– Tudo bem... eu acho...
– Faith. – Simons a olhou nos olhos novamente. – É importante que faça tudo o que eu disser e do jeito que eu disser. Ou então nós dois vamos nos prejudicar.
Faith olhava para Simons e tentava decidir em uma fração de segundos o que faria. Ela não podia confiar cegamente em um homem que nunca tinha visto em sua vida, mas ele a tinha salvado e algo em Simons inspirava confiança. Era como se Faith soubesse que ele estava sim falando a verdade.
– Eu vou me arriscar por você, Faith. – Continuou Simons. – Mas preciso que confie em mim.
– Sim, senhor. – Respondeu Faith cedendo à pressão e aos seus instintos de confiar naquele homem.
Simons sorriu com a resposta.
– Você não vai se arrepender, Faith. Juntos, nós iremos concluir nossos objetivos.
– E o que eu tenho de fazer, senhor Simons?
– Bom... De imediato, nada. – Respondeu Simons se levantando.
– Nada?
– Eu vou providenciar um local para você morar. – com as mãos para trás. Simons andava pelo quarto enquanto divagava sobre seu plano. – Além disso, vou lhe conseguir um dinheiro para que possa se instalar do jeito que achar mais cômodo.
Faith apenas seguia Simons com os olhos.
– Como você não trabalha, ao menos ainda, o lugar será mais simples, mas com o tempo podemos conseguir um lugar melhor. – continuava Simons. – Além disso, vou disponibilizar alguém para lhe ajudar com as tarefas do dia.
– Muito obrigada, senhor.
– E até você conseguir uma renda própria na cidade, vou ajudá-la com uma mesada. Não vai ser muita coisa para não levantar suspeitas, mas certamente dará para você se arrumar.
– Eu realmente agradeço sua ajuda, senhor...
– O quanto antes você deve se apresentar ao Regente. Não é bom ficar na cidade de maneira “ilegal”.
– Quando devo me apresentar?
– Na noite seguinte ou no máximo na subsequente.
– E o que eu devo falar ao Regente?
– Diga que veio do Canadá para Chicago e está buscando uma cidade para poder se estabelecer... algo assim. Mas não fale sobre nós e sobre as condições que chegou. Se mostre prestativa e disposta a ajudar no que estiver ao seu alcance.
– Entendi, senhor.
– Bom... acho melhor começarmos a nos mover. Venha comigo.
Simons foi em direção à porta do quarto e parou esperando por Faith.
Faith, sem fazer perguntas, levantou-se da cama, calçou sua bota e assim que ficou de pé, acompanhou Simons que a conduzia através de um corredor de seu casarão.
O chão do corredor tinha um belo tapete macio, muitas portas finamente trabalhadas em madeira e impecavelmente envernizadas e brilhantes, quadros, vasos e até mesmo esculturas e armaduras decoravam a casa. O casarão parecia vazio, mas Faith conseguia ouvir o som de conversas em cômodos mais afastados, talvez fossem empregados.
– Aqui. – Simons abriu uma porta que levava a uma bela sala.
A sala também tinha um grande, belo e macio tapete, sofás em madeira, com almofadas macias em tons claros. Uma televisão bem grande estava ligada em um canal de esportes transmitindo um jogo de basquete. Assistindo sentado em um destes sofás, estava um rapaz negro, com os cabelos trançados. Assim que percebeu a movimentação, este rapaz se levantou prontamente. Era nítido como ele reparava em Faith da cabeça aos pés.
– Faith, este é Nicholas. – disse Simons apresentando o rapaz. – Nicholas, esta é Faith.
– Prazer. – respondeu Nicholas, estendo a mão para cumprimentar Faith.
– Olá... – respondeu Faith pegando na mão de Nicholas e cumprimentando-o.
– A partir de hoje vocês trabalharão juntos. – dizia Simons. – Nicholas é motorista de táxi e conhece muito bem a cidade. Ele poderá te ajudar em diversas coisas, principalmente relacionadas a transporte.
– Nicholas – agora Simons se dirigia ao rapaz –, ajude Faith no que ela precisar. Se precisarem de algo, entre em contato comigo. Lembrem-se que, para manter a discrição, minha ajuda será limitada.
– Sim, senhor Simons. – respondeu Nicholas.
– Para facilitar, vocês vão dividir o apartamento. – continuou Simons. – A não ser que vocês têm alguma ideia melhor.
