Ivan arregalou os olhos, surpreso em como parecera fácil. Estava acostumado às batalhas que travavam de brincadeira, aos desafios de Aleksey e em sua insistência de nunca admitir que Ivan estava certo. Os sentimentos eram conflitantes: um pouco de alívio em não precisar insistir naquele assunto específico, mas acompanhado de um leve vazio que vinha da facilidade com a qual ele aceitara tudo.
— Eu conversei com Veronika e estava pensando no assunto antes de você chegar — confessou Aleksey, como se tivesse lido a mente de Ivan, como se soubesse que ele precisaria da explicação para a resposta rápida.
— Ah, ela é excelente, não é? É incrível como ela consegue ser um poço de calma, não importa o tamanho do caos da situação, mas acho que é o mínimo para alguém que trabalha fazendo partos — disse Ivan, apoiando uma mão nos joelhos e o queixo na mão, e deu um sorriso forçado. — Ela tem nos ajudado muito. Anteontem, por exemplo, Morena chorou por… algum tempo no colo dela. Acho que ajudou conversar com alguém que estava do lado de fora da situação.
— Morena… chorou? — Aleksey falou, surpreso e Ivan riu, amargo.
— Aleksey, você não pode fazer o que fez naquele jantar e achar que ela ficaria bem depois. Nada do que você fez nos últimos meses deixou ela bem. Aquele dia da prova foi só a primeira vez que ela chorou por você.
Aleksey abaixou os olhos, pensativo, visivelmente desconfortável. Por fim, tentando disfarçar o espanto na voz com um leve tom de troça, ele disse:
— E você ainda está aqui falando comigo tranquilamente, depois do que aconteceu? Eu achei que você não deixava ninguém fazer sua esposa chorar.
— É diferente quando é você. — Ivan balançou a cabeça e viu o momento em que suas palavras desarmaram Aleksey. Ele se virou para encará-lo diretamente antes de continuar: — Eu não sou uma extensão dela e ela não é uma extensão de mim. Não sou eu que preciso resolver o que você fez com ela, isso é responsabilidade sua. Eu só posso consolá-la e ouvi-la, assim como eu posso te consolar e te ouvir. Se você deixar.
Aleksey ficou sem palavras por um longo momento, brincando com um fiapo da própria roupa com a testa franzida, mordiscando a parte de dentro da bochecha enquanto ponderava uma resposta. Ivan esperou pacientemente, brincando com os próprios anéis para conter a vontade de esticar a mão e envolver a de Aleksey .
— É mais complicado do que parece — Aleksey finalmente falou. — Eu não acho que eu consiga… — Ele balançou a cabeça e abaixou a voz até um tom quase inaudível: — Nada disso. Não agora, depois de ficar tanto tempo longe de vocês. Eu desacostumei.
— Nada do quê, Aleksey? — Ivan se inclinou na direção dele.
— A nossa amizade — Ele levantou os olhos para encarar os de Ivan. — Eu iria estragar tudo.
Ivan umedeceu os lábios, franzindo a testa, sem fazer ideia de como ele chegara àquela conclusão. Tirando tudo o que Aleksey já fizera, não conseguia imaginar outra coisa que pudesse abalar a relação que os três tinham.
— Por que você não merece? — ele tentou adivinhar, usando o tom mais compreensivo que conseguia.
— Não, Ivan. É porque eu não aguentaria ficar perto de vocês. É porque na próxima vez que você me carregasse para a sua cama, dormir seria a última coisa que eu teria em mente.
Lentamente, Ivan sentiu o rosto se abrir em um sorriso, o sentido das palavras de Aleksey assentando entre os dois. Ele amava o prazer de estar certo, aquela empolgação que vinha quando descobria que suas hipóteses eram confirmadas pela realidade e, quando se tratava de Aleksey, a satisfação vinha em dobro. Morena poderia até negar quando ele apontava, mas para ele era observável que pelo menos um pouco da atração que ele e a esposa sentiam por Aleksey era recíproca — e aquela confissão dos lábios de Aleksey estava longe de ser a forma que imaginara descobrir aquilo.
Ainda assim, ele estava certo. Ainda assim, era delicioso ouvir aquilo.
Porém, qual seria a diversão se ele não provocasse só um pouquinho, se não forçasse Aleksey a falar com todas as palavras o que queria dizer?
— Ah, então você gostaria que a gente jogasse baralho a noite inteira? — Ivan sugeriu, abaixando um pouco o tom de voz e se aproximando de Aleksey até conseguir sentir o calor que ele irradiava.
Aleksey ficou adoravelmente vermelho, mas em vez de se afastar, se inclinou mais na direção de Ivan, provavelmente sem nem perceber, deixando-os com os rostos a centímetros de distância.
— Você sabe que não é isso, não se faça de desentendido — murmurou Aleksey. — Eu não quero destruir seu casamento nem forçar algo que não tem nada a ver.
— Humm, então deixa ver se eu entendi. — Ivan tirou os fios de cabelo de Aleksey que caiam no seu rosto, desta vez, deliberadamente. O toque lento roçou suavemente na orelha de Aleksey e Ivan sentiu que ele estava prendendo a respiração. — Então você quer que eu te foda?
— Ah… eu… — Aleksey balbuciou, adoravelmente desconcertado, uma veia do pescoço subitamente sobressaltada.
— Ou você quer foder minha esposa enquanto eu fico olhando? — sugeriu Ivan, abaixando mais a voz, descendo um dedo pelo da orelha de Aleksey até o queixo, sentindo o pelo áspero da barba contra a pele sensível. — Ou, talvez, você queira que ela faça as honras?
— Eu nem sabia que essa era uma opção até esse momento — murmurou Aleksey com a voz rouca, completamente atordoado, a respiração curta e as bochechas avermelhadas.
— Ah, é muito uma opção. Você devia ver como ela fica bonita quando…
— Ivan! — Aleksey interrompeu, erguendo as mãos e se desvencilhando do toque de Ivan. Havia uma fina camada de suor na testa dele, e ele umedeceu os lábios mais uma vez, engolindo em seco. Havia certa graça em vê-lo assim tão desconcertado. — Eu não estou brincando! Tenho medo do que Yakov pode fazer com vocês, mas eu tenho mais medo do que eu quero fazer com vocês.
— Ah, Aleksey — suspirou Ivan, balançando a cabeça, cansado. Parecia que tudo que dizia para Aleksey entrava por um ouvido e saía pelo outro. — Eu também não estou brincando. Acho que não fui claro o suficiente até agora, então me permita dizer com todas as palavras: eu quero você na minha vida. Na nossa vida, minha e de Morena, e eu sei que ela também quer. Não importa o jeito, não importa a maneira que você prefere chamar. A gente quer saber que você está bem, quer ouvir suas histórias, quer ter você por perto. Morena sente falta de acordar no meio da tarde com você dormindo no colo dela, eu sinto falta de conversar até de madrugada sobre tudo e nada ao mesmo tempo. A gente quer te manter a salvo. A gente quer te amar como você merece, Aleksey. — Ivan remexia nos anéis nas mãos, ligeiramente frustrado. — Mas se você não quiser nada disso, podemos aceitar isso. A gente entende. Morena já está tentando ao máximo se manter longe de você justamente porque ela não quer ultrapassar os limites difusos que você não deu. Eu só tenho um último pedido, se for para ser assim. Por favor, não ignore Morena, é muito pior para ela assim. Não precisa mais do que um "bom dia" e uma "boa tarde", só não fique fingindo que não a conhece. É a única coisa que eu peço.
Aleksey o encarava com os olhos arregalados e abriu e fechou a boca algumas vezes, ainda em completo silêncio, ajoelhado naquele chão, incapaz de olhar nos olhos de Ivan ou de dizer que sim, iria fazer aquela única coisa, aquela coisa minúscula que mudaria tudo para Morena.
Ivan sentiu a irritação subir novamente pela garganta e decidiu que não esperaria por uma resposta que já sabia que viria, assim que Aleksey se afastara do toque dele. É complicado. Tudo era complicado, para Aleksey, quando podia ser tão simples quanto ele, Ivan e Morena, juntos, se ele apenas conseguisse parar de se debater um segundo e prestasse atenção aos arredores. E Ivan tivera a prova que precisava de que não faria diferença alguma, porque Aleksey daria um jeito de diminuir tudo o que fizesse ou falasse até que tudo se tornasse insignificante. A única coisa que o consolava era que pelo menos falara o que estava entalado em seu peito nos últimos meses, nos últimos anos. Pelo menos tentara, mas não podia fazer mais nada. No fim de tudo, o poder sempre estivera nas mãos de Aleksey.
Ivan se levantou, mas Aleksey o segurou pelo pulso, os olhos brilhando de uma forma esquisita.
— Ivan, eu…
Só que ele não conseguiu terminar, porque a porta da cabana se abriu e o infeliz do Poroshenko entrou no cômodo com passos largos, carregando uma cesta cheia de frutas, dizendo:
— Alex, você perdeu! As árvores estavam carregadas de frutas madurinhas, madurinhas, e eu achei que você gostaria de algumas. As mangas estão especialmente boas, são nativas daqui.
Foi só quando colocou a cesta de frutas em cima da cômoda que pareceu perceber que Aleksey estava de joelhos no chão, segurando a mão de Ivan, que estava de pé, e franziu a testa.
— Estou atrapalhando alguma coisa?
— Não, eu estava de saída — disse Ivan, se desvencilhando de Aleksey. Ele se virou para Poroshenko e perguntou: — A caçada foi boa?
— Para mim, foi — Poroshenko falou com humor. — Mas eles não conseguiram pegar nada.
— Então foi excelente — respondeu Ivan, acenando com a cabeça em um cumprimento curto e se dirigindo até a porta. Hesitou um instante antes de sair e se virou, vendo que Aleksey ainda estava no mesmo lugar, com uma expressão atormentada. — Você sabe onde eu estou, Aleksey, se precisar de qualquer coisa. A qualquer hora, a porta estará aberta.
E a única coisa que Ivan poderia fazer era esperar que Aleksey entendesse aquele recado.
Continua…
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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais Edição: Laura Pohl e Val Alves Preparação: Laura Pohl Revisão: Bárbara Morais e Val Alves Diagramação: Val Alves Título tipografado: Vitor Castrillo
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