08 de Junho de 2015

                O som da chuva e trovoadas indicava uma forte tempestade que caía durante a noite de Chicago. A grande cidade, com quase três milhões de habitantes, é mais populosa da região Centro-Oeste e a terceira mais populosa dos Estados Unidos, ficando atrás apenas de Nova York e Los Angeles. Apesar de incomum a chuva no período de junho, ela ainda acontecia de vez em quando, mas nem mesmo os moradores da cidade poderiam esperar por aquela tempestade que nem mesmo os meteorologistas previram.

                Com todos os seus números populacionais, Chicago sabia muito bem como enfrentar noites chuvosas como aquelas. O resultado disso era, além do trânsito engarrafado, bares e restaurantes lotados. Alguns estabelecimentos mantinham coberturas com lonas para que os mais animados pudessem aproveitar o vento frio do lado de fora.

                Afastado da confusão do centro da cidade, chegamos a uma luxuosa mansão em um dos bairros mais ricos da cidade. Nessa mansão, em um quarto iluminado somente pela luz de um abajur, um homem vestindo um impecável terno cor grafite, este homem de 40 e poucos anos; pele clara; cabelos castanhos claros, curtos e bem penteados; cavanhaque também muito bem feito, óculos de grau, em sua mão direita, no dedo meio, um grande anel de ouro com o símbolo de sua família, está sentado em uma poltrona de couro que originalmente não pertencia aquele cômodo e ao lado dele, deitada na cama, uma bela jovem dormia tranquilamente. Ele parece aguardar tranquilamente por algo que está prestes a acontecer.   

               A garota dormindo profundamente é Faith. Vestia um short preto curto, espartilho de couro e tinha uma gargantilha estilo coleira. Somente os brincos foram colocados sobre a cômoda ao lado da cama. Parecia estar vestida pronta para sair para algum festa gótica e não para dormir.

                Ao som de um estrondoso trovão, assustada, ela abriu seus olhos verdes vivo, despertando de seu longo sono. Sua mente era um turbilhão de imagens sem sentido e ela tentava organizar seus pensamentos.

                – Onde estou? – disse ela sentando-se na cama. Olhava ao seu redor tentando se lembrar de onde estava e como tinha chegado até ali.

                – Boa noite. – cumprimentou Simons sorrindo de forma simpática. – Como se chama?

                – Onde estou? Como cheguei até aqui? – ela perguntou aflita enquanto sua mente atordoada tentava reconhecer as formas no quarto escuro.

                – Calma... você esteve dormindo por alguns dias. – dizia Simons tentando acalmá-la. – Vamos devagar... – Simons fez uma breve pausa, ao perceber que ela lhe olhava com curiosidade. – Me chamo Simons, sou o dono dessa casa. E você?

                Ela fez uma pausa como se tentasse lembrar-se de seu próprio nome.

                – Faith... Me chamo Faith, senhor.

                – Fate?

                – Escreve-se Faith, mas a pronuncia é Fate.

                – Apenas Faith?

                – Sim...

                A mente de Faith ainda estava uma bagunça e ela tentava organizar seus pensamentos e descobrir como tinha chegado até ali. Foi então que ela se recordou de algo muito importante. Em um rápido movimento, ela pôs de lado o lençol que cobria seu corpo e apavorada ela viu sua perna direita que teve uma parte amputada um pouco abaixo do joelho.

                – Você está bem, Faith? – perguntou Simons ao ver que ela olhava para a perna sem nada dizer.

                – Onde ela está? – perguntou Faith em voz baixa. Sua voz não escondia o medo que ela tinha de ouvir a resposta.

                – Sua perna? – perguntou Simons. – Não se lembra do que aconteceu?

                – Não... minha prótese.

                – Ah sim! Você deve estar se referindo a isto. – Simons se abaixou e pegou uma peça afilada de aço negro reluzente que se assemelhava a um cone.

                Faith abriu um sorriso ao perceber que não a tinha perdido.

                – Sim, é ela! – Faith tomou a peça de metal em suas mãos e a encaixou cuidadosamente em sua perna amputada.

                – Fico me perguntando como você anda com isso... – comentou Simons mais para si mesmo do que para a garota que terminava de ajustar a prótese estranha em sua perna.

                – Onde estou, senhor Simons? – Perguntou Faith ainda acertando sua prótese. Sua mente estava estranha e ela não conseguia dizer o que estava acontecendo com ela.

                – Chicago.

