A primeira loja, Nicholas ainda perguntou se Faith tinha certeza se era ali mesmo. A loja era especializada em artigos mais sociais, como ternos e afins. Ao chegarem à loja, não foi surpresa que os vendedores os olharam com desconfiança. Mas Faith já era acostumada com estes olhares, e gentilmente conversando com uma vendedora, comprou um conjunto estilo social: uma camisa branca de mangas compridas, uma espécie de macacão social feminino cor grafite – mas não estes comuns, ela preferiu um que era mais justo – e um par de sapatos scarpin preto brilhante.
Na segunda loja, novamente foram observados com curiosidade por parte dos vendedores. Era uma loja especializada em artigos de couro, estilo motociclistas. Faith comprou um macacão de couro bem justo.
Depois foram em uma loja de um shopping da cidade. Lá Faith comprou roupas mais casuais, como shorts e camisas que ela dizia ser para usar em casa. Comprou diversas lingeries. Todas, sem exceção, na cor preta.
– O que foi, Nick? – perguntou Faith de repente enquanto ainda escolhia algumas roupas.
– Nada...
– Está me olhando de um jeito estranho.
– Todo mundo está te olhando de um jeito estranho. – respondeu Nicholas em tom de brincadeira.
– O que você está pensando? – insistiu Faith.
– Essas roupas todas que está comprando...
– E o que tem? Simons nos deu um dinheiro, lembra?
– Eu sei! Fala baixo!
Faith se lembrou de que a ajuda de Simons deveria ser sigilosa e logo tratou de fechar a boca.
– Já estou terminando. Agora só preciso arrumar meu cabelo e encontrar uma costureira.
– Costureira?
– Conhece alguma boa?
– Tem uma no bairro. Mas o que quer fazer?
– Algumas dessas roupas aqui eu vou mandar diminuir.
– Diminuir mais?
– Como assim?
– Nada! Esquece. Depois eu te levo na costureira.
Faith terminou de comprar as roupas, e, como era esperado, acabou gastando boa parte do dinheiro ganho. Antes de saírem do shopping, Faith foi a uma loja que vendia objetos de camping e comprou uma faca estilo retrátil – bem simples, mas muito afiada. Ao saírem da loja, ela explicou que precisava ter algum tipo de arma para poder se defender.
– Você precisa de uma arma? – perguntou Nicholas se referindo aos poderes vampíricos de Faith.
– Nem sempre vou enfrentar mortais, Nick.
– Você é boa de briga?
– Sei me virar.
– Não seria melhor uma arma de fogo?
– Não sei atirar.
– Aprende, ué!
– Prefiro armas silenciosas.
– Pode colocar silenciador na arma.
– Sou mais letal com uma lâmina do que com uma arma de fogo.
– Se você diz.
– Duvida?
– Longe de mim duvidar.
Depois disso voltaram ao bairro e Nicholas a levou a um salão cabeleireiro do bairro onde moravam. O salão, apesar de pequeno, parecia ser popular na região. À primeira vista o salão era especializado em cortes afros e quando Faith e Nicholas entraram, não foi surpresa que foram alvos de olhares curiosos de todos que estavam em seu interior.
Um breve silêncio se fez.
– E aí, Nick! – disse uma mulher sorrindo. Ela era muito bonita com seu cabelo crespo muito grande e algumas trancinhas de lado – Quem é a moça?
– Amiga minha. – respondeu Nicholas cumprimentando com gestos as outras pessoas do lugar. – Ainda dá tempo de atender ela?
Faith observava o lugar e as pessoas que a olhava dos pés à cabeça.
– Já estamos quase fechando... – respondeu uma senhora que fazia trabalho de manicure em uma moça mulata.
– Mas já que ela é sua amiga eu vou quebrar seu galho, Nick. – respondeu a moça ainda sorrindo. – Venha! Sente-se, querida! – A moça girou a cadeira para que Faith se sentasse.
Faith sentou-se na cadeira, ainda olhando tudo ao seu redor com grande curiosidade.
– O que vai ser? – a moça agora passava as mãos pelos cabelos de Faith. – Cortar as pontas e tingir?
– Sim. – respondeu Faith, olhando para a moça através do espelho.
– Senhorita?
– Faith. Pronuncia-se Fate, mas se escreve Faith.
– Ah sim... Christina Hagger.
