[Continuação da Parte 1]
Aleksey finalmente teve coragem de olhar diretamente para Ivan e o viu passando uma mão pelo cabelo, claramente se divertindo, os lábios ligeiramente curvados para cima, mais bonito do que nunca, mais bonito do que qualquer outro homem que Aleksey já vira. Na claridade da manhã, o cabelo de Ivan reluzia, escuro como a noite, na testa, bagunçado de forma pouco característica, como se alguém tivesse passado a mão nele várias vezes. Como se Morena tivesse passado os dedos pelos fios várias vezes. O perfil do homem se desenhava como uma obra de arte contra o azul do mar na distância, a língua umedecendo os lábios rosados. Aleksey não sabia dizer se era por causa do tempo que não o via assim de perto, mas algo estava diferente em Ivan, como se os meses só tivessem apurado ainda mais sua aparência, e isso se acentuava quando havia um sorriso desenhado em seu rosto. Havia uma aura de tranquilidade ao redor dele, de segurança, como se carregasse todas as respostas do mundo consigo e pudesse resolver todos os problemas já propostos pela humanidade. Ele prestava atenção à mulher entre os dois com intensidade, parecendo genuinamente se interessar, e Aleksey não se lembrava de tê-lo visto assim com pessoas que não fossem ele ou Morena, nem fora de casa, muito menos na Azote, onde sempre tinha uma postura retraída.
Aleksey tomou mais champanhe, sentindo a garganta seca.
— Ah, foi uma confusão, como tudo que envolve Mila, sinceramente — explicou Veronika, olhando para Ivan e depois para Aleksey, que desviou o olhar. — O primo dela teve um acidente de carruagem em Samarka, onde eu estava trabalhando como parteira e aparentemente eu era a única com treinamento de Vetora em um raio de quilômetros! Então bateram na minha porta, arrastando um homem com metade de um osso para fora da perna, urrando mais do que uma pessoa parindo, e eu não tive escolha.
— E então você viu Milana e se apaixonou imediatamente? — perguntou Ivan e Veronika gargalhou.
— Sabe, de todas as coisas que já pensei de Ivan Irinin, nunca imaginei que ele seria um romântico incorrigível — comentou ela, se inclinando na direção de Aleksey, fazendo Ivan rir alto com a observação.
Aleksey voltou a sentir a pontada daquele sentimento que ele não sabia nem nomear e tentou rir, mas não conseguiu emitir mais do que um som patético.
— Também nunca achei que fosse ouvir ele gargalhando, mas cá estamos. A vida tem muitas reviravoltas inesperadas, não acha? — Veronika apoiou uma mão no braço de Aleksey e ofereceu um prato com alguns biscoitos salgados, com um olhar incisivo que não dava margem para Aleksey recusar. Então, se virou para Ivan e continuou: — Mas não, não foi o caso, Ivan. Eu precisei amputar uma perna. A última coisa que passou pela minha mente naquele dia foi ver quem mais estava na sala.
— Ah, então foi Milana que se apaixonou no mesmo instante — concluiu Ivan e Veronika revirou os olhos, mas o sorriso se suavizou.
Aleksey engoliu em seco, e se levantou para servir mais champanhe e impedir que o sentimento o assolasse. Ivan o acompanhou, esticando a taça para Aleksey servi-lo também, mas sem desviar o olhar da mulher que contava a história. Aleksey se sentiu extremamente ofendido com aquilo, mas mesmo assim o serviu em silêncio enquanto Veronika continuava a falar. Talvez fosse aquilo que merecesse mesmo, depois do que fizera com Morena. Indiferença e desinteresse, como se ele fosse irrelevante e minúsculo, indigno de mesmo um segundo que fosse da atenção de Ivan.
— Aí você vai ter que perguntar para ela porque eu não sei. O que sei é que no dia seguinte, eu não tinha dormido nem três horas porque no meio da noite o parto que eu estava esperando para aquela semana começou e eu fiquei… muitas horas ocupada com isso. — Veronika se endireitou e cruzou as pernas, um sorriso lentamente se formando enquanto ela relembrava. — E quando voltei para casa, exausta, ainda com sangue embaixo das unhas que não havia conseguido tirar e provavelmente pedaço de placenta no cabelo, Milana estava sentada na porta com uma cesta de piquenique, como um cachorro que espera o dono voltar para casa, a bichinha.
A afeição na voz de Veronika era óbvia e ela passou a mão no cabelo, ligeiramente constrangida em perceber a própria reação.
— Acho que sei exatamente do que você está falando — comentou Ivan, se divertindo. — É a expressão que ela faz quando olha para você e você não está olhando de volta.
