Na manhã do terceiro dia do evento, a única coisa que Aleksey queria era continuar dentro da cabana, e de preferência só sair se fosse para entrar na carruagem que o levaria embora. Ele até aceitaria pegar um balão, mesmo sendo perigoso, desde que aquilo o impedisse de rever o casal que estava hospedado na cabana ao lado. Conseguira até se esquivar relativamente bem no dia anterior com a brilhante estratégia de não botar nem o nariz para fora da cabana, mas o dia fora dedicado ao descanso e às articulações políticas, e que ninguém esperaria que ele aparecesse. Ele não conseguiria se esconder durante toda a estadia.
Só que Aleksey tinha certeza de que depois do desastroso jantar do primeiro dia, ficar ali era correr perigo. Como se não bastasse ter colocado Morena como alvo das atenções de Nadezhda Lyubovevna, a esposa do tio, ainda tinha se descuidado e se deixado levar pela proximidade. O olhar de preocupação que Morena lhe lançara parecia marcado nas pálpebras toda vez que Aleksey fechava os olhos, e a gentileza nas palavras dela era como uma coroa de espinhos encravada em seu coração. Mesmo depois de tudo que Aleksey a fizera passar sendo egoísta e insistindo em ficar perto dela por tanto tempo, Morena ainda tinha ternura para oferecer. Era pior ainda quando ele pensava que retribuíra aquilo, deixando-a sozinha para enfrentar todo o escrutínio da corte e as fofocas que iriam, inevitavelmente, culpá-la por aquilo.
Sozinha, não.
Ela tinha Ivan, não tinha?
De qualquer forma, Aleksey sabia que se ficasse ali, jamais conseguiria manter sua atuação como rapaz despreocupado e acabaria piorando a situação para Morena e Ivan, e entre arriscar a imagem cuidadosa que atuavam na Corte e ir embora, ele preferia partir.
Para piorar, tinha certeza que não seria forte o suficiente para se manter longe de Morena e Ivan.
Não só porque era inevitável — em todos os lugares da corte, as duas únicas famílias nobres de Alquimistas eram sempre posicionadas lado a lado, agrupadas como iguais, sendo obrigadas a dividir tudo, sem acesso a algo só deles, sem o direito de serem tratados como entidades separadas. Aquilo em geral não era um problema porque, historicamente, os Barabash e os Górski mantinham relações amigáveis como um todo, mas na situação específica em que Aleksey se encontrava, era um inferno. O problema era que mesmo se aquela obrigação não existisse, Aleksey sabia que acabaria se aproximando deles simplesmente por sentir saudades, como um beija-flor que não consegue resistir ao doce aroma da primavera. Até decidir se afastar, nunca reparara a que ponto a vida dos três estava entrelaçada e o quanto havia se acostumado com aquilo, com estar rodeado de pessoas que o compreendessem sem que precisasse se esforçar. Mais do que isso, ele se sentia seguro. Com Morena e Ivan, ele podia ser ele mesmo, falar o que queria sem precisar se policiar a cada instante, e relaxar como nunca fizera antes. Não precisava atuar em nenhum dos seus papeis, ele podia só... existir.
Aleksey sempre achara uma bobagem sentimental quando alguém falava que casa não era necessariamente um lugar, mas ele compreendera exatamente o que aquilo queria dizer no momento em que perdera a sua. Ele desejava tanta coisa, quando se tratava daqueles dois. Desejava saber como estavam, compartilhar seus pensamentos e saber o que eles pensavam, desejava rir com eles. Desejava, acima de tudo, voltar a sentir o que ele não levara a sério até perder, o sentimento de que pertencia a algum.
E até conseguia fingir que nada disso existia enquanto estava envolvido nos afazeres do cotidiano, indo em festa atrás de festa, vendo-os apenas em situações formais e que tinham um protocolo rígido. Aquela festa era a maior distância que a Corte permitia que se afastassem daquelas regras e, embora houvesse uma grande quantidade de eventos, os protocolos sociais eram mínimos: o objetivo final era criar um ambiente descontraído para que alianças fossem formadas. Tudo era muito mais parecido com o cotidiano que compartilhavam antes, na Azote, nos meses que passara com eles na casa em Mièdz, nos momentos particulares que tinham na corte quando os três ainda estavam… se falando.
— Você sempre pode ir para a caçada comigo — Laszlo dissera naquela manhã enquanto Aleksey o ajudava a se vestir. — Eu já fui ver o cavalo que me emprestaram, ele aguenta nós dois.
Aleksey terminou de abotoar a camisa justa e olhou para o seu companheiro com um sorriso gentil. Laszlo era um homem um pouco mais alto que Aleksey e mais de uma década mais velho, os fios brancos pincelando o cabelo vermelho-ferrugem e aparecendo aqui e ali no bigode que mantinha cuidadosamente. Tinha um rosto que lembrava os anjos esculpidos que adornavam as igrejas, como se tivesse sido feito ao molde deles, o queixo largo e as bochechas bem-marcadas fazendo um caminho que era perfeito para ser beijado. Era quase um pecado estar ali pensando em qualquer outra coisa que não fosse o homem maravilhoso parado na sua frente.