                – Chicago?! – exclamou Faith em voz alta. – O que eu estou fazendo aqui? Como cheguei aqui?

                – Qual a última coisa que se lembra?

                – Eu estava... estava... – Faith tentava se lembrar, mas suas memórias recentes estavam todas bagunçadas em sua mente. – Que dia é hoje, senhor?

                – 8 de junho de 2015.

                – Junho? – Faith forçava sua mente para recordar, mas sem sucesso. – Lembro que no início do ano estava no Canadá... Mas o resto eu não lembro... O que estou fazendo em Chicago?

                – Faith... – Simons a olhou com olhos penetrantes. – Você sabe o que você é e há quanto tempo você o é?

                 Faith olhou para Simons surpresa. Ela não imaginava que ele poderia saber o seu segredo, mas pelo visto ele sabia.

                – O senhor também?

                – Sim, Faith.

                Por mais que a mente de Faith tivesse apagado os últimos meses, ela sabia exatamente o que ela era e sentia que Simons falava a verdade.

                – Há mais de um ano eu sou um vampira... foi no meio de 2013.

                Simons sorriu com a resposta.

                – Então você deu sorte de eu ter te encontrado.

                – Como eu cheguei até aqui? – Faith precisava saber o que tinha acontecido nestes meses todos e precisava conhecer mais sobre o homem que estava diante de si. Ela sentia algo estranho com relação a ele. Algo que ela não sabia explicar.

                – Há alguns dias atrás, um dos meus homens me ligou informando que encontraram um corpo às margens do Rio Chicago.

                – Um corpo?

                – Sim Faith. Seu corpo... estava muito ferida. – dizia Simons com a voz tranquila. – Pensava que você pudesse ter alguma informação ao despertar, mas pelo visto...

                – Não me lembro... não me lembro de nada...

                – Você estava quase morta, quem fez o que fez com você queria matá-la e certamente você morreria ao nascer do sol.

                Faith ficou pensativa, tentando entender o que ela fazia nos Estados Unidos e porque alguém a teria agredido. Ela nunca fez inimigos, até mesmo evitava outros vampiros, como seu criador havia indicado.

                – Ordenei que a trouxessem para cá imediatamente. – continuou Simons. – E que minha empregada lhe desse um banho e lavasse suas roupas.

                Faith olhou para si e viu que realmente estava usando suas próprias roupas. Ela costumava usar roupas pretas e couro, sempre em um estilo mais gothic metal.

                – Minha meia calça e minha bota? Onde estão? – Faith queria saber mais sobre o que aconteceu para ela aparecer espancada às margens de um rio, mas também queria ter o máximo de seus pertences.

                – Sua bota está ao pé da cama. – disse Simons. – Já a sua meia, minha empregada disse que jogou fora, estava toda rasgada.

                – Fui eu mesma que rasguei. Mas tudo bem, eu compro outra.

                Simons olhou com certa curiosidade no olhar, mas nada disse.

                – Meu telefone? – Faith apalpou os bolsos de trás de seu short a procura de seu smartphone.

                – Estava com você... E estava encharcado. – respondeu Simons com uma expressão de desânimo e apontando para a mesinha de cabeceira, onde Faith podia ver seu aparelho telefone desligado. – Talvez tenha conserto.

                – Droga... que merda! – Disse Faith tomando o telefone em suas mãos e tentando inutilmente ligá-lo.

                – O que vai fazer, Faith?

                – Não sei... preciso saber o que aconteceu comigo.

                – Você estava muito machucada. Alguém lá fora não gosta nem um pouco de você.

                – Mas é estranho senhor Simons... não fiz inimizade com ninguém... Sempre fiquei no meu cantinho. – Faith falava com a voz demonstrando tristeza, enquanto ainda tentava ligar o telefone.

                – Recomendo que fique na cidade por um tempo. Pelo menos até descobrir o que aconteceu.

                – Mas se eles estiverem aqui? Eu nem sei quem são!

                – Enquanto estiver na cidade, estará segura. Ao menos na teoria.

                – Porque diz isso, senhor Simons?

                – O Regente da cidade protege todos os vampiros que se mostram leais a ele.

                – Regente?

                – É um poderoso vampiro que governa essa cidade. Todos em Chicago seguem as leis do Regente. Faz da cidade um lugar habitável tanto para nós quanto para os mortais.

