Ashley varria o chão da cozinha. Olhar para o enorme caldeirão na lareira fazia sua barriga roncar. Já era o quinto dia sem comida, sendo assim, a velha senhora Clerence pegou sua maior cesta e se despediu da garota para que pudesse encontrar algo nos reinos vizinhos. Mesmo ainda tendo algumas moedas de prata, não era o suficiente para que pudessem comprar alimentos, além de que, deviam pagar os impostos do mês.
E após um tempo, ainda naquele lugar, ouviu alguém bater na porta da velha casa. Abriu-a devagar para que pudesse saber de quem se tratava, afinal, fora instruída por sua guardiã a não permitir brechas para o maligno. Ao ver o cobrador de impostos, pegou o pequeno saco com as moedas que estava na mesa e o entregou a ele.
Oh, sim. Tão bela e graciosa era Ashley, tomando a atenção do mais velho, que a admirava como se fosse um lobo faminto olhando para sua presa, dando um sorriso malicioso e desrespeitando-a com seu olhar. Desejava ela para si, queria provar de seus encantos, todavia, não podia se atrasar, então tentou tocar a cabeça dela como se fosse dar tapinhas, querendo dizer que a mesma era uma boa moça, mas a menina recuou não deixando com que encostasse um dedo sequer nela. As mãos da menor tremiam, pois mesmo se afastando; não o suficiente para deixar de segurar a porta, o homem ainda a encarava com aquela feição.
Enfim deu as costas e se dirigiu para longe, trazendo alívio a Ashley, que fechou a entrada e se encostou a ela olhando para o teto. Seu coração pulsava como se tivesse sido tomada pela adrenalina que o medo lhe causou.
Não demorou muito para que sua barriga voltasse a roncar e agora se sentia zonza como se pudesse cair a qualquer momento. Colocava a mão na testa e respirava com dificuldade, só que tinha que ser forte. Tinha que estar de pé quando sua guardiã voltasse.
No quarto, a raposa pulava da cama e se espreguiçava. Assim, caminhou até a cozinha logo encontrando sua dona sentada no chão abraçando os joelhos. Encostava a cabeça sobre eles, já não se aguentava mais.
Luar mordeu a saia do vestido da mesma, e quando se levantou, tentou chamar sua atenção para que saíssem da casa, logo puxando-a pelo vestido para a floresta onde Ashley tanto gostava de caminhar.
O dia estava mais escuro que o normal. Nuvens negras tomavam o céu para si, cobrindo quase todos os raios de sol. Fazia parecer que a tempestade daquele dia no labirinto tivesse voltado com mais violência, como se logo fosse desabar. Mesmo assim, se deixou ser guiada pela raposa, apoiando nas árvores para que não caísse sobre o chão, pois estava muito fraca.
E lá na frente, próximo a um pequeno lago, havia alguns arbustos cheios de morangos silvestres. Luar correu até eles e comeu um, dirigindo seu olhar para a menina como se dissesse que eram deliciosos.
— Oh, Luar... — Se aproximou e ajoelhou-se colhendo alguns. — O que faria sem você? — Então deu um sorriso e começou a se deliciar deles, que eram doces e muito saborosos, ainda mais com toda aquela fome.
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Um jovem rapaz descascava uma maçã sentado em uma grande pedra. Ao mesmo tempo, seu cavalo o empurrava com o focinho desejando aquela fruta, já que era sua favorita. O garoto, qual tinha seus cabelos negros, o olhou com aqueles lindos olhos verdes como esmeraldas e empurrou o nariz do animal como costumava fazer, de modo que não o machucasse, pois era uma brincadeira entre eles.
— Sai pra lá, Relâmpago! Já não acha que comeu o suficiente para algumas horas? — O cavalo o encarou com seriedade. — Qual é? Ao menos deixe uma para mim!
Discutiriam por horas, trocando risadas e relinchos em seguida, todavia, naquele dia, ouviu uma voz encantadora ecoar pela floresta. Cantava uma melodia jamais ouvida por ele. Angelical, apaixonante... Não conseguiu resistir, teve que descer da rocha e procurar por ela. Colocou a maçã em sua boca e caminhou seguindo a canção.
