“Preciso me apressar.”
Ishida encostou uma de suas mãos sobre o corpo da falecida.
— Descanse em paz, senhora Myoga.
Ele se retirou da casa, mas antes de prosseguir até o templo, trocou a vela de sua lamparina e parou em frente ao corpo de Senji.
— Desculpe te deixar assim. Prometo que vingarei a sua morte.
Ishida voltou para a trilha de pedras e seguiu até o templo abandonado.
“Onde você está Yumi?”
Quando chegou no final da trilha, se deparou com um torii, o portão encontrado na entrada do templo. Era um portão extremamente velho feito de pedra. Ele estava todo coberto de musgo e cheio de plantas ao seu redor.
“Esse lugar está completamente abandonado.”
Havia uma corda presa nos pilares, a shimenawa, conhecida por purificar as pessoas para estas poderem adentrar o templo.
Através do portão havia uma longa escadaria com diversas luminárias de pedra em suas laterais. Todas elas apagadas.
Ishida correu até o topo e se deparou com o templo, o qual era feito inteiramente de madeira e estava completamente cheio de musgo, plantas e árvores ao seu redor. O garoto olhava para os lados, identificando estar tudo muito quieto.
“Como isso ainda está de pé?”
Ele se aproximou lentamente em direção à entrada do templo.
“Sinto um leve cheiro de sangue.”
Seus sentidos aguçados estavam respondendo melhor. Enquanto caminhava, pôde ouvir o canto de uma coruja.
“Não posso deixar o medo tomar conta de meu corpo novamente.”
Ao chegar na entrada, apontou sua lamparina para a longa escuridão que tomava o interior. Notou três colunas não muito grossas, conectadas por hastes de madeira no topo, as quais possuíam duas luminárias cada uma, todas elas consumidas pela ferrugem. Havia um grande buraco no teto, à esquerda, onde deveria estar o quarto pilar. O local foi invadido por galhos, musgo e outras plantas. Gotas d’água pingavam calmamente e a luz da lua penetrava através da abertura.
“Quando foi construído esse lugar?”
Ele adentrou cuidadosamente o local, pois sua lamparina não iluminava muito bem. Não sabia o que tinha adiante.
Ao dar alguns passos, avistou uma grande estátua do buda Amida no fundo do local, feita em bronze. Ela estava completamente perdida em ferrugem.
“O que aconteceu com esse lugar?”
Andou um pouco mais.
“O que é isso?”
Havia em frente aos seus pés um pedaço de malha vermelha com alguns detalhes dourados, a qual estava com uma pequena quantidade de sangue. Ishida percebeu ser de Yumi.
Ele apertou fortemente sua machadinha.
“Se alguém a machucou, juro que não terei piedade!”, pensou, com uma expressão de ódio.
Ele se acalmou e deu mais dois passos, percebendo um rastro de sangue que levava para uma abertura no chão, em frente à estátua do buda.
“Ainda está quente”, pensou ao passar o dedo indicador sobre o sangue.
Ao se aproximar, Ishida deduziu que a estátua foi arrastada anteriormente, indicando que o caminho para baixo estava oculto.
Quando ele direcionou sua tocha para o interior daquela abertura, revelou uma longa escadaria de madeira.
— Não consigo ver o fim.
Ele engoliu sua saliva e seguiu para dentro da passagem, apressando o passo.
“Espero que minha lamparina não apague novamente”
Era um lugar assustador. Gotas d’água caíam do teto e lacraias passavam pelas paredes. Os únicos sons eram de sua lamparina e da madeira estalando a cada passo que dava.
“Quem construiu esse lugar? E qual o propósito?”
Enquanto descia, Ishida sentiu a presença de algumas pessoas. Uma era ameaçadora.
Após mais alguns degraus, finalmente chegou no fim da escadaria. A entrada estava iluminada pelo outro lado.
“Preciso tomar cuidado.”
Ao dar mais um passo, pisou sobre uma madeira podre, afundando seu pé e fazendo ecoar um som por todo o lugar.
— Droga — sussurrou, removendo sua perna do buraco.
“Estava concentrado no fim da escada e não pude notar aquele degrau”
Ishida percebeu que não tinha mais nenhum elemento surpresa a seu favor e simplesmente seguiu o mais rápido possível.
“Preciso manter a calma, mesmo que veja coisas ruins.”
Quando finalmente chegou ao fim da longa escada, viu um grandioso e bonito lugar. Logo a frente, havia um grande emblema desenhado sobre o chão e também dois grandes e grossos pilares feitos de pedra, os quais eram muito bonitos, pois haviam pavões de fogo pintados sobre eles.
No fim daquele espaço havia mais dois pilares e uma grandiosa estátua do buda Amida, mas agora composta completamente de ouro. Havia em cada lado dela, duas longas e grossas correntes segurando luminárias flamejantes, cujo fogo era vermelho como sangue.
Em frente ao buda, estava uma caixa prateada com alguns detalhes dourados e uma flor de lótus metálica em sua fechadura. Atrás havia uma grande pintura de um pavão flamejante de penas douradas junto de um grande sol escarlate.
Um longo tapete decorado com diversas flores de lótus se estendia desde a entrada até uma pequena escada, levando até a estátua.
“Yumi! Ela realmente estava aqui.”
