_ Aqui está...

                Faith entregou os documentos e a mulher abriu e observou rapidamente o conteúdo.

                _ Não abriu para ver o que era? – Perguntou a mulher.

                _ Acredito que isso não seja da minha conta.

                _ Exatamente. – Esclareceu ela fechando o vidro.

                _ Espera! – Disse Faith em caráter de urgência, o que fez com que a mulher voltasse a abrir o vidro.

                _ O que é? – Ela perguntou.

                _ O que eu faço agora?

                _ Vá para casa. Qualquer coisa, ligamos. – Ordenou a mulher novamente fechando o vidro do carro.

                Faith ainda ficou um tempo para observar o que acontecia ali no cemitério. Ela viu que os homens de terno recolheram os corpos em sacos pretos e qualquer outra evidencia ou prova.

                “Preciso ligar para Simons.” – Lembrou Faith saindo do cemitério.

                Faith caminhou pela rua deserta até o taxi onde Nicholas estava esperando... Ou melhor, tirando um cochilo. Ele se assustou quando Faith entrou no carro.

                _ Porra Faith! Avisa né! – Disse ele ainda se recobrando do susto.

                _ Pensou que era um zumbi é?

                _ Caralho! Que susto da porra!

                _ Bom... Dos mortos-vivos pelo menos sou eu.

                _ Podemos ir?

                _ Podemos Nick. – Respondeu Faith sorrindo, ao ver que Nicholas tremia de susto.

                Nicholas deu partida no taxi e foi direto para o apartamento onde ele morava com Faith.

                _ E aí foi fácil? – Perguntou ele algum tempo depois de se afastarem do cemitério.

                _ Tomei um tiro nas costas, por sorte não furou meu espartilho.

                _ Tiro? Nem ouvi nada.

                _ Roncando igual a um porco também!

                _Engraçadinha...

                _ Mas, tirando isso... Foi fácil sim.

                _ Que bom...

                _ Não sabia que se preocupava comigo Nick. – Disse Faith em tom de provocação.

                _ Tirou a noite para stand-up foi?

                Nicholas conhecia muito bem a cidade e os atalhos que ela possuía o que fez com que eles chegassem bem rápido no apartamento onde moravam. Era um prédio simples de quatro andares no meio do subúrbio da cidade, nas ruas era comum o tráfico e consumo de drogas, assim como a prostituição. Faith e Nicholas moravam no quarto andar. No terceiro, morava um traficante que sempre estava drogado, não importando o dia.

                _ Quer ajuda nas escadas? – Perguntou Nicholas ao terminar de trancar o carro.

                O prédio até tinha elevador, mas, por muitos anos estava estragado e sem previsão para manutenção. E por mais que Faith não admitisse ela tinha dificuldades em subir todos aqueles degraus com sua prótese nada ergonômica.

                Faith olhou para Nicholas com um olhar de reprovação, mas, estendeu o braço para que ele a ajudasse.

                _ Eu consigo me virar sozinha sabia? – Disse ela para Nicholas que a ajudava subindo as escadas.

                _ Está pegando o boi que estou te dando uma moral. Senão você ia demorar uma meia hora para subir.

                Faith não gostava de escadas. A prótese em sua perna não ajudava muito ao subir e descer todos aqueles degraus. Pior, ela gostava menos ainda de parecer dependente de alguma forma. Ser tratada como uma deficiente era muito humilhante para ela. Só que ela sabia reconhecer quando algumas pessoas apenas querem ajudar sem diminui-la. O que era o caso de Nicholas que por sinal, era o único que ela permitia fazer piadinhas com ela.

                _ Quando você tiver uns 80 anos, vamos ver quem sobe mais rápido. – Respondeu Faith em tom de brincadeira.

                _ Espero que até lá a gente esteja morando em um prédio com elevador funcionando.

                _ Com sorte...

                Chegando ao apartamento, Nicholas ligou a TV e foi esquentar algo para comer no forno micro-ondas. Faith decidiu que precisava de um banho, estava toda suja de poeira e sangue em suas roupas. Mas, antes pegou o telefone e ligou para Simons.

                _ Alô. – Respondeu Simons ao atender ao telefone.

                _ Missão cumprida senhor. – Faith confirmou de imediato. – Alvos eliminados e os documentos recuperados.

                _ Parabéns Faith. Eu sabia que conseguiria.

                _ Mas, o Regente não foi buscar, ele mandou uma mulher...

                _ Aquela lá é como se fosse uma secretária dele... Não se preocupe, ele irá ver.

                _ Como sabia daquela reunião?

                _ Contatos minha querida. Muita coisa acontece às escondidas... É sempre bom ter olhos e ouvidos em muitos lugares.

                _ O que eu faço agora?

                _ Descanse e aguarde novas ordens.

                _ Sim senhor.

                _ Nos falamos outro dia...

                _ Senhor!

                _ Diga...

                _ Quando podemos nos ver de novo? – Faith sentia algo quando ouvia e estava próxima a Simons, ela sentia uma admiração que não sabia explicar direito e essa admiração fazia com que ela quisesse sempre estar falando ou na presença de Simons. Às vezes ela até acha que parece uma adolescente atraída por um homem mais velho, mas, obviamente não era nada disso... Primeiro que vampiros não amam... E bem... Ela não é mais uma adolescente. Faith respeitava a inteligência de Simons e sentia-se em dívida com tudo o que ele fez e faz por ela desde que acordou em sua casa.

