— Eu, sempre acontece, me desculpa, eu. – Davi gesticulou com mãos nervosas. Ele parou um pouco vendo que Pedro mantinha expressão neutra, respirou fundo, e disse a primeira coisa que veio à mente. – Eu sou uma anta.
— Eu sou o Pedro.
Davi atônito, ficou de borca aberta, enquanto Pedro soltou um riso abafado.
— Isso é bem você. – A mãe afagou o emaranhado dos cabelos do filho. – Fez bem em pedir desculpas. Então vocês ficaram amigos?
— Sim! É o meu primeiro amigo! – O menino disse inocente, para o qual a mãe olhou com certo desalento. Seu anjinho era sempre sorridente, energético, curioso, e propenso a se machucar, ela não sabia se ficava feliz com essa perspectiva. – Posso ir brincar lá fora?
— Claro meu anjo, mas volte a tempo para o almoço!
A porta da rua bateu antes que a mãe terminasse de falar. Hoje o dia vai ser grande — A mãe pensou.
Davi sempre correu. Sua mãe disse que mal ele tinha dado o primeiro passinho, no outro minuto ele já estava correndo pela casa. Para Davi tudo era rápido demais, tanta coisa pra ver em tão pouco tempo, ele não gostava de correr, mas era preciso. Pedro foi a primeira coisa que fez ele parar.
Em Ribeirão das Dores, havia umas mil pessoas, até onde Davi tinha contado. Ele sabia o nome de quase todos. Pela manhã, antes de voltar para a aula, Davi perguntou a Pedro onde este morava, o qual respondeu: — Com os Pelegrini.
Davi parou em frente a um portão e olhou para a casa em que Pedro estaria. Era a melhor casa da comunidade, a maior. O povo de Ribeirão gostava de cores, todas as casas, até as mais pobres, eram coloridas, mas o casarão dos Pelegrini era branco puro.
Ainda estupefato, Davi permaneceu em frente à casa, na esperança de ver Pedro em algum lugar.
— Está fazendo o que aí, menino? – Um homem de barriga saliente, bigodes lustrosos, e botas de cavalgada, perguntou.
— Estou procurando o Pedro. – Davi respondeu de imediato. Não havia porquê mentir. Apesar de ele já ter sido enxotado de alguns outros lugares, uma, ou duas – talvez três – vezes.
O homem ruminou enquanto ajeitava os bigodes espessos, perscrutando a figura magrela que era Davi.
— De quem você é?
— Da Loudez, da parte baixa do rio. – Davi respondeu.
— Dona Loudez, grande mulher! Cozinheira de mão cheia! – O homem disse pomposo, soltando uma gargalhada no final. – Diga menino, vai ter os quitutes dela no Festival hoje?
— Vai sim senhor, ela passou a manhã toda fazendo! – Davi disse orgulhoso. O dinheiro que a mãe conseguiria no festival dava “pra passar o mês”, o que era muito mais do que ela conseguia lavando roupas.
— Olha, o menino Pedro não pode sair agora, mas eu vou leva-lo ao festival, você pode encontrar com ele lá. – Disse o homem ao abrir o portão.
Davi ficou olhando o homem, que trancou o portão e acenou uma despedida.
E a noite tardava chegar. Para Davi o tempo nunca passou tão devagar, ainda assim ele se resignou a olhar o morro que se distinguia no horizonte, na esperança que o Sol se escondesse logo.
— Dazin venha cá! – A voz da mãe de Davi o tirou de sua letargia.
— ‘Tô aqui! – Davi respondeu, correndo para atende-la.
— Não ouvi barulho seu, achei que havia saído sem avisar. – A mãe disse enquanto arrumava os bolos enrolados na folha de bananeira nos cestos. – Se apronte que já já a gente vai subir para a praça.
Depois de ter posto seu melhor chinelo, o menino correu de volta para a mãe, que o entregou quatro cestinhos de vime, enquanto ela mesma carregava três cestos grandes.
O Festival de Santa Bárbara era o predileto de Davi, como acontecia à noite, com todas as lamparinas acesas, as cores das residências ao redor ficavam ainda mais vibrantes.
Na tenda de Dona Tança, com a qual a mãe de Davi compartilhava o ponto, já estava armada. Davi ajudou a mãe a organizar os forros de renda nas bandejas para poder colocar os bolos para vender. Mal havia terminado o serviço, e Davi já estava correndo por entre as tendas, procurando por Pedro.
Davi avistou o homem bigodudo com quem havia conversado pela manhã, mas nem sinal de Pedro, quando uma mão o agarrou pelo pulso, puxando para o lado oposto. Pelo tamanho da mão, Davi já sabia quem era.
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