A garota estava desmaiada sobre o imenso emblema com uma de suas pernas sangrando levemente.
“Quem é aquela? Um youkai?”
Em frente a caixa prateada encontrava-se uma mulher misteriosa, ajoelhada sobre um travesseiro branco. Ela possuía longos cabelos negros e pele levemente esverdeada. Usava um grande chapéu arredondado com diversas fitas brancas penduradas para esconder seu rosto. Seus pés estavam descalços e um grande manto preto cobria seu corpo. Havia placas feitas de madeira sobre suas pernas e braços com o intuito de proteger ataques de lâminas. Já em suas costas, carregava um velho shamisen.
“A mulher ao seu lado parece a Aika.”
Do lado direito da misteriosa moça encontrava-se uma mulher paralisada, de cabelos castanhos e olhos negros. Ela sustentava um bebê em seu braço direito.
Ishida caminhou até Yumi, olhando fixamente para a criatura.
“Como Yumi chegou aqui?”
Ele soltou sua lamparina, dobrou uma de suas pernas e trouxe a cabeça de Yumi para seu peito.
— Estou aqui agora, ficará tudo bem!
Olhou para frente, observando a misteriosa mulher de chapéu.
“Provavelmente foi ela que fez isso.”
Yumi abriu lentamente seus olhos e disse:
— Ishida, você me salvando novamente, que coisa não.
— Você consegue se levantar?
— Acredito que sim.
Ela se levantou devagar com a ajuda de Ishida.
“Já estou aqui faz um tempo e aquela mulher nem sequer se virou, olha que fiz um baita de um barulho agora pouco.”
— Quem é aquela de manto preto? Foi ela que fez isso com você?
— Sim, é uma youkai. Descobri esse lugar enquanto procurava pistas sobre a senhora Myoga e ela apareceu de repente.
— Entendo, então foi ela que assassinou o Senji e a senhora Myoga.
— O quê?! Eles estão mortos?
— Sim, encontrei Senji brutalmente morto em frente a casa. Já a senhora Myoga teve uma de suas pernas arrancadas e não resistiu ao sangramento.
Lágrimas se formaram nos olhos de Yumi, as quais derramaram lentamente sobre seu rosto.
— Ah… Droga, me perdoe.
— Está tudo bem — Enxugou os olhos — não temos tempo para chorar.
“Ela está guardando sua dor. Como ela é forte.”
— O que é aquela caixa? — perguntou Ishida, franzindo a testa.
— Não sei também, estou vendo esse lugar pela primeira vez.
A mulher desconhecida pegou a caixa e a jogou contra o chão ferozmente.
— Merda! Do que é feita essa porcaria?
Socou a caixa com seu braço direito.
— Porcaria. — Respirou profundamente. — Ai… ai. Parece que chegou a hora de matar alguns insetos!
Ela virou sua cabeça e o brilho vermelho de seus olhos à mostra, entre as fitas do chapéu.
Ishida apertou sua machadinha, pegou a lamparina e afirmou:
— Só você morrerá aqui!
“Será que posso enfrentá-la?”, pensava o garoto.
Yumi sacou duas adagas que guardava entre seu quimono.
— Vingarei a senhora Myoga!
A criatura se levantou, cruzou suas mãos entre o manto e sacou duas pequenas foices. Um som metálico ecoou por todo o local, mostrando que as lâminas eram muito bem afiadas.
“Estou com medo. Sinto vontade de fugir”, pensava Ishida.
Após engolir a saliva, Yumi observou o rosto de Ishida, o qual não demonstrava medo algum.
— Nós podemos vencer.
Ao olhar para arma que ele portava, Yumi ficou assustada.
“Por que ele está com ela?!”
De repente, a criatura lançou uma de suas foices em alta velocidade na direção de Yumi.
“O quê!”
Ishida bloqueou o ataque arremessando sua lamparina.
— Preste atenção Yumi, um vacilo e estaremos mortos.
— Certo, irei manter o foco.
A youkai exibiu sua comprida língua, lambendo a lâmina de sua foice.
— Será um prazer matar vocês! — exclamou a criatura, com uma expressão aterrorizante.
Ela começou a rir em um tom alto e sombrio. Isso fez com que Ishida se perdesse em seus pensamentos.
“O que devo fazer? O que posso fazer? Devemos fugir?”
Eles ficaram se encarando, ninguém mexia um dedo sequer.
“Fugiremos, é o que podemos fazer”
Ishida encarou Yumi e sussurrou:
— Vamos fu…
O choro de um bebê pôde ser ouvido.
“A neta da senhora Myoga! Esqueci completamente dela. O medo está dominando minhas decisões.”
A criatura disse olhando em direção a criança:
— Cala essa maldita boca!
— O que você fez com a Aika? — perguntou Yumi.
— Apenas a hipnotizei. Quero beber o sangue da criança em um lugar mais confortável.
“Se formos embora, aquela criança morrerá!”
Ishida se lembrou da promessa que fez.
“Definitivamente não posso fugir.”
— Não atacará, garoto? Só fica me olhando com essa cara feia. — Riu em tom alto e aterrorizante — Você está com medo por dentro? Humanos são desprezíveis.
“Sim, de fato estou com medo, mas não posso ir embora, pois fiz uma promessa. Salvarei aquela criança, nem que isso custe a minha vida.”
Ele estava pronto para morrer.
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