– Prazer. – Faith observava pelo reflexo do espelho que Nicholas conversava em voz baixa com um rapaz que estava sentado aguardando para ser atendido. De início, ficou curiosa sobre o que conversavam, mas graças sua audição aguçada, pôde perceber que os dois eram amigos e conversavam sobre assuntos triviais.
Para surpresa de Faith, todo mundo a tratou muito bem e aproveitou também para fazer as unhas. Claro que em algum momento ela foi questionada da prótese, questionada se não queria mudar o penteado, questionada se estava namorando Nicholas e muitas outras perguntas que Faith ia respondendo com o maior bom humor possível.
– Muito obrigada. Até uma próxima oportunidade. – disse Faith se despendido de Christina.
– Volte sempre, Faith!
Durante o caminho de volta, Faith diversas vezes se olhava no retrovisor do táxi para verificar seu cabelo. Estava lindo como nunca.
– A costureira já está fechada, mas acho que ela pode nos atender ainda. – disse Nicholas estacionando o carro em uma rua do bairro.
– Você conhece todo mundo aqui?
– Não todos... mas tenho meus contatos.
Faith e Nicholas desceram do carro. Faith carregava uma sacola com as roupas que eram para ser ajustadas enquanto Nicholas tocava a campainha da casa que tinha uma discreta placa indicando serviços de corte e costura.
– Boa noite! – disse uma voz pelo interfone. – Em que posso ajudar?
– Boa noite, Carmem. – respondeu Nicholas. – Aqui é o Nick.
– Oi, Nick! – ela respondeu em tom ainda mais simpático. – Já vou abrir. Espere um pouco.
Em pouco tempo a porta se abriu e Faith pôde ver uma senhora de idade com um semblante muito simpático.
– Essa é minha amiga, Faith. – Nicholas apresentou Faith. – Faith essa é Carmem a costureira que te disse.
– Boa noite, senhora. – cumprimentou Faith.
– Boa noite, Faith. – Carmem a cumprimentou de volta, mas por um breve instante ficou reparando em Faith.
– A Faith quer ajustar umas roupas aí eu trouxe ela aqui. – explicou Nicholas.
– Precisa para quando as roupas, Faith? – perguntou Carmem.
– O mais breve possível. – respondeu Faith estendendo a sacola para Carmem.
– O que precisa ser feito? – disse Carmem olhando rapidamente o conteúdo da sacola. – Venham, vamos conversar lá dentro.
Carmem os convidou para entrar e logo já na entrada entraram em um pequeno cômodo que servia como seu lugar de trabalho. Um salão com máquinas de costura, rolos de tecidos, recortes de papéis, carreteis de linhas coloridas, manequins com roupas ainda em produção e sacolas, muitas sacolas de roupas.
Carmem foi retirando as roupas com cuidado e colocando-as sobre a mesa. Ela pegou um tipo de giz, um bloco de anotações e uma caneta.
– Então... o que vamos fazer aqui? – perguntou Carmem, ajeitando seus óculos que ficava pendurado por um cordão no pescoço.
– Essa aqui, eu quero que corte a perna direita. – disse Faith apontando para a roupa cor grafite. – Mais ou menos nessa altura aqui. – Faith marcou em sua própria coxa a altura desejada.
Nicholas e Carmem a olharam com curiosidade.
– Não gosto de esconder que não tenho uma perna. – Faith respondeu.
Carmem e Nicholas se entreolharam, mas nada disseram.
– Neste também? – Perguntou Carmem apontando para o macacão de couro.
– Não. Este eu quero que corte dos dois lados nessa altura. – Faith apontou novamente para as próprias pernas mostrando a altura que queria que ficasse. Cortaria bem curto, dos dois lados.
Carmem marcou os locais que eram para ser cortados com o giz e perguntou se tinha mais alguma mudança a ser feita. Faith negou com a cabeça, mas perguntou se Carmem fazia roupas por encomenda, pois ela tinha algumas ideias de roupas que dificilmente encontraria para comprar. Carmem, em um sorriso simpático, respondeu que o que ela quisesse era só trazer o desenho, medidas ou mesmo uma boa descrição que ela poderia fazer.
Como era de se esperar, Carmem não iria entregar as roupas de Faith naquele horário. Disse que no dia seguinte, na parte da tarde, já estaria pronto – afinal, era algo simples de se fazer. Nicholas se prontificou a buscar.
– Para onde vamos agora? – perguntou Nicholas ao se despedirem de Carmem.
