Mesmo assim, a dos cabelos negros permaneceu em silêncio. Encarava os desenhos que Agatha havia feito naquela página. Haviam duas meninas, uma de cabelos azuis como safiras e outra loira, pareciam se deliciar do chá da tarde que havia citado, com um sorriso em seus rostos. Eram até bonitos os desenhos, só que bem cartoonescos. Na outra folha havia algo que se assemelhava a um mapa, levando a mesma direção de onde parecia ser o tal Vale das Rosas que Agatha tanto falava. Perguntava-se se era real ou apenas mais uma invenção como Rose pensava. De qualquer forma, queria conhecê-lo se tivesse chance.
— Acho que o que mais me intrigou nessa história foi o fato de Agatha dizer que se tornou amiga de nossa tia. — Moly levou a mão ao queixo como costumava fazer quando estava pensativa. — Afinal, fora ela que causara toda a ruína da tia Rose. Isso não faz sentido...
— A tia Rosa com certeza nunca faria amizade com uma bruxa. — Britney cruzava os braços. Ainda estava deitada, só que agora de forma mais folgada. Olhava para o teto. — Agatha é uma mentirosa.
— Mas... — Era Ashley que falava. — E se a história não foi contada direito? E se tiver uma outra versão qual não conhecemos? Algo que apenas elas sabiam...
— Se isso for verdade... Me pesa o coração saber o tanto de ódio que guardei da pobre moça. — Juntava as mãos em frente aos seios, triste ao pensar por esse novo ponto de vista.
— Deixem de ser estúpidas! É claro que ela está acobertando suas falhas! — A de azul se levantou e caminhou até a porta. — Temos que ir, Moly. Logo nossas damas de companhia vão notar a nossa falta e infernizar nossa vida!
— Ah, sim. — Suspirou, olhando para Ashley e dando um sorriso sereno como costumava fazer. Pegava em suas mãos para se despedir. — Tentarei olhar por esse lado, e caso descubra algo, irei lhe contar. Até breve, pequena flor de lótus.
・*:.。.・ ♥ ・.。.:*・
Sentava-se encostando as costas nas pedras do poço, tentando entender aquele mapa curioso. O vento soprava refrescando-a, havia poucas nuvens no céu naquela manhã. Poucos dias se passaram desde que leu aquelas duas páginas, mesmo assim, não conseguia tirar aquela em específico de sua mente.
Não fora a primeira vez que Agatha citou o tal Vale das Rosas, e provavelmente não seria a última. Logo levou uma de suas mãos à cabeça de Luar, que estava deitado apoiando o queixo na coxa da menina. O acariciava, apreciando todos os detalhes do mapa. E quando menos esperava, aquela mesma voz de tempos atrás sussurrou em seus ouvidos:
Elas precisam de você, Ashley... Salve o Vale das Rosas...
Assustou-a assim como naquela noite, procurando por sua dona. Demorou um tempo até que voltasse a si. Estava de pé, em choque. Havia deixado o diário cair sobre o chão, logo se abaixando para pegá-lo, então olhou para a raposa e respirou fundo.
Andavam pela floresta, abraçada ao livro. Se sentia segura já que era acompanhada por Luar. Quando já longe, abriu na página do mapa e tentou decifrá-lo, mas ainda sim parecia impossível, principalmente porque ia à direção oposta a que deveria começar.
— Oh, Luar... Aquela mesma voz me pediu para salvar o vale, mas... Como farei isso se nem sequer posso entender por onde devo ir?
Não muito distante, ainda naquela floresta, Dominic caminhava batendo com a lâmina de sua espada; que era muito especial para ele já que foi seu irmão mais velho, Drake, que o presenteou; nos troncos de árvores como se estivesse treinando. Geralmente ia lá para isso, pois além de se sentir livre, não teria ninguém para perturbá-lo. Além de que, tinha esperanças de encontrar aquela moça mais uma vez. Nenhuma outra o satisfazia mais. Nenhum daqueles beijos tirava Ashley de seus pensamentos.
Sabia onde ela morava, todavia, quando viu aquela velha medonha e rabugenta varrer a entrada da casa de madeira, correu de lá com medo de que pudesse perder sua amada para sempre.
Encostou-se a uma das árvores após jogar sua espada contra o chão o perfurando, logo levando o olhar para o céu e culpando a menina por roubar seu coração. Contudo, isso não o deixava bravo. Era uma boa experiência, qual tinha aprendido a gostar. E para sua felicidade, ouviu a voz da menina, que conversava com a raposa enquanto caminhava por lá.
A bisbilhotou de longe, vendo-a sentar-se embaixo de uma árvore. Parecia frustrada, com um semblante triste enquanto tentava entender uma página de seu livro.