Simons olhou para Nicholas e Faith esperando algum tipo de contestação. Por outro lado, Faith e Nicholas se entreolharam.
– Por mim tudo bem, senhor Simons. – Respondeu Faith. – O que o senhor ordenar está bom para mim.
– Por mim... Beleza. – respondeu Nicholas.
– Ah, sim, Faith. – Simons se aproximou de Faith, e sussurrando em seus ouvidos, continuou. – Não se alimente dele.
– Sim, senhor. – respondeu Faith.
– Outra coisa. – continuou Simons, mas agora falava em tom normal. – Use isso por enquanto.
Simons pegou um aparelho telefone celular em cima de uma mesa e entregou para Faith. Não era um telefone de última geração, mas ainda assim um aparelho muito bom.
– Já tem o meu número salvo e o do Nicholas. – continuou Simons.
– Obrigada. – Faith tomou o telefone em suas mãos e começou a checar a agenda do telefone.
– Aqui estão as chaves do apartamento. Uma cópia para cada. – Simons entregou um chaveiro com três chaves para Faith.
Faith guardou o em seu bolso enquanto Simons entregava outro chaveiro para Nicholas.
– Bom... Agora vocês dois podem ir. – Disse Simons. – Qualquer coisa me ligue.
– Sim, senhor. – responderam Faith e Nicholas quase que simultaneamente.
Simons então chamou um de seus empregados, um mordomo que os levou até a saída do casarão.
– Meu carro está na garagem. – disse Nicholas tomando a frente.
Enquanto seguia Nicholas, Faith apenas observava a casa e seus detalhes arquitetônicos e suas muitas obras de arte espalhadas pelo lugar.
Os dois, acompanhados pelo mordomo, chegaram à garagem, onde se podia ver alguns carros de luxo e um táxi bem simples.
– Você é realmente taxista? – perguntou Faith entrando no táxi.
– Sim. – respondeu Nicholas. – Há alguns anos já.
– Legal...
– Fate não é?
– Se escreve Faith, mas a pronúncia é Fate.
Nicholas parecia que ia contra argumentar, mas acabou ficando calado e deu partida no carro.
– Conhece o senhor Simons há muito tempo Nicholas?
– Há algum tempo.
– Como o conheceu?
– Ele tinha um cartão meu e me pedia para fazer umas entregas e tal...
Nicholas conduzia o carro pelas ruas de Chicago. Já era bem tarde e por isso as ruas estavam mais vazias. A tempestade de mais cedo, agora dava lugar a uma fina e fria garoa.
– Aí ele te contratou oficialmente?
– Tipo isso.
– Então você sabe... que... eu...
– Vampira? – disse Nicholas, interrompendo Faith. – Sim, sei.
– E?
– E o que?
– Não tem problemas?
– Tem... mas Simons me garantiu que você não iria me atacar...
– Não se preocupe.
– Além do mais, ele me prometeu um bom pagamento por esse trabalho.
– Legal...
– E você, Faith? Como conheceu o chefe?
– Você não sabe?
– Deveria?
– Ele me achou... acho que essa seria a melhor explicação...
– Entendo... não quer falar disso não é?
– Preferia que não...
– Você é roqueira, né? – Nicholas mudou de assunto. Seus anos como motorista de táxi e conversas com passageiros davam ele a noção de quando as pessoas não estavam à vontade com certo tipo de assunto.
– Tipo... pode-se dizer que sim. – Faith surpreendeu-se com a pergunta.
– Gótica?
– Também... mas só nas músicas e no visual mesmo...
– Tem um lugar na cidade que você vai gostar então.
Faith não respondeu, mas olhou para Nicholas demonstrando curiosidade.
– Night Cave. – continuou Nicholas. – O pessoal de preto sempre se reúne lá às noites. Parece que toda sexta e sábado tem música ao vivo com bandas da cidade e até mesmo algumas famosas.
– Você também curte o movimento? – Faith perguntou incrédula, pois Nicholas não parecia nem um pouco ser do estilo rock ou gótico.
– Não... Mas sempre faço corridas para o pessoal que frequenta o lugar.
– Que tipo de músicas você gosta?
– Essas. – Nicholas ligou o som do carro e começou a tocar uma música que Faith reconhecia, mas não sabia dizer o nome do cantor. Era um rap muito conhecido.
– Rap?