— Laszlo, meu amor, por mais que eu adore cavalgar, eu odeio cavalos — comentou Aleksey, fazendo o outro homem gargalhar. — E dado as minhas experiências recentes, o último lugar que quero estar é no meio do mato com várias pessoas empunhando armas.
— Eu poderia te proteger, mas eu entendo. — Laszlo suspirou, segurando o braço de Aleksey e levando-o até os lábios, beijando-o com suavidade a pele interna do pulso. Aleksey desviou o olhar, sentindo o misto de culpa e gratidão que sempre vinha quando Laszlo demonstrava qualquer carinho e atenção. — Achei que seria mais divertido do que está sendo. Eu não pensei... — Ele hesitou por um instante, olhando rapidamente na direção da cabana de Morena e Ivan, e balançou a cabeça. — Sinto muito ter te convencido a vir.
— Não, não diga isso. Eu vim porque quis, já imaginava que isso poderia acontecer… Só achei…
— Que não reagiria dessa forma? — Lazlo segurou o outro braço de Aleksey e deu mais um beijinho no pulso dele.
— Desculpa estar deixando tudo tão chato, eu prometo que vou melhorar. Até a festa a fantasia eu vou estar no meu melhor.
— Nada fica chato quando eu estou com você — Laszlo falou com um sorriso, e Aleksey sentiu o rosto arder, desviando o olhar, a culpa formando um bolo em sua garganta.
Não era que ele não gostasse de Laszlo, não exatamente. Além da aparência, Laszlo possuía um ótimo senso de humor, se preocupava com Aleksey, tinha paciência de ouvi-lo e ele nunca parecia o incomodar. Ele podia ser entediante às vezes, quando começava a falar dos cavalos que tanto amava, mas quando se tratava de defeitos, era o menor deles. Laszlo também o acolhera quando Aleksey mais precisara, oferecendo-lhe um teto quando ele percebeu que não conseguiria sustentar uma casa com a quantidade de dívidas que acompanhavam a sua herança, oferecendo um ouvido que não o julgava, oferecendo um tipo de conforto que Aleksey nem sabia que precisava.
O problema era que nos últimos meses, ficara óbvio que Laszlo gostava muito mais de Aleksey do que Aleksey conseguiria gostar de qualquer pessoa naquele momento. Morena e Ivan sempre estavam em sua mente, de um jeito ou de outro, e era como se ele comparasse o tempo todo tudo o que Laszlo fazia com o que os dois fariam no lugar — e nunca era o suficiente. Os poucos minutos que passara ao lado de Morena no jantar o fizeram sentir mais coisas do que todos os meses que dormira ao lado de Laszlo, o instante que compartilhou com Ivan enquanto fumavam juntos foi mais confortável do que qualquer coisa que Laszlo poderia oferecer.
Aleksey sabia muito bem que nada disso era justo com Laszlo, que a comparação sequer fazia sentido, porque ele nunca seria os dois.
A solução que sempre encontrava era apenas parar de pensar. Se não pensasse, nada além do que estava vivendo no momento existiria e não haveria problema algum. Metade dos problemas vinham de pensar demais e, se pudesse, nunca mais teria sequer um pensamento na vida. Foi por isso que assim que Laszlo partiu, usando uma calça de montaria que ressaltava muito bem uma das partes de sua anatomia que Aleksey mais gostava, ele decidiu que não ganharia nada ficando dentro da cabana. Precisava inventar algo para fazer e, se não podia partir de vez, que pelo menos fosse visto. Certamente conseguiria arrumar uma boa distração naquele casarão cheio de gente e de eventos que o deixasse bem longe de Morena e Ivan.
Porém, logo descobriu que a diversão alternativa para aquele dia era ir à praia. Aleksey se sentou por alguns minutos no amplo jardim que antecedia os coqueiros e as palmeiras que rodeavam o litoral, trabalho de algum jardineiro muito meticuloso, e olhou para o céu límpido. Não havia uma nuvem sequer, o sol brilhando forte e intenso, e ponderou mais uma vez sobre sua vida. A menos que houvesse uma grande revolução de organização, provavelmente a praia estaria dividida em tendas que separavam muito bem os grupos de pessoas de afinidades distintas. Seria impossível ficar saltitando de grupo em grupo, nunca ficando tempo o suficiente perto de alguém para repararem de verdade nele, e precisaria escolher onde ficar e permanecer por um tempo. Era a última coisa que Aleksey precisava naquele dia, se esforçar para fingir ser quem esperavam que ele fosse. Quando finalmente chegou à praia, percebeu que sua avaliação fora correta: as tendas estavam montadas em cima de paletes de madeira para deixar a areia o mais longe possível dos sapatos elaborados e cheios de renda que eram moda naquele verão, esparramadas com diversos sofás e espreguiçadeiras e mesinhas fartas, cheias de comidas e bebidas. Havia muito mais gente do que ele esperava — poderia até culpar o calor opressivo que fazia se as pessoas não estivessem vestidas com camada em cima de camada de babados horrorosos — e Aleksey hesitou alguns instantes sem saber para onde ir, todas as tendas ocupadas. À sua esquerda, havia a tenda mais barulhenta de todas, gargalhadas e gritos chegando pelo vento e, em condições normais, seria aquela que escolheria. Porém, sabia que caso se aproximasse, esperariam que ele participasse da bagunça e, naquele dia, Aleksey só queria um lugar em que pudesse ficar no canto, sendo bonito enquanto observava tudo e bebia sem ser incomodado.
Em uma tenda mais à direita, uma das últimas naquele pedaço de areia, ele percebeu uma mulher com roupas práticas, o cabelo castanho preso num coque meio frouxo acima da cabeça, destoando completamente das roupas cheias e espalhafatosas das outras tendas. Ela usava uma calça folgada que parava um pouco abaixo do joelho, em um estilo que Aleksey vira Morena usar dentro de casa inúmeras vezes, e uma vyshyvanka com um bordado floral vermelho-escuro na gola e nas mangas. Quando ela se virou, Aleksey a reconheceu: era Veronika, parecendo uma mulher tão diferente daquela com quem viajara até ali e que se sentara ao lado de Morena no jantar.
Aproximou-se sem pensar duas vezes, percebendo que ela gargalhava enquanto servia duas taças de espumante. Aleksey a acompanhou com o olhar e reparou que, ao contrário do que esperava, quem ria com ela e aceitara a taça não era Milana, a esposa de Veronika, e sim Ivan. Aleksey parou abruptamente, uma lufada de areia entrando no sapato, e considerou dar meia volta, mas Veronika já o vira. Ela acenou para Aleksey animada e voltou para a mesa, servindo mais uma taça e oferecendo para ele, que se aproximou e aceitou com um sorriso, tentando não olhar para Ivan enquanto trocava palavras amenas com a mulher. Tentando desesperadamente fingir que não conseguia sentir o peso do olhar de Ivan sobre ele.
— Ai, que bom que você não foi caçar também! — exclamou Veronika, puxando-o para que ele se sentasse na espreguiçadeira à esquerda da sua. Ela riu, tomando um gole do espumante. — Eu já estava achando que ia ficar só, mas ainda bem que vocês dois estão aqui para me salvar.
— Eu nunca te deixaria sozinha num Dia Sem Supervisão, Veronika — falou Ivan e a mulher riu novamente, esticando a taça para brindar com ele.
Depois, ela se virou para Aleksey, baixando o tom de voz em sinal de confidência:
— Todas as vezes que as nossas esposas estão ocupadas com algo da Corte, a gente se junta e causa a maior quantidade de confusão possível. Da última vez, a gente foi até o Mosteiro Smolenskaya para comprar vinho e fomos gentilmente convidados a nos retirar quando perceberam que Ivan estava roubando um cachorro.
— Em minha defesa, o cachorro me seguiu. — Ivan cruzou os braços e fez um biquinho. Veronika gargalhou. — Eu não fui até lá planejando cometer um crime.
Aleksey engoliu em seco, desviando o olhar de Ivan e bebendo mais. Sentiu um nó esquisito no peito e a garganta seca e optou por mudar de assunto.
— Ah, então a Condessa Zotov foi acompanhar a caçada? — perguntou Aleksey e Veronika olhou para ele com a testa franzida, como se as palavras fossem absurdas. Aleksey ofereceu uma explicação para ajudá-la: — A sua esposa?
— Ah, sim. — Ela pareceu desconcertada, passando uma mão no cabelo para arrumá-lo, como se lembrasse onde e com quem estava. — Ela tem alguns assuntos para discutir a respeito de… alguma coisa. Um cargo para um primo?
— Que as santas abençoem os primos, porque sem eles não teríamos funcionários nenhum no governo — Aleksey observou e Ivan gargalhou.
A risada do outro homem o atingiu como um raio, fazendo-o se arrepiar e trazendo consigo a memória da respiração quente de Ivan próxima, os toques furtivos que roubava quando estudavam juntos e tempos dos quais ele definitivamente não precisava se lembrar.
Veronika demorou um pouco mais para entender a piada, franzindo ainda mais a testa. Aleksey desviou o olhar para a própria taça, precisando de cada gota da sua força de vontade para não se virar para a espreguiçadeira do outro lado de Veronika, onde Ivan estava recostado.
— Você vai se acostumar — ele consolou. — Os cargos na nobreza não são distribuídos com candidaturas e votações, muito menos perguntando às pessoas quem elas querem ver administrando as coisas, como no Sovet.
— Bem, isso explica muita coisa — brincou ela, levantando as sobrancelhas, tomando um gole do champanhe. — Mas eu agradeço às santas pelos primos porque sem eles eu não estaria nem casada.
— Já que você falou nisso, eu sempre me perguntei como foi que você foi parar… — Ivan falou, gesticulando amplamente para tudo ao redor deles, a taça de champanhe quase vazia em uma das suas mãos. — Sabe.
[Continua na Parte 2]
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