Recolheu a espada do chão e guardou-a na bainha de seu cinto, caminhando, sem que fizesse barulho, para perto da outra. Certamente a raposa iria o flagrar, mas estava tão entretida com sua dona que mal pôde notar. Apoiava suas pequenas patas sobre a perna da mesma, de pé como um ser humano, também tentando entender aquele mapa.
Chegando até a árvore, abaixou-se aproximando-se ainda mais, logo se revelando como fez no dia em que se conheceram:
— Booh!
O grito da pobre menina ecoou por toda a floresta, assustando até mesmo o culpado daquilo. Sentiu-se brava, zangada por ele aparecer em sua frente de novo, só que ao mesmo tempo estava feliz por vê-lo novamente. Não demorou muito para que suas sobrancelhas, que estavam franzidas, relaxassem dando uma feição mais gentil a ela, recuperando-se aos poucos.
— Sentiu minha falta? — O jovem se sentava ao lado dela na postura de borboleta, segurando suas botas com as duas mãos. Queria que a resposta fosse sim, entretanto, sabia que ela não responderia. Mesmo assim, não ficou quieta por muito tempo:
— Quero que me diga algo...
— Quer casar comigo?
— O quê? — Olhava para ele confusa o deixando sem jeito. Apesar disso, o moço acabou por atender o pedido dela dizendo algo, só que assim como ele, não era isso que esperava ouvir.
— Sim?
—... Eu... Poderia confiar em você?
Se alegrou. — Claro! Foi o que tanto pedi naquele dia!
— Está bem... — Suspirou e olhou para o diário, o encarando por alguns instantes antes que voltasse a falar. — Você... Pode ler mapas?
— Não é como se eu fosse um gênio dos mapas, mas sou genial! Então sim! — De fato sabia, já que era obrigado a estudar sobre aquele assunto, chegando a viajar por vários reinos para que pudesse se aperfeiçoar. Mesmo sem ser uma de suas matérias favoritas, era muito bom naquilo.
— Está bem... — Era como se uma gota escorresse ao lado de sua cabeça, como aqueles efeitos de quadrinhos japoneses quando sentem uma certa vergonha alheia.
Ashley o observava tentando decifrar aquela folha, ao mesmo tempo em que abraçava os joelhos encostada ao tronco de árvore. Era tão bonito quando sério... Seu coração palpitava cada vez mais forte. Ver a longa franja do rapaz cair em frente ao seu rosto escondendo um de seus olhos e logo ser conduzida para trás pela mão dele a fazia sentir vontade de dizer sim ao pedido de mais cedo. Fantasiava um casamento com ele, o vestido e a festa. Também imaginava como seria beijá-lo ou abraçá-lo...
— Certo! — Sua voz era animada. — Acho que entendi! — A olhou de volta e notou o rosto vermelho da menina, assim também corando. — O que foi? Estava me paquerando, é?
— N-Não! — Afastou-se ao mesmo tempo em que negava, quase caindo para trás. — Estava pensando se você realmente conseguia compreender esse beijo!
— Compreender esse beijo?
— Mapa! Eu disse mapa! — Olhou para a raposa, que a olhava de volta como se desse um sorriso malicioso entendendo o que diziam. Respondeu a aquela feição como se perguntasse: "O que foi?", mesmo sem dizer uma palavra.
— Haha, está bem. Mas não vou fazer isso de graça. — Levantou-se e a ajudou a fazer o mesmo, prendendo-a na árvore com delicadeza e encarando os olhos azuis dela. — Se eu te levar para o lugar correto que deseja ir, me recompensará com um beijo.
— O-O quê? Não!
Deu os ombros a provocando. — Então não te levo.
— Sendo assim, muito obrigada por compreender o mapa. — Tomou o livro da mão dele. — E até breve, já que provavelmente nos veremos novamente por esse reino pequeno.
Não deu muita importância para aquelas palavras, já que sabia que a garota andaria em círculo e logo iria voltar e implorar por ajuda. E não demorou muito para que isso acontecesse, mas não prometendo uma recompensa.
O lugar ficava entre os dois reinos, o abandonado e o habitado. Próximos ao portal das pedras rochosas; uma parede de pedras com uma passagem escondida por trepadeiras; Dominic tomou a frente rumo a aquelas plantas. Apoiava-se por toda parte, até que, por culpa da passagem, caiu para frente entrando no pequeno corredor natural.
— Você está bem? — Ashley e a raposa se aproximaram rapidamente.
