Um grito se faz ouvir por toda a instalação que outrora foi uma prisão de segurança máxima.
- Você é muito dramático Daniel. - Disse Ligia olhando para o primo.
O rapaz fulminou a prima com os olhos enquanto o dentista se debruçava sobre seu rosto para consertar os estragos.
- Bem, ele tem alguma razão de estar com dor... Você bateu nele com o que? Uma barra de ferro?
- Foi só um soco.
- Eu que não quero levar um soco desses. Apanhar de mulher bonita é uma coisa, isso aqui foi falta de educação.
Do outro lado da instalação o grupo formado por Cris, Paula, Valéria e Kay aguardam em uma antiga cela.
- Alguém faz ideia do que caralhos tá acontecendo? Questiona Valéria enquanto acaricia os cabelos de seu irmão.
- O Douglas colocou as engrenagens dele pra rodar e tá querendo passar por cima da gente que nem um rolo compressor, é isso que tá acontecendo.
- Mas isso não tinha sido enterrado a anos? Pô deu tanta merda depois daquele lance do Fábio e da Carol...
- Nem me lembra dessa parada, tenho calafrios só de pensar. - Disse Paula se encolhendo em um canto do beliche que estava sentada.
- Queria eu ter só calafrios. - Disse Cristiano em tom baixo enquanto passava as mãos nas faixas que trazia ao redor do pulso.
- Eu sinceramente fico impressionado como uma porção de carne mijada conseguiu causar tantos problemas, sério tava tudo bem até essa disputinha imbecil dos dois psicopatas.
O silêncio imperou por alguns segundos no local até que Valéria deu um soco no saco do irmão.
- Respeita minha amiga seu puto!! Aliás, respeita as mina porra! -Gritou Valéria com um olhar furioso. Carne mijada!!! Vou contar pra mãe como você anda se referindo as mulheres.
- Por falar em mãe, será que eles tão fazendo alguma coisa pra proteger nossas famílias também? - Questionou Paula olhando para Cris que agora se escorava com a cabeça nas grades da cela.
- Eu adoraria saber.
A fumaça e o caos já começavam a se dissipar no centro da cidade, as pessoas recebiam atendimento médico devido a inalação das diversas bombas de gás que foram utilizadas naquele que já era chamado pela mídia como o “atentado terrorista mais grave dos últimos meses!”, Equipes de perícia coletavam projeteis, fragmentos de explosivos e fotografavam todos os cantos enquanto as forças de segurança continham a imprensa e os curiosos longe do epicentro da ação, no centro de tudo isso a figura de uma mulher de traços indígenas baixa e de e pele escura pode ser vista, seu uniforme negro semelhante a um terninho perfeitamente alinhado com detalhes em prata e branco dá um ar distinto a senhora.
- Senhora, o relatório preliminar está quase pronto. - Gritou o assistente se aproximando enquanto abanava um tablet.
- Quantos dos nossos aquele maldito matou?
- Graças a Deus nenhum, mas os ferimentos são graves em vários deles.
- Alguém conseguiu identificar para onde ele foi?
- Infelizmente não, o miserável parece que sumiu junto com a fumaça, os analistas estão repassando as câmeras de segurança da rua e já encaminhamos as das lojas e qualquer dashcam e celular que estivesse na área do incidente para levantamento.
- Impressionante, pra um filho da puta com uma cicatriz enorme no rosto o desgraçado anda no meio de todos como se fosse um fantasma e quase ninguém nota a presença dele.
- Irmão da Ligia, né? Mas nós vamos pegá-lo!
- Por falar na Ligia, cadê ela a equipe e aquele nosso carro que foi usado?
-Sem sinal ou resposta da equipe Alfa, quanto ao carro... localizamos ele em um descampado a alguns quilômetros da última localização que conseguimos coletar.
- E? DESEMBUCHA HOMEM!
- Ninguém localizado, nem rastros no descampado, o veículo estava incendiado. Os peritos acreditam que foi induzido um curto nas baterias com o mesmo equipamento que fez o JAMMER do sinal de rastreio, irão tentar coletar algo no laboratório, mas não tem muitas esperanças.
- Procurem a Ligia e a equipe dela, eu quero entender que desgraça eles estão aprontando com esse bando de delinquente.
- Sim senhora! - respondeu o assistente com energia! Se posicionando para deixar o local.
-Ahhh e mais uma coisa.
O policial estacou ao ouvir a voz da chefe, retornando a cabeça em sua direção.
- Eu quero que a cabeça dela e do irmãozinho dela na minha mesa.
A mulher deixou o local sob o olhar surpreso do subordinado, aquela frase não condizia com a relação que as duas “damas de ferro” da segurança pública de São Miguel possuíam, elas eram quase consideradas mãe e filha. Algo estava terrivelmente errado, isso era óbvio dada a situação que eles estavam naquele exato momento, mas ele jamais esperaria ouvir tal frase da comandante. O jovem seguiu meio desnorteado pela “zona de guerra” que havia se tornado a área comercial do centro.
- Quem diabos é esse cara?
Suspirou enquanto fitava um homem de aproximadamente meia idade, vestido com um grande casaco a despeito do clima quente e uma metralhadora na mão. A poucos metros dele mais dois cadáveres se encontravam jogados no solo com peritos e fotógrafos trabalhando para estabelecer a origem dos disparos.
- E o que eles estavam fazendo atrás daqueles moleques?
- Como foi a aula?
- ...
- Eu comecei no meu trabalho novo, é estranho ser chefe as pessoas ficam o tempo todo querendo falar comigo, até parece que eu sei o que eu estou fazendo.
- Já terminei vou pro meu quarto, boa noite!
- Pô Fábio, eu sei que você tá bravo comigo, mas eu estou tentando conversar um pouco irmãozinho.
- Eu não quero conversar contigo, eu se pudesse não viveria contigo, aliáspor que você fez tanta questão de me tirar da casa do tio e da tia se era pra me tratar como um dos seus prisioneiros?
- EU NÃO FAÇO ISSO!
- Então poque caralho você me mudou de escola, pra me jogar naquela porra de colégio!? Qual é a tua me jogando no meio daquele bando de marginal?
- Eu não vou ficar pagando escola cara pra um matador de aula compulsivo, aquele colégio é gratuito, tem uma média de ensino boa é razoavelmente próximo e eu pedi a sua guarda porque eu sou sua irmã, e o lugar que você deveria morar é na casa da sua família! Eu adoro o tio e a tia, mas eles não tem que ficar preocupados com você sendo que eles já tem uma encrenca sem tamanho chamada Daniel pra cuidar.
- Só por conta disso?
- E não é motivo mais que suficiente? Eu quero participar da sua vida, eu quero te ajudar a supe...
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHH!!! Me poupa!!!
- O que?
- Me ajudar? Você me ajuda muito mais não virando a minha vida de ponta cabeça!
- E você se ajudaria se não fosse um moleque inconsequente! – Disse Ligia encarando o jovem e largando o talher sobre o prato com força. - Eu tô tentando fazer meu melhor! Eu abandonei muita coisa que eu gostava pra poder te dar condições de superar a morte do papai e da mamãe.
- Não envolva eles nisso!
- Eu fiz de tudo pra resolver o quebra cabeça que virou a nossa vida depois daquela merda! E é assim que você me trata?
- Você fez tudo? Então me diz, cadê o Sargento Ricardo?
- Fábio, você sab...
- RESPONDE A PORRA DA PERGUNTA! CADÊ O ASSASSINO DA MÃE E DO PAI!
- E- Eu não...
- Você não sabe! Você não foi atrás, você não liga!!!
- Isso é mentira!
- VOCÊ NÃO LIGA E A PROVA É QUE AO INVÉS DE TOCAR FOGO NAQUELA PORRA TODA ATÉ ACHAR AQUELE FILHO DA PUTA E TODOS QUE AJUDARAM ELEM VOCÊ FICOU FAZENDO SEU CAMINHO PRA SUBIR ATÉ VIRAR CHEFE DE SEI-LÁ QUE PORRA!
- Fábio!
- Tu me jogou pra escanteio tão logo eu saí do hospital... eu passei anos vendo você só na porra do Natal! Tu nunca quis participar da minha vida, o tio e a tia que cuidavam de mim, eles que ficaram vendo se eu não ia me matar porque além de órfão eu estava cego de um olho! Me carregando pra tudo quando é oftalmo pra ver se tinha alguma forma de eu recuperar a visão!
- Eu não pod...
- Você nunca pode nada. Você mesma acaba de falar que se surpreende das pessoas te procurarem achando que você sabe o que tá fazendo.
-...
- Viu, eu estava te escutando, a realidade é que você nunca soube, nunca vai saber, tu é um lixo como pessoa, e tenho certeza de que é um lixo como chefe!
O jovem deixou a cozinha da casa e subiu para o quarto pisando firme nas escadas e batendo a porta.
- E... eu...
Ligia permaneceu sentada olhando para o vão de porta onde Fábio estava. Seus olhos se encheram de lágrimas que logo despencaram pelo seu rosto.
- Eu juro que eu fiz tudo que podia!
Disse a mulher se debruçando sobre a mesa e chorando copiosamente.
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