                – Entendi... – Faith lembrava que seu criador evitava cidades que havia este tipo de sociedade. Seu criador era mais independente e preferia não ter de seguir regras impostas por outro vampiro. Mas ele a ensinou que ao estar em uma cidade onde há este tipo de sociedade é melhor aceitar do que ir contra o sistema.

                Ou abandonar o sistema...

                – No Canadá não há cidades governadas por vampiros?

                – Onde eu morava não... havia poucos vampiros por lá até. – Faith tentava se recordar dos poucos vampiros com que teve contato no Canadá. Os poucos que conheceu eram lobos solitários, dominavam um pequeno território na base da força e ali se alimentavam e mantinham-se ocultos. Faith sabia que nunca deveria invadir o território de um inimigo. Ao menos que estivesse caçando uma boa briga... – Não havia sociedade vampírica ou algo assim.

                – Façamos assim: nos próximos dias você vai até o Regente e se apresente para ele.

                – E pedir para que ele me aceite na cidade?

                – Sim... Mas tem um problema Faith...

                – Diga, senhor Simons.

                Simons se aproximou, olhou para os lados, e sussurrou como se desconfiasse que as paredes pudessem lhe ouvir:

                – Não pode contar a verdade para o Regente...

                – Não?

                – Faith... Você vem de um lugar muito diferente, não sabe como as coisas funcionam aqui em Chicago. O Regente é um homem muito desconfiado e sua história é bem... digamos... complicada. Além do mais, há lacunas não preenchidas em sua história.

                – Mais um motivo para contar a verdade, não? – Faith prestava atenção às palavras de Simons, mas tentava entender o porquê de mentir para o Regente. E se ele descobrisse?

                – Confie em mim, Faith. – disse Simons, pousando sua mão sobre a mão de Faith e a olhando nos olhos. – É melhor contar uma história que o Regente não vá desconfiar, e enquanto ficar na cidade, você investiga o que aconteceu com você. Eu prometo te ajudar em tudo o que precisar.

                – Obrigada. – respondeu Faith timidamente.

                – Infelizmente não posso me apresentar como seu tutor, ou mentor. Mas posso te ajudar secretamente.

– Qual o problema?

                – Bom... Você é nova na cidade e ninguém te conhece. E se me permite, sua aparência e status não condizem comigo.

                Faith ao ouvir isso, pensou em falar algo para retrucar, mas ela realmente não combinava em nada com tudo o que estava ao seu redor.

                – Como eu disse anteriormente, o Regente é muito desconfiado... – continuou Simons. – Se eu começo a ajudá-la de repente, ele pode querer te investigar e isso pode ser muito ruim para você, Faith.

                – O que eu faço então, senhor Simons?

                – Vamos fazer um acordo, Faith?

                Faith assentiu com a cabeça para que Simons dissesse os termos do tal acordo.

                – Eu me comprometo a te ajudar a descobrir o que aconteceu com você. Ainda me comprometo a auxiliá-la a se estabelecer aqui em Chicago e até mesmo obter status com o Regente, e, consequentemente, o respeito dos outros vampiros da cidade.

                Faith pensava na proposta. Eram boas ofertas, mas a que custo?

                – Em troca, você trabalhará para mim em segredo.

                – Trabalhar para o senhor?

                – Sim. Faith, o que eu mandar você fazer, você o fará.

                – Mas senhor...

                – Não se preocupe, Faith, quanto mais poder eu tiver, mais poder você terá... e quanto mais poder você tiver, mais poder eu terei. – continuava Simons com um discurso eloquente que mantinha a atenção de Faith. – É uma relação onde todos nós saímos ganhando.

                – Terei de trabalhar para o senhor... mas fazendo o que?

                – O que eu mandar você fazer. Não se preocupe, Faith, não vou te mandar fazer uma besteira qualquer!

                – Não é isso, senhor... só queria saber que tipos de coisas seriam.

                – Nada que você não dê conta. – respondeu Simons ainda olhando nos olhos de Faith. Mas tem uma coisa...

                – Diga, senhor.

                – Ninguém pode saber que estamos juntos, Faith. Ninguém!

                – Sim, senhor...

                – Se você seguir minhas ordens e seguir o meu plano, eu garanto que em breve você será um membro respeitado em Chicago.

                Faith achava a ideia bem interessante. Ser respeitada? Estava aí uma sensação que ela ainda não tinha experimentado como vampira.

                – Mas terá de me servir Faith. Terá de ser fiel a mim. – continuava Simons. – O que me diz?