[Continuação da Parte 1]
Agora que ela dissera… era óbvio, não era? O pai do Imperador era um dos tios-avós de Aleksey e fora um dos líderes da conspiração contra a Coroa que mandara quase todos os membros da família Barabash para a forca vinte anos atrás.
Bem, aparentemente além da mãe de Aleksey e do tio, também sobrara um primo.
— Bem, ele não deveria nem ter se tornado Imperador, não depois daquela bagunça. Mas ele é tão…— Nadya fez uma pausa, buscando pela palavra mais adequada, mordendo os lábios.— …limitado que ninguém nunca considerou que fosse um perigo. Só não contavam que o homem tivesse a sorte de se casar com a mulher mais inteligente de todo o Império e, de quebra, ainda chamar a atenção do homem mais escorregadio de Argon. Se não fosse por mim, Carina e Yakov, sinceramente, este país estaria relegado ao mais completo caos.
— Ah, e a Imperadora não tem nada a ver com isso? São só vocês que governam o país? — Morena comentou com uma mistura de humor e ultraje.
— Ela não estaria preocupada em fornecer a educação de magia para plebeus ou em melhorar produtividade das plantações ou qualquer outra dessas demandas ridículas do seu Conselho se estivéssemos em guerra. Pense nisso.
Nadya fez um gesto de que tudo aquilo era bobagem e Morena rangeu os dentes e se afastou, soltando o braço que ainda segurava. As duas continuavam andando lado a lado, e a esposa de Yakov ergueu as sobrancelhas, se divertindo com a reação antes de prosseguir com toda desfaçatez:
— Mas nada disso é importante, não é mesmo? O que importa para nossa conversa é que Yakov é sentimental demais e não consegue fazer o que precisa ser feito. Aleksey só está vivo porque Yakov permitiu isso.
— Que curioso — disse Morena, lambendo os lábios. — Porque Yakov só está vivo porque Aleksey permitiu isso.
Nadya gargalhou, deleitando-se com a resposta.
— Eu sabia que você ia me entender. Consegue enxergar onde você entra nessa equação, não?
— Você quer que eu te ajude a se tornar uma Princesa? — Morena falou em descrença, numa quase gargalhada.
— Me escute um minuto e veja se a proposta te agrada. Caso contrário, seguimos cada uma para o seu canto.
Já imaginava qual seria sua resposta, mas queria saber o que ela sugeriria, tanto por curiosidade quanto por precaução. Talvez assim conseguisse entender melhor que tipo de ameaça essa mulher representava, porque era incapaz de decifrá-la até o momento. Certamente ela não sugeriria Morena matar Aleksey, porque sabia que receberia um sonoro “não”, mas era incapaz de imaginar qual seria sua outra proposta.
— Você sabe, meu casamento com Yakov é extremamente bem-sucedido. Algumas pessoas têm essa visão de que o casamento precisa ter um monte de requisitos, coisas como paixão, amor e dedicação, mas nada disso é verdade. Nada disso segura um casamento. — Ela lançou um olhar condescendente para Morena, para deixar claro o que achava da escolha que fizera. — O que segura um casamento são objetivos compartilhados e a união entre as pessoas que fazem parte desse laço para alcançar esses objetivos, de forma incondicional. Eu e Yakov temos desejos muito parecidos para as nossas vidas e, mesmo que eu não sinta paixão alguma por homens e ele não tenha paixão alguma por mulheres, nós funcionamos bem. Somos um time, uma parceria inabalável.
— Minha ajuda requer escutar todas as suas confissões? — Morena questionou e Nadya parou, voltando a pegar no braço dela, e dessa vez, não pareceu que deixaria Morena se desvencilhar facilmente.
Estavam longe o suficiente do resto das pessoas para que ninguém as visse, mas perto o bastante para conseguir ouvir o burburinho do grupo de caça à distância, as árvores um pouco mais densas a essa distância da trilha que seguiam.