– 50 Cent! – Nicholas respondeu balançando a cabeça e a mão direita ao som da batida da música.
– Conheço Eminem...
– Normal... Você é branca. – respondeu Nicholas em tom de brincadeira.
Faith sorriu em resposta.
– Faith?
– Diga...
– É... sobre... sabe... a...
– A perna?
– Isso... – Nicholas parecia curioso, mas pelo visto tinha vergonha de perguntar.
– Foi comida por um urso...
– Sério? – Nicholas olhou para Faith surpreso.
– Uhum... Foi há muito tempo.
– E porque usa uma prótese assim?
– Algum problema com ela?
– Não! Imagina! Eu só acho que deve ser difícil andar com ela...
– Eu acostumei...
– Ela combina com você.
– Obrigada. – Faith agradeceu o elogio sem realmente ter entendido.
– Estamos chegando. – disse Nicholas enquanto passavam por um bairro do subúrbio. – Quando o senhor Simons disse que era um lugar simples ele estava falando sério.
– Eu não ligo para luxo... Só de ter um lugar para tomar banho e dormir já está bom.
– Isso tem.
– Nicholas, sabe um lugar bom para comprar roupas? Só estou com a roupa do corpo.
– Que tipo de roupa?
– Como assim que tipo de roupa?
– Roupa normal? Ou essas roupas de rock?
Faith olhou para Nicholas com olhar de repreensão.
– Roupas de couro e de preferência um lugar que faça por encomenda.
– Bom... Eu conheço uma senhora que faz roupas por encomenda. Só comprar o tecido e entregar o desenho.
– Pode ser também. – Pensava Faith se essa tal senhora entenderia o que ela tinha em mente.
E um cabeleireiro? – Perguntou Faith ao reparar que as raízes de seu cabelo estavam começando a descolorir.
– Vampiros vão ao cabeleireiro?
– Meu cabelo precisa ser tingido.
– Tem um salão perto do apartamento que a gente vai ficar... eu corto lá.
– E é bom?
– Eu acho. Apesar de que é um salão afro, eles devem dar um jeito no seu cabelo.
– Tomara...
– Por falar nisso, cabelo maneiro esse seu! Acho difícil moicano combinar com mulher. Mas o seu ficou top.
– Obrigada. – respondeu Faith timidamente.
– Chegamos. – disse Nicholas de repente enquanto estacionava o carro em frente a um prédio de quatro andares. A fachada era coberta de pichações e não parecia ter uma portaria ou garagem.
Enquanto descia, Faith observava o ambiente ao redor do prédio e via os olhares curiosos dos homens que a olhavam da cabeça aos pés. Era um bairro bem pobre e certamente perigoso.
– O que achou? – Perguntou Nicholas.
– Não deve chamar a atenção... bem como o senhor Simons queria.
– Pode ser...
– Você conhece essa região?
– Conheço um pessoal daqui.
Nicholas trancou o táxi e se dirigiu para a entrada do prédio. Faith foi logo atrás dele, ainda observando tudo ao redor tentando se familiarizar com o lugar.
Subiram um pequeno lance de escadas, Nicholas destrancou a porta da frente e manteve a porta aberta para Faith passar.
– Sempre deixe trancada. – advertiu Nicholas.
Faith apenas fez um movimento afirmativo com a cabeça.
O pequeno saguão tinha duas portas de cada lado, um elevador e as escadas que subiam e desciam para o porão, onde certamente ficaria a lavanderia, ou algo assim. O elevador estava fora de funcionamento, ao menos era isso que indicava um aviso improvisado escrito a mão em caneta.
– Estragado? – perguntou Faith.
– Sim. E já adianto que não há previsão para concerto.
– Que merda! – disse Faith em voz baixa.
– O que foi?
– Odeio escadas Nicholas... odeio!
– Ah... – Nicholas então se tocou que para Faith subir até o quarto andar com aquela prótese não deveria ser uma tarefa das mais fáceis.
Faith observava a escadaria como se reunisse forças ou até mesmo coragem para enfrentá-la.
– Podemos pedir ao chefe para conseguir um lugar no primeiro andar... – disse Nicholas com a voz tranquila.
– Pode deixar... eu me viro... não vamos incomodar o senhor Simons por causa dessa besteira...
– Tem certeza?
– Sim... eu consigo! Não precisa me tratar como uma deficiente.

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