10 de Junho de 2015
Já era quase meia noite, a bela igreja da cidade estava vazia, iluminada por algumas poucas luzes que ainda estavam acesas. Ela estava sentada em um dos bancos nas primeiras fileiras, observava os detalhes arquitetônicos, as imagens sacras, o modo como cada detalhe foi empregado. Mas, em sua mente ainda se perguntava por que vampiros marcariam uma reunião de apresentação em uma igreja! Faith era nova na cidade, chegou há poucos dias, se é que se pode dizer isso... Seu mentor, aquele que a encontrou, pois, foi exatamente isso que aconteceu, recomendou que ela se apresentasse ao líder dos vampiros da cidade. Aquele conhecido como O Regente.
Seu mentor advertiu que o Regente era um homem poderoso e ditava as regras na cidade. Regras que deveriam ser seguidas ou então punições poderiam ocorrer... Punições que podiam até levar à execução do transgressor! Faith se perguntava por que de tais regras e o porquê de segui-las. Seu mentor explicou que tais regras assegurariam a sociedade vampírica entre os mortais. Mesmo os vampiros sendo poderosos e imortais, revelar sua existência à humanidade poderia gerar efeitos inimagináveis à sociedade. Por isso as regras.
_ Ele irá atendê-la agora senhorita. – Disse um homem com um manto de monge que cobria boa parte de seu rosto. – Me acompanhe.
Faith se levantou, deu uma nova olhada panorâmica pela igreja e acompanhou o homem que a levava para o que parecia ser a sacristia. Tudo aquilo lhe parecia suspeito demais, sentia que alguém a observava, mas, não conseguia dizer quem ou o quê!
O homem entrou no confessionário, que era como se fosse um grande armário de duas portas, com belos detalhes entalhados na madeira.
_ Tenho de me confessar? – Faith perguntou incrédula. A religião não fazia mais parte de sua vida havia um bom tempo...
O homem não respondeu e Faith pôde ouvir um clique como se alguma coisa fosse destrancada e surpresa ela viu os fundos do confessionário se abrindo em uma passagem secreta.
A entrada secreta levava a uma escada talhada na pedra que descia alguns metros para o subsolo. Assim que passou pela porta, ela se fechou com algum mecanismo eletrônico. Faith seguia o homem em silêncio, queria fazer algumas perguntas, mas, seu mentor havia recomendado que ela falasse o mínimo possível e que atendesse apenas em responder as perguntas que lhe fossem feitas. Durante a caminhada, seus olhos corriam por cada detalhe daquele lugar, apesar da aparência estranha, o corredor tinha um total de cinco portas, quatro menores, sendo duas de cada lado e uma grande porta dupla no final; era iluminado por algumas lâmpadas de luz branca; era possível perceber duas câmeras de segurança; e apesar de construído em pedra, era incrivelmente bem limpo.
_ Por aqui. – O homem a guiava pelo corredor em direção à porta dupla.
Enquanto andava, Faith olhava para as portas laterais tentando ver alguma coisa, mas, todas estavam fechadas, pôde ouvir algumas vozes vindas através de uma delas só que nem mesmo com sua boa audição foi capaz de compreender o que diziam. Pareciam ser três pessoas, ou quatro talvez...
O homem parou de frente a porta dupla, feita em madeira bem lustrada e maçanetas douradas. Deu duas batidas de leve e logo em seguida a abriu para que Faith pudesse entrar.
Faith olhou para o homem e percebeu que ela entraria sozinha na sala. Antes de entrar ela olhou o interior e viu que era uma grande sala com uma mesa enorme com diversas cadeiras vazias e ao fundo da sala, um homem de aproximadamente uns 40 anos muito bem trajado em seu terno de grife, ele estava sentado na cadeira da ponta, certamente seria o tal Regente. Atrás dele, de pé duas figuras com mantos escuros, devido ao porte físico dos dois, Faith podia supor que um deles era um homem de porte físico avantajado e uma mulher de cabelos negros que escorriam por sobre seus ombros.
A porta dupla se fechou.
_ Queira se sentar, por favor. – Disse o Regente em voz cordial.
Faith sentou-se na cadeira mais próxima, ficando de frente para o Regente. Ela sentia que era analisada da cabeça aos pés pelos três. De certa forma ela já esperava por isso... Seu visual costuma atrair muita atenção e ao julgar tudo o que tinha visto ali, talvez ela devesse ter vindo com outras roupas... Talvez algo mais apropriado do que shorts curto e espartilho de couro.
Por um tempo ouve um silêncio constrangedor na sala. O Regente olhava analisando-a de um jeito que a deixava incomodada até. Os outros dois também a encaravam, eles saíram de trás do Regente e agora caminhavam em sua direção. Faith tentava não demonstrar toda a tensão que sentia com aquela situação e não conseguia disfarçar que seguia com os olhos todos os movimentos dos dois encapuzados que passaram por ela e agora estavam às suas costas.
_ Conte-me um pouco sobre suas motivações de ser aceita em minha cidade. – Disse o Regente quebrando o silêncio que perdurou por alguns minutos. – Senhorita?
_ Faith... Senhor... – Ela respondeu ainda desconfortável com a situação. – Bom... A pronúncia é Fate (Traduzindo: Destino), mas, a escrita é Faith (Traduzindo: Fé).
_ Interessante... – Respondeu o Regente. – Continue.
_ Bom... Eu venho do Canadá... Norte do Canadá. Cheguei aqui na América há poucos dias e queria me estabelecer por aqui... Fui avisada que aqui as coisas funcionavam de maneira diferente e que deveria me apresentar ao Regente da cidade.
_ Porque saiu do Canadá? E porque justamente a minha cidade? – Perguntou o Regente olhando-a nos olhos.
_ Queria me afastar de algumas lembranças ruins... – Respondeu Faith. Mas, na verdade ela não conseguia se lembrar de como tinha chegado àquela cidade e muito menos o porquê de estar ali. Seu mentor a aconselhou não dar muitos detalhes para não acabar se contradizendo diante do Regente.
Por um breve instante o Regente a observou em silêncio ao ouvir a resposta.
_ E eu comprei uma passagem para a América sem destino definido... Recomendaram-me a sua cidade e eu vim...
_ Quem?
_ Amigos...
_ Vampiros?
_ Mortais... Não conhecia vampiros no Canadá. Até vi alguns, mas, não tinha contato.
_ E seu criador?
_ Eu fui abandonada a minha própria sorte senhor... Costuma acontecer essas coisas comigo... – Faith sorriu ironicamente, mas, a expressão do Regente não se alterou em nada o que a deixou em uma situação desconfortável.
_ Faith... Tem sobrenome? O que você faz?
_ Abandonei minha vida mortal há anos senhor. – Ela respondeu esperando que o Regente a forçasse falar de sua vida pessoal. – Não tenho muitas especializações, mas, estou disposta a ser útil na medida do possível.
Oferecer-se para prestar serviços ao Regente era parte da estratégia de seu mentor.
_ Gostaria de fazer uma pergunta e vou entender se não quiser responder. – Dizia o Regente com um olhar diferente. Mas, Faith já sabia o que era.
_ A perna? – Perguntou Faith. – Foi há muito tempo... Quando ainda era mortal. Foi devorada por um urso.
Faith se referia a sua perna direita que fora amputada pouco abaixo do joelho.
Foi nítido o olhar de curiosidade do Regente com a resposta dada por Faith. Mas, ele não quis questionar os detalhes e continuou com suas perguntas:
_ Sobre o seu criador... O que pode nos dizer sobre ele?
_ Depois de um tempo que perdi a perna eu entrei em depressão... Envolvi-me com drogas e comecei a andar com uma turma “roqueira satanista”. – Faith riu de sua própria definição. – Foi nessa época que mudei meu visual... E adotei a prótese.
_ Por quê? – Perguntou o Regente nitidamente curioso.
Faith realmente tinha uma aparência ímpar. Uma bela moça de pele clara; seus olhos tinham uma bela coloração verde vivo; 1,70m; 60kg. Porém, quando ela tinha dito que mudou o visual, ela falava bem sério. Faith costuma usar maquiagem escura, com batom e esmalte em tons escuros; seus cabelos longos é um moicano com mechas em preto e branco; piercing no nariz; tatuagem de uma fada negra na parte externa da panturrilha direita e a parte que mais chamava a atenção... Faith não tinha a perna direita, então ela usava uma prótese preta de metal em formato de cone com a ponta afilada. A ponta em si, era como a de um salto agulha. Uma visão bem peculiar...
_
Influencia... Drogas... Querer aparecer... Sei lá... – Ela respondeu sem realmente
saber a resposta. – Um destes caras com quem andava, conversava muito comigo...
Ele me ajudava a manter minha autoestima que era nenhuma naquela época e foi
dele a ideia da prótese que uso hoje. Algo como se está no inferno abrace o
capeta!
O Regente arqueou uma das sobrancelhas, mas, nada disse. Faith continuou:
_ Minha vida era uma verdadeira mer... Quero dizer... Minha vida era bem difícil e eu já não aguentava mais aquilo. – Faith comumente falava palavrões, então precisava se policiar ao conversar com o Regente. – Então tentei me matar... Não era a primeira vez que eu tentava, mas, dessa vez eu estava decidida. Em um motel barato eu cortei meus pulsos, enchi o rabo (desculpa!) de cocaína e fiquei deitada na banheira vazia esperando pela minha morte...
Eu já ia apagar quando aquele “amigo” apareceu... Eu me perguntava como ele tinha chegado ali, mas, foda-se eu estava morrendo mesmo...
_ O que está fazendo Faith? – Ele me perguntou abaixando-se próximo a mim e segurando meu braço que eu nem sentia direito.
_ Saindo desse inferno... – Respondi grogue pela cocaína e perda de sangue.
_ Você tem outras opções sabia... – Ele beijou meu pulso e lambeu o sangue. Parecia romântico na hora...
_ Para... Não tenho mais cabeça para esse papo otimista...
_ Não estou falando disso Faith... – Ele me olhou nos olhos de um jeito estranho. – Posso te dar uma nova vida totalmente diferente da que tem hoje. O que acha?
Novamente ele lambeu o sangue que escorria em meu pulso.
_ Não estou muito a fim de viver... Seja essa ou outra vida...
_ Posso te garantir que não vai se arrepender...
_ A foda-se! – Eu disse.
O Regente apenas ouvia a história em silêncio.
_Bom... Aí ele me mordeu e me transformou. – Continuou Faith ao perceber que estava contando coisas demais já. – E pensar que quando ele me “beijava” daquele jeito, estava somente se alimentando de mim... Que filho da...
_ E depois ele foi embora? – Questionou o Regente. – É isso?
_ Na verdade não. Ele me pôs a parte do que eu era agora... Que teria de me alimentar de sangue, evitar o sol, manter minha identidade oculta... Essas coisas... Uns três dias depois ele sumiu e nunca mais o vi.
_ Aí veio para cá?
_ Não. Ainda fiquei quase um ano no Canadá. Precisava me readaptar à minha nova vida... Como não podia mais conviver com nada do meu passado. Decidi abandonar tudo e viver longe dali.
_ E chegou aqui em Chicago?
_ Exatamente... Mas, esse processo demorou alguns anos.
_ O que os outros vampiros diziam a você no Canadá?
_ Nada. Como tinha dito... Eu os via vez ou outra, mas, os evitava. E acho que eles me desprezavam também... Não sei.
_ Uma história bem peculiar senhorita Faith. – Comentou o Regente desfazendo um pouco seu olhar de julgamento.
_ Algo mais que queira saber senhor?
_ Aceito sua permanência em minha cidade. – Disse o Regente se levantando. – Mas, terá de jurar lealdade a mim e seguir minhas leis.
_ Sim senhor... – Faith concordava com todos os termos do Regente.
“Mal pisei nessa cidade e já estou jurada para dois senhores...” – Pensou ela se lembrando de que ontem tinha jurado fidelidade ao seu mentor.
_ Assim espero... Faith. – Falou o Regente enquanto se aproximava.
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