— Quando ela acha que eu não estou olhando — corrigiu Veronika, levantando um dedo, e Ivan riu mais uma vez. Ela bebeu outro gole do champanhe antes de continuar: — Eu sei que parece que antes dela eu nunca tinha recebido gratidão na forma de comida, mas de algum jeito, foi diferente. Ela estava lá, me esperando com uma cesta cheia de coisas que eu podia comer, e quando viu que eu estava exausta, não hesitou em se oferecer para me ajudar. Para esquentar a comida e levá-la até onde eu estava, limpar minha casa e arrumar as coisas porque eu estava cansada. E acho que foi em algum momento depois disso, depois do quarto dia em que ela aparecera para me ajudar apenas porque gostava de estar ao meu lado e facilitar as coisas para mim, que percebi que, na minha vida toda, sou eu que cuido das pessoas, sou eu que me preocupo e antecipo as necessidades delas. E ninguém nunca tinha feito isso por mim antes dela.
— Eu entendo — Ivan falou com uma suavidade que fez o estômago de Aleksey se revirar. — Eu sinto que Morena seria assim também se…
— Se você não tivesse conhecido ela acidentalmente quando vocês eram fetos e você tivesse jurado dedicar sua vida inteira a cuidar dela? — Veronika falou em um tom de chacota e Ivan gargalhou novamente, recostando-se na espreguiçadeira.
— Por aí — ele respondeu com humor, fechando os olhos para aproveitar os raios de sol que começavam a invadir a tenda do lado em que ele estava, e Aleksey finalmente compreendeu o que estava sentindo.
Ciúmes. Um sentimento feio que subia por sua garganta como hera venenosa, arranhando e apertando o peito. Não era algo que achava que era capaz de sentir, mas ver Ivan ali, tão descontraído, tão confortável, rindo das brincadeiras de outra pessoa, sendo zoado por alguém que não era ele, sendo amigo de alguém que Aleksey mal conhecia… Era como se de repente ficasse óbvio como Aleksey não fazia mais parte da vida dele, como não sabia mais nada sobre ele — como ele ficara amigo de Veronika? Como aquela intimidade surgira? Morena sabia disso? Por que ele estava agindo como a pessoa que Aleksey sempre achara que era só dele, só de Morena, só de Tamara — só da família —, na frente de metade da corte, rindo e bebendo e fofocando como se não houvesse amanhã?
Era óbvio como Aleksey não tinha mais espaço na vida de Ivan.
Tudo por escolha própria.
— Morena foi para a caçada? — perguntou Aleksey, sentindo como se estivesse se afogando, desesperado para mudar de assunto, para pensar em qualquer outra coisa.
— Sim. — Ivan suspirou pesadamente, finalmente dirigindo a palavra a ele. — A baronesa Obolesnky está interessada em abrir uma ferrovia em Kuste e contratar Alquimistas de Mièdz para iniciar uma fábrica lá, e deu a entender que elas conversariam a respeito dos termos hoje.
— A baronesa Obolensky? — Aleksey ficou surpreso. — Eu achei que ela tinha perdido todo o dinheiro dela no jogo.
— Sim, mas Morena não pode negar de cara, pode? — falou Ivan, se levantando para encher a taça novamente. Era o quê? A terceira? A quarta desde que Aleksey chegara ali? O que estava acontecendo? Ele nunca vira Ivan beber mais do que duas taças de vinho. Quem era aquele homem e o que ele fizera com Ivan? — Eu duvido que ela tenha qualquer coisa que nos interesse, tem gente demais na fila para aceitarmos essa proposta. Mas falar isso seria um “nooossa, a Princesa de Mièdz é uma grossa que se acha” e sei lá mais o quê.
Ivan revirou os olhos e Aleksey sorriu, virando a própria taça. Ou ele estava prestes a morrer de um problema cardíaco ou estava em uma alucinação. Essas eram as únicas opções para explicar o aperto no seu peito. Desde que chegara ali, era como se tudo fosse um sonho, irreal, fruto de sua imaginação. Ivan encheu a taça de Aleksey sem que ele pedisse, e Aleksey ergueu os olhos para observá-lo, sentindo a respiração presa na garganta. Não conseguiu impedir sua mente de pensar em como Ivan ficava ainda mais bonito naquele ângulo, como se Aleksey estivesse ajoelhado aos seus pés, pronto para mostrar a melhor de suas habilidades. Sentiu as bochechas ficarem vermelhas com o pensamento e Ivan lhe lançou uma piscadela antes de se virar e se sentar.
Aleksey virou a taça de champagne sem nem sentir o gosto.
Se as coisas continuassem daquele jeito, ele estaria virando direto da garrafa até o fim do dia.
Veronika gargalhou, completamente alheia.
— Imagina que saco, ter que ir para um evento que você odeia e que consiste em fazer algo que é literalmente contra a sua religião, como caçar por esporte só para não deixar a fulaninha de não sei onde chateada com você — comentou ela e Ivan deu de ombros.
— Você vai acabar fazendo muito isso, infelizmente — disse ele para a mulher. — Depois você se acostuma.
— Você começa a achar pequenas coisas para aproveitar. Eu, por exemplo, aprecio muito bem uma boa safra de bebida — disse Aleksey, servindo-se de uma garrafa nova de champanhe e passando-a para Veronika.
— Morena gosta de dançar — ofereceu Ivan como exemplo, e se ele tivesse quebrado uma garrafa de champanhe na cabeça de Aleksey doeria menos.
Aleksey sabia muito bem — era ele que dançava com Morena em todas as festas, em todos os bailes, em todas as oportunidades que apareciam. Ainda se lembrava da última dança que dividiram como se tivesse acontecido ontem, uma extravagância deliciosa durante a prova de titulação de Morena em que ele se esforçara mais do que podia só para fazer um espetáculo. Só para poder ouvi-la gargalhar de deleite e para tê-la em seus braços pelo menos por alguns instantes. Ele olhou para as próprias mãos, toda a confusão dos meses que se passaram desde aquele dia borbulhando no peito como se estivessem prestes a explodir.
— Ela ama, na verdade — continuou Ivan, sem saber o que se passava na mente de Aleksey, a ternura com uma pontinha de frustração dominando sua voz. — É a única coisa que faz essas festas valerem para ela, é uma pena que eu só saiba dançar valsa. A gente até tentou outras, mas eu não tenho coordenação motora nenhuma para isso.
— Não ter coordenação motora nenhuma é até um elogio, Ivan — disse Aleksey , um pouco mais ácido do que esperava, e sentiu um gosto amargo na boca. — Você pode até ter se esquecido, mas está gravado na minha mente a quantidade de vezes que você pisou no meu pé. — Ele tentou retomar o tom de brincadeira e Ivan emitiu um ruído de falso ultraje. — Foi tão ruim assim, sim. Você não ter derrubado Morena no meio da dança no casamento é só uma prova das minhas exímias habilidades como professor.
— Eu ofereci para você dançar no meu lugar, mas você não quis — relembrou Ivan.
Aleksey se inclinou para frente para poder olhar melhor para o outro homem e explicou:
— Eu não ia dançar a primeira dança de casado com a sua esposa no seu lugar, Ivan.
— Você que se ofereceu para me ensinar — retrucou Ivan, em um tom de descrença.
— Depois que você veio quase chorando achando que Morena ia te deixar só porque você não sabia dançar.
— Ah, sim, porque de todas as pessoas do mundo, você é a mais apropriada para me zoar por fazer merda a troco de nada — falou Ivan com sarcasmo, arregalando os olhos logo depois que percebeu que falara aquilo em voz alta.
A tenda ficou recaiu em um silêncio mortal, e Veronika se levantou, claramente constrangida. Aleksey não conseguia encontrar palavras para responder, nem ter qualquer pensamento coerente, perdido num turbilhão de vergonha, indignação e raiva. Não era a troco de nada. Ele destruíra o dia que era para ser o melhor dia da vida de Morena só por ter estado perto dela. Será que Ivan se esquecera aquilo? Será que Ivan não percebera que a vida deles estava muito melhor e mais tranquila agora que ele estava bem longe, que não havia chance alguma de Yakov machucá-los? Será que ele não via que tudo tinha funcionado? Aleksey estava sofrendo sozinho, mas não era nada comparado ao que sofreria caso qualquer coisa acontecesse com Morena e Ivan.
— Eu lembrei que prometi resolver uma coisa para Mila na nossa cabana e… — começou Veronika, mas Ivan se levantou antes que ela pudesse terminar, deixando a taça em cima da mesa com certa irritação.
— Não se preocupe, não precisa inventar nenhuma desculpa. Eu prometi fazer um colar de conchas para Tamara, vou recolher o material e voltar para a minha cabana — disse ele, procurando a cigarreira no bolso. — Foi muito bom passar parte do nosso Dia Sem Supervisão com você, Veronika. Me chame de novo na próxima.
Veronika e Aleksey ficaram observando enquanto Ivan se afastava na areia e acendia um cigarro. Aleksey ainda estava tremendo, tentando recuperar o mínimo de dignidade antes de também se levantar e ir embora. Porém, Veronika pegou um cacho de uvas da cesta de frutas e se sentou na espreguiçadeira novamente.
— Eu… — Aleksey começou, sem saber o que dizer.
— Shh, só come a uva — disse ela, entregando um cacho menor para ele. — Não quero você vomitando e chorando depois de beber demais, ainda tenho responsabilidade médica.
Aleksey obedeceu, usando o tempo para se recompor.
— Eu sinto muito por ter fodido tudo — ele se desculpou, passando os dedos pelo cabelo.
— Você sente muito por ter fodido o dia de hoje ou sua vida no geral?
Aleksey soltou uma gargalhada e quando se deu por si, estava chorando e pedindo desculpas nos braços de Veronika.
De todas as estratégias possíveis para ser visto, aquela estava bem longe de ser a ideal.
Continua…
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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais Edição: Laura Pohl e Val Alves Preparação: Laura Pohl Revisão: Bárbara Morais e Val Alves Diagramação: Val Alves Título tipografado: Vitor Castrillo
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