                _ Faith... Devemos manter as aparências. Sem encontros desnecessários.

                _ Sim senhor. – Faith respondeu um pouco desapontada.

                Enquanto Nicholas comia comida chinesa de caixinha requentada e assistia televisão, Faith foi para o banho. Ainda durante o seu banho de banheira, o telefone tocou. Ela secou a mão na toalha e atendeu. Era o Regente.

                _ Alô senhor! – Ela respondeu prontamente.

                _ Gostaria de parabenizar pelo o que fez essa noite senhorita Faith.

                _ Obrigada...

                _ Não costumo confiar em coincidências e tenho fé que o destino guarda uma ou duas surpresas para nossa vida.

                Faith não respondeu. Não fazia ideia do que dizer ao ouvir essa resposta.

                _ De toda forma. – Continuou o Regente. – Estou muito satisfeito com seu trabalho essa noite. Muitos poderiam simplesmente ignorar, mas, você tomou uma atitude e isso é algo que valorizo nas pessoas.

                _ Muito obrigada senhor... Apenas fiz o que achei o correto.

                _ Continue assim e, por favor, mantenha esse assunto no mais completo sigilo.

                _ Sim senhor.

                _Tenha uma boa noite senhorita Faith.

                A ligação foi finalizada.

                “Preciso ligar para o senhor Simons!” – Foi a primeira coisa que passou pela cabeça de Faith ao finalizar a ligação. – “Ele vai gostar de saber que o Regente me parabenizou!”

                Ainda na banheira, Faith ligou para Simons novamente para contar a novidade. Estava ansiosa e reclamava mentalmente pela demora em atender a ligação.

                _ Faith? – Disse Simons ao atender.

                _ Boa noite senhor... Bem... Eu sei que acabamos de nos falar e o senhor recomendou que evitássemos ficar nos falando...

                _ O que aconteceu?

                _ O Regente me ligou! – Ela contou de maneira empolgada. – Me agradeceu e me parabenizou pelo trabalho.

                _ Isso é muito bom... – Respondeu Simons satisfeito. – Muito bom mesmo.

                _ Tudo graças ao senhor! Deu certinho como o senhor previu!

                _ Eu predisse que daria certo... Nossos primeiros movimentos saíram justamente como o planejado.

                _ O senhor é incrível Simons.

                _ Não é motivo para comemorar ainda... Tem muito jogo pela frente. Mantenha-se focada e aguarde pelo meu contato até lá.

                _ Sim senhor! Eu aguardarei ansiosa.

                _ Ah sim Faith...

                _ Sim?

                _ Bom trabalho. – E ao dizer isso, Simons finalizou a ligação.

                _ Muito obrigada senhor! – Respondeu para si mesma, mas orgulhosa por ter agradado ao seu senhor.

                _ Perdi alguma coisa? – Perguntou Nicholas ao ver Faith saindo do banheiro e sentando-se ao seu lado no sofá.

                Faith vestia um short e uma camiseta da banda Blutengel, os cabelos enrolados em uma toalha e calçava uma sandália de salto. Comumente Faith estava de salto. A prótese que ela usava era um pouco mais comprida que sua perna, então ela sempre tinha de usar calçados com salto para compensar a diferença.

                _ Simons me parabenizou pela missão. – Respondeu Faith animada.

                _ Legal... – Respondeu Nicholas com descaso.

                _ E não foi só isso não! O Regente me ligou para me parabenizar também.

                _ Te vendo assim nem parece que é uma vampira que mata pessoas por diversão...

                _ Como assim?

                _ Tá toda animada com o elogio do chefe. Parece uma adolescente no primeiro emprego...

                _ Nada ver...

                _ Você é meio bipolar sabe... Isso me dá medo.

                _ Mentira... Você tem medo de mim porque estou morta. – Provocou Faith lembrando-o do episódio ocorrido no cemitério.

                _ Nada ver... – Respondeu Nicholas sem graça.

                _ O que está passando de bom na TV?

                _ Estava vendo um filme de vampiros...

                _ Sério?

                _ O quê?

                _ Se quiser eu te transformo em um de nós... O que acha?

                _ Nem! Afasta estes dentes de mim!

                _ Entre ganhos e perdas há muitos benefícios...

                _ Deixa assim como tá. Além disso, você precisa de alguém para fazer as coisas para você durante o dia.

                _ Tem razão... Mas, o convite está feito.

                _ Prometo que vou pensar com carinho... – Respondeu Nicholas em meio a um bocejo.

                O comercial acabou e o filme tinha voltado a passar, Faith notou que Nicholas estava com sono, pois, já eram três da manhã. Ela também começava a ficar um pouco cansada... Levantou-se e foi para o quarto. Deitou-se na cama, tirou a prótese deixando-a ao lado da cama, ligou o notebook, pôs o fone de ouvidos e ficou ouvindo suas músicas favoritas. Não parava de pensar no que tinha acontecido naquela noite. Foi certo o que ela fez? Simons tinha ficado orgulhoso dela e parece que o próprio regente também ficou satisfeito. Mas, porque ela tinha aquela sensação incômoda?

                “Preciso confiar no senhor Simons... Ele disse que vai me ajudar... Ele sabe o que é bom pra que eu possa me dar bem nessa cidade...”

                Envolta em pensamentos, finalmente adormeceu.