— Hahaha, não. Mas sou macho o suficiente para dizer... Sim, estou ótimo! Foi apenas um aquecimento. — Tinha feito um corte na bochecha, o qual começou a sangrar. A menina se preocupou com aquilo, pois o mesmo se feriu ajudando-a. Assim, se ajoelhou ao lado dele, puxou um pedaço de pano do bolso de sua saia e o aproximou da bochecha ferida.
O rapaz até tentou recuar, mas Ashley não deixou. Limpava o sangue com cuidado, tentando não o fazer sentir tanta dor. Precisava de água, e por sorte, o rapaz tinha um cantil preso em seu cinto. O entregou a ela, que despejou o líquido e voltou a dar batidas leves no rosto dele.
A olhava admirando o cuidado que tinha por ele. Aquele carinho era diferente para Dominic, como se tivesse muito amor. Colocou a mão sobre a dela e ambos se encararam por segundos. A moça pediu para que ele segurasse o pano, contudo, o rapaz não soltou a mão dela. Queria beijá-la, só que Ashley não se sentia confortável. Vendo isso, deixou-a ir, assim se levantando e tomando a frente para protegê-la caso tivesse algum perigo por lá.
Não tinham se preparado para aquela escuridão, atravessando o longo corredor de mãos dadas. Logo notaram uma claridade, o que fez o coração disparado da menina se acalmar. Tinha medo de que ele aproveitasse daquele momento para tentar algo, o que nem sequer passou pela cabeça dele, já que só pensava em achar uma forma de conquistar seu coração.
O Vale das Rosas era diferente do que ela imaginava, rodeado por aquelas pedras imensas formando um círculo entre os grandes muros. As flores estavam murchas, sem vida alguma, secas...
Ashley soltou a mão do jovem e começou a andar pelas plantas. As olhava com tristeza, pena do que o tempo proporcionou a elas, mas ao tocar com o dedo indicador em uma, viu a mesma ganhar vida e cores no momento exato em que encostou, logo se tornando a mais bela e viva entre as demais.
— Espera... O que aconteceu? — Dominic se aproximou assustado, olhando para a planta e o rosto da menina ao mesmo tempo. — Você... Você reviveu essa flor?
— Eu... Eu só a toquei...
— Como fez isso...?
—... Oh... Essa não... Você...
— Eu achei isso incrível! Faz de novo?
— O quê?
— Toque em outra! Quero ver como elas são!
Aquela reação surpreendeu a garota. Achava que o rapaz a condenaria por aquele dom que nem mesmo ela tinha conhecimento. Do jeito que as coisas iam, tudo o que esperava era ser chamada de bruxa, levada ao castelo e sentenciada à morte. Só que Dominic já a amava demais para pensar em outra coisa a não ser que ela era uma donzela incrível.
Enfim, era o tempo de dar vida ao belo jardim composto por inúmeras espécies de flores. Caminhava por todo o lado, deslizando a mão de uma a uma, formando trilhas de vida e beleza pelo jardim. Ao terminar de tocar a última, Ashley olhou para seu companheiro e ambos trocaram sorrisos alegres. Era como se um sentimento de paz e conforto tivesse tomado o coração de ambos, aproveitando o fim da tarde naquele mesmo lugar.
Deitados entre as margaridas, admiravam o céu que já não tinha nuvem alguma. O filhote também partilhava daquela alegria, correndo e pulando pelas flores, brincando com as pequenas borboletas que chegavam dos céus.
A dos olhos azuis erguia as duas mãos sem entender o porquê daquilo, encarava-as. Como fora capaz de dar vida a plantas mortas? O diário... Os sussurros... Eles iam muito além de sua compreensão, como se, de alguma forma, se conectassem com ela tentando lhe contar algo. E espiou o príncipe pelos cantos dos olhos, espantando-se ao ver que não havia mais corte algum em sua bochecha. Novamente olhou para suas mãos, ponderando mais e mais.
Antes da noite tomar o lugar do dia, no fim da floresta próximo a casa de Ashley, a menina deixou de andar chamando a atenção do jovem rapaz, que se virou para ela sem entender o porquê daquilo.
Sem dizer palavra alguma, se aproximou e encarou aqueles lindos olhos verdes, então colocou ambas as mãos em seu ombro e se aproximou. Achou que o beijaria como havia pedido, e fez, mas não onde o jovem queria. Sussurrou para ele o agradecendo, ao mesmo tempo em que Dominic levava uma mão à bochecha.
Se abaixou e pegou Luar no colo, dirigindo-se em direção a entrada de sua casa, só que antes que entrasse, se virou e deu um sorriso acenando discretamente.
Sentia seu rosto queimar, já sozinho do lado de fora. Era como se seu coração fosse preenchido de uma forma inimaginável, nem sabia que aquele vazio estivera lá. E assim sorriu, olhando para o céu estrelado e feliz por tê-la encontrado.
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