– A tal Night Cave. – disse Faith interessada na casa noturna que Nicholas tinha dito. – Funciona hoje?
– Hoje não tem música ao vivo. Mas o bar ainda funciona.
– Vamos dar uma passadinha lá.
– Certo.
Nicholas então levou Faith à Night Cave. Quando era por volta das 22h30min eles chegaram. A Night Cave tinha uma fachada grande e bem bonita, com uma grande porta de ferro, painéis de vidro, onde letreiros luminosos exibiam o nome Night Cave. Algumas pessoas, todas de preto, estavam na entrada conversando. Eles tinham diversos estilos, mas em sua maioria com visual gótico.
Ao descer do carro e encaminhar para a entrada, Faith podia novamente sentir os olhares curiosos em sua direção – mas foi então que reparou que eles encaravam mais Nicholas, que certamente destoava do estilo dominante.
Na entrada, Faith e Nicholas passaram por uma revista simples. Por sorte, Faith tinha deixado a faca no carro.
O interior da Night Cave era bem escuro, com luzes negras. Na entrada havia um grande bar, com várias mesas e um balcão com atendes especialistas em drinks e bebidas. Aos fundos do bar, abria-se o espaço de apresentação ao vivo, um lugar bem grande até, com um palco ao fundo e camarotes na parte de cima. O lugar estava relativamente cheio, com música sendo tocada no ambiente.
– Nunca estive aqui dentro antes. – disse Nicholas. – Esse lugar é estranho.
– Achei bem normal, Nick. – respondeu Faith andando pelo lugar.
– Normal para vocês roqueiros.
No interior, as pessoas vestiam em sua maioria preta, com bastante couro. Algumas roupas ainda faziam combinações com vermelho, roxo e branco. Mas sempre com visual dark ou gótico.
– Se quiser pode ir. – disse Faith. – Qualquer coisa eu te ligo para vir me buscar.
– Tem certeza?
– Sim. – Faith respondeu sorrindo.
– Tudo bem então... Vou dormir um pouco.
Nicholas saiu e deixou Faith na Night Cave.
Faith, mesmo sem querer, chamava muito a atenção das pessoas – tanto por sua beleza, quanto por seu visual excêntrico – e ela sabia se aproveitar dessa atenção, principalmente em lugares como aquele. Como foi ensinada a fazer, até o final da noite ela começou a conversar com um rapaz que se mostrou interessado nela e entre conversas animadas, entre beijos e caricias, Faith aproveitou para se alimentar do rapaz.
Beber o sangue direto da fonte era o maior prazer da vida de Faith.
Os poderes vampíricos permitiam que ela mordesse o pescoço de alguém e sua vítima ao invés de dor, sentisse prazer. Além disso, ela poderia misticamente fazer o ferimento se cicatrizar de imediato ao terminar, bastava lamber a ferida e pronto! Sem sinais do ataque. Ela só não devia sugar demais para não deixar sua vítima doente, ou até mesmo morta.
A Night Cave despertava lembranças do passado de Faith, algumas lembranças boas e outras muito ruins. Se ela não tivesse de trabalhar para o senhor Simons, certamente ela tentaria trabalhar na Night Cave para conseguir um dinheiro extra, sangue e até mesmo informações sobre as noites de Chicago.
Por volta de uma da manhã Faith se despediu do rapaz que ficou durante a noite. Passou um número falso de telefone para ele. Faith que iria procurá-lo quando precisasse, e não o contrário. Pagou a conta, que foi barata – afinal, ela só “consumiu” dois refrigerantes. Na verdade, estes refrigerantes foram discretamente esvaziados no banheiro... A única coisa que Faith bebia era sangue. Mas manter as aparências era essencial.
Faith ligou para Nicholas ir buscá-la e ficou aguardando na entrada da Night Cave. Enquanto isso seu telefone tocou. Era Simons.
– Boa noite, Faith. – disse Simons do outro lado da linha. – Como está?
– Muito bem, e o senhor?
– Estou bem. O que está fazendo?
– Hoje comprei umas roupas, fui ao salão e fui conhecer um pouco da cidade.
– Noite agitada.
– Estou em um bar. Night Cave. Talvez o senhor conheça.
– Sim. Suspeitava que você fosse gostar do lugar.
– É muito bom. O senhor frequenta?
– Não costumo ir a bares ou coisas assim.
– Entendo...
– Algum problema com as roupas que pedi para deixar em seu guarda roupa?

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