E perto do lago, com os pés nas águas cristalinas, estava a dona da voz. Comia morangos e dava colo à pequena raposa, acariciando sua cabeça com a outra mão. Havia puxado a saia de seu vestido, tendo seus joelhos aparentes, para que o pano não se molhasse. Não se preocupava quanto a isso, pois pensava estar sozinha. Pareciam alegres, compartilhando sorrisos, mesmo que fosse difícil distinguir aquele vindo do animal.
Surpreendeu-se com tamanha graça e beleza, se escondendo atrás da árvore de boca aberta. Por conta disso, acabou por deixar a maçã cair, entretanto, antes que colidisse contra o chão, seu alazão já a tinha devorado. Pela primeira vez o jovem príncipe se sentiu daquela forma, inseguro, escondendo-se de uma donzela. Costumava cortejar as moças do palácio e da vila dos nobres, nunca se sentia nervoso daquele jeito, sempre conseguindo ganhar o coração delas, e assim se aproveitava disso. Mas com Ashley foi diferente... Se perguntava o porquê de seu coração pulsar daquela forma, violentamente como se tivesse se apaixonado logo que a vira pela primeira vez.
Engoliu o seco e olhou para baixo levando a mão a sua testa, assim puxando sua longa franja negra para trás. Tinha até mesmo perdido o fôlego. Poucos instantes depois, já se encontrava a admirando novamente.
— Eu tenho que falar com ela, Relâmpago. — Olhou para o cavalo, parecia determinado. Mesmo assim, o animal relinchou como se não desse importância, querendo o provocar.
Para a infelicidade do rapaz, aquele barulho foi o suficiente para que chamasse a atenção de Ashley, que se virou para trás procurando pelo dono daquele som. Deduziu que o cavalo não estava sozinho, pois olhava para um lugar específico encarando-o, como se outro alguém se escondesse naquela mesma direção.
Temendo, se levantou e correu entre as árvores junto com Luar. O príncipe encarou Relâmpago como costumava fazer quando o animal fazia alguma besteira, então foi atrás da moça.
— Espere! — Chamou por ela, mas não teve respostas. Ainda sim, Ashley se revelou o olhando não muito longe. Agora era ela quem estava atrás de uma árvore, apoiando a mão sobre o tronco. O menino carregava tamanha beleza quanto ela, o que fazia muitas caírem aos seus pés, e como dito, ele sabia usufruir disso. De qualquer forma, era como se a garota das florestas negras tivesse algo de especial, como se tirasse as palavras de sua boca.
Encararam-se em silêncio por poucos segundos, os quais pareceram uma eternidade, contudo, os conselhos de Clerence voltavam à mente da dos olhos azuis, a deixando amedrontada. E se ele tentasse algo? Se tornaria impura e sem dignidade alguma, tendo sua vida arruinada por toda a eternidade.
Correu para longe mais uma vez, tirando o rapaz daquele transe interno. A seguia, o que não era tão difícil já que era bem mais veloz, todavia, a perdeu por culpa daquelas árvores imensas. Escondia-se novamente atrás de uma dela, ofegante por saber que o menino não deixaria de persegui-la. "Oh, céus...", sussurrava para si, sentindo lágrimas de horror se formarem em seus olhos. Só se passavam malícias em seus pensamentos, sendo levada às profundezas do desespero.
— Não tenha medo de mim! — Falou em voz alta, em um tom suave e gentil. — Não lhe farei mal algum. — Mas não teve respostas. Tentava encontrá-la, até que vira os cabelos negros dela voarem por causa do sopro do vento. Caminhou devagar, tomando cuidado para que não fizesse barulho, então colocou a mão no tronco da árvore pouco acima da cabeça dela e puxou sua capa para que não a tocasse na hora que se revelasse. E mostrou a língua assim que o fez, tendo um belo sorriso em seu rosto: — Te encontrei!
O encarou em horror, só que não podia mostrar menos que a beleza contida em seu rosto. Iria correr, porém, não sendo nada bobo, o jovem segurou sua mão, a qual era macia e delicada, enquanto a dele era grande e quente, pouco áspera por causa de suas obrigações.