— Não, eu quero que você entenda que o que você compartilha com o seu marido não funciona da mesma forma — disse Nadya, virando-se para encará-la. — Eu consigo ver direitinho como tudo vai acontecer. Ivan Irinin nasceu para ser Alquimista, não para viver na Corte e ser a parceria que você precisa. Ele está sempre a um projeto de distância de largar tudo e voltar para a Azote, onde pode fazer o que gosta. Isso daqui não é o habitat natural dele. Vocês podem até ter objetivos em comum quando se trata de Alquimia, mas mais importante do que isso, na parte que é a diferença entre a vida e a morte quando se trata da Corte, não. Ele é carismático e sabe se portar, é claro. Um homem com a linhagem dele não poderia ser diferente, mas ele não pertence a este lugar. É só questão de tempo até ele te deixar.
— Você nunca sequer conversou com ele, Nadya, não tem como saber nada disso — retrucou Morena, desvencilhando-se, mas sem conseguir apoio para ir mais adiante.
Ela recuou até bater as costas contra uma árvore alta de tronco largo, a superfície irregular da madeira pressionando contra o tecido fino de algodão da blusa, e Nadya colocou os braços um de cada lado da cabeça dela, encurralando-a.
— Aleksey, por outro lado, é perfeito para você — disse a outra mulher, ignorando o que fora dito. — Ele é sua metade perfeita, com os mesmos objetivos na Alquimia e na política, e, se as coisas tivessem saído conforme eu planejava, ele estaria casado com você há anos, deixando o caminho livre para Yakov e eu. Não é tarde demais para isso, você ainda não tem nenhuma herdeira. Pode evitar completamente o sofrimento de ser abandonada por seu marido e facilitar as coisas. Nós podemos agilizar tudo para ambos os trâmites, o divórcio e o novo casamento. Você sequer precisa se livrar de Ivan, eu sei que na sua religião há aquele tipo de casamento em que mais de duas pessoas se unem… Só não aconteceria legalmente, mas não faria diferença alguma na prática. Ele poderia voltar para a Azote, continuar sua pesquisa, esporadicamente encontrando com você e Aleksey. Todo mundo seria mais feliz assim.
Morena piscou algumas vezes, atordoada ao encarar a mulher à sua frente que falava tudo aquilo com voz baixa e tranquila. Ela própria já havia cogitado um cenário como aquele, em uma outra vida em que ela se aproximara de Aleksey antes de Ivan, em que escolhera se casar com ele, mas ainda tendo Ivan em sua vida. Já imaginara também uma vida em que Aleksey e Ivan estavam casados e ela era parte da vida deles. Nenhum dos cenários a desagradava, nenhum parecia terrível. Para ela, o importante é que estivessem juntos; a configuração não fazia diferença.
O absurdo não estava naquele arranjo, e sim em Nadya presumir que conhecia os três o suficiente para saber o que era melhor para eles. Estava na acusação infundada de que Ivan a deixaria, na forma como tratava Aleksey como uma criança incapaz de tomar decisões por conta própria.
— Se você acha que Aleksey abriria mão do título para Yakov em qualquer circunstância, você definitivamente não o conhece — vociferou ela em resposta e Nadya abriu um sorriso resplandecente.
— Mas vocês têm exatamente o mesmo objetivo final! — Ela fez um biquinho de frustração. — Vocês três, na verdade, e acho que conseguiriam convencê-lo se for para alcançar isso. Para mim, é a melhor alternativa, e Aleksey poderia sair sem nenhum arranhão dessa confusão.
Morena sentiu a raiva subir pela garganta com a ameaça velada e finalmente aproveitou o susto para inverter a posição delas, segurando a mão de Nadya contra o tronco da árvore acima da cabeça dela. Ela se debateu no lugar e Morena prendeu a outra, a cada segundo mais furiosa. A audácia daquela mulherzinha era inacreditável.
— Você não está entendendo, Nadezhda — sibilou Morena entre dentes. — Eu acho que você deve se achar brilhante, sendo tão responsável pela ordem em nosