que não dá pra ver nada aqui dentro!
– NÃO ME IMPORTA! GUARDA ISSO! Foi esse tipo de coisa que fez a gente estar na situação que estamos!
Fábio se encolheu no banco de trás do carro ao ver a discussão e começou a lacrimejar.
– Calma Giovana! A gente vai resolver.
– Nós não teríamos nada pra resolver se você não estivesse fazendo tanta besteira!
– EU JÁ ESCUTEI QUE A CULPA É MINHA PORRA! –Gritou o homem irritado e batendo a mão no volante. –CARALHO!!! ESSA HISTÓRIA TODA PODE TER JOGADO UM ANO DE INVESTIGAÇÃO NO LIX... –Hector foi interrompido por um forte tapa no rosto que quase afundou seu crânio no encosto do banco e fez ele ficar paralisado por um instante.
Fábio a essa altura tapava os ouvidos e fechava os olhos já chorosos Giovana por sua vez estava exalando ódio e segurando a .40 de Hector.
– FO–DA–SE sua investigação! Sua irresponsabilidade prejudicou nosso filho e colocou a gente em risco!
– Eu se...
– Não parece!
– Eu vou dar um jeito! Eu peço desculpas, mas não vai acontecer nada mais, eu me dediquei muito a esse caso eu vou fazer o seguinte, vou pedir desligamento do caso e pegar minha licença tu pede suas férias que tá vencida, e vamos para praia que nem ano passado e deixamos a poeira abaixar.
– Tomara que dê um jeito mesmo, porque não tem como estragar mais! –Disse a mulher tirando a munição da arma e jogando com força no porta-luvas do carro.
– Também não precisa quebrar minhas coisas né?
– Preferia que eu a enfiasse no teu cu?
– Pelo jeito vai ser duro conversar contigo hoje!
– Tu não viu nada. Toca pra casa!
– Vocês vão ficar brigando? – Reclamou Fábio com os olhos cheios de lágrimas. – Desculpa! Desculpa! De verdade! Eu prometo que nunca mais mexo no computador! Não briguem, por favor.
O casal se olhou.
– Calma querido! –ambos falaram em uníssono.
– A gente não vai brigar mais, papai e mamãe estão preocupados, mas vai dar tudo certo– disse Giovana. – Mamãe acredita no papai e nós vamos os três pra praia se divertir e logo estará tudo certo.
– Mas e a Escola e a mana?
– A Ligia não vai poder ir por conta do curso dela! Mas será como se ela estivesse lá também, vamos ficar naquela pousada que tem um cachorro grande! E a escola? Vai ser como umas férias fora de época.
– O lobo?
– Isso a pousada do lobo! Você ama aquele lugar e a sua irmã vai poder falar com você todo dia com você via internet. – Disse Hector sorrindo.
– Yeaaaah!!! –gritou o pequeno, em felicidade.
– Vamos para casa! – Disse Hector dando partida no carro.
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