— Não me deixe novamente... — Olhavam um nos olhos do outro, contudo, não demorou muito até que sua personalidade se transparecesse, assim a provocando. — Ou terei de lhe beijar aqui mesmo.
Tão ousado era o príncipe, brincalhão e travesso. O que ele não esperava era que a moça realmente fora tomada pelo pânico, e em segundos, um estalo ecoou por toda floresta. Colocava a mão sobre a bochecha, que estava com as marcas dos dedos certinhas em vermelho. Mesmo assim, não conseguia tirar os olhos dela. Tão bela de longe... E agora de perto, assemelhava-se a um anjo de tão perfeita aos olhos do moço.
Caso fosse outra, teria uma reação diferente talvez, já que não se tratava de qualquer um, tendo sangue azul correndo em suas veias. Com certeza não deixaria aquilo barato, mas o que se fazer quando já havia se apaixonado, não? Continuava boquiaberto, olhando para ela com cara de bobo.
Logo se dera conta do que fez, tendo lágrimas em seus olhos novamente. E agora? O que faria? E se, por causa daquele tapa, o garoto fizesse algo por vingança ou apenas perversidade?
— Perdoe-me. — Então a voz do mesmo a confortou. Calmo e sereno, soltando-a e caminhando até a frente dela, mas agora mantendo uma boa distância entre eles. — Não foi minha intenção lhe assustar. — Permaneceu quieta, então ele continuou: — Mas a sua canção... Ela tomou os meus pensamentos me levando até a bela donzela. — Corou, levando uma de suas mãos até o ombro e o coçando como costumava fazer quando nervoso. — Por que anda desacompanhada pela floresta negra? Nunca lhe informaram sobre os perigos? — Não teve respostas. — Oh, sim. Deve saber quão perigoso é caminhar por aqui! Lobos ferozes se escondem entre as árvores... E você sabe muito bem que não estou falando sobre animais.
— Não podemos conversar. — Enfim o respondeu, mas não era isso que ele esperava. Olhou para o lado para fugir, só que o menino se aproximou a fazendo olhar para ele e se empurrar contra a árvore como se pudesse entrar dentro dela. — N-Não... — Gaguejava. — Não se aproxime.
Deixou de andar, apaixonando-se ainda mais pela pureza dela. — Por que tem tanto medo? Já lhe disse que não farei lhe mal algum.
— Se conversarmos... Podemos ter um bebê e... Eu não quero que meu pobre bebezinho se torne um ensopado.
Mudou sua expressão olhando-a com dúvida, tendo uma de suas sobrancelhas franzida e sua cabeça levemente caída para o lado. — Oi?
— Me deixe só...
Por mais que dissesse para ele partir, seu coração pulsava violentamente, mas agora não era por medo. Parecia um bom moço, o primeiro a conversar com Ashley sem a julgar. Além de que era lindo, como um príncipe vindo direto de um conto de fadas, tendo a aparência semelhante a alguns dos que leu em seus livros.
— Ah, sim. Acho que entendi. — Optou por provocá-la para quebrar o clima. — A donzela andou aprontando, não? — Deu alguns tapinhas leves em sua própria barriga.
— N-NÃO! — Respondeu em voz alta, gaguejando novamente.
— Sei, hehehe! Seu olhar não me engana.
— D-Deixe de ser tão desagradável! — Se enfureceu, querendo dar-lhe outro de seus tapas. — Apenas... Não quero trazer desonra a minha senhora...
— Eu não entendo...
— Não posso me deixar enganar por um lobo das florestas. Se fizer, podemos ter um bebê e isso não é bom. Ao menos não agora... E nem nunca com você! Mal nos conhecemos... Me deixe de uma vez por todas!
Tomou impulso empurrando-se daquela árvore, caminhando para longe, e sem que visse, tropeçou em uma pedra logo caindo para frente. Ágil do jeito que era, o outro correu até ela e a puxou, só que acabou por trocar de lugar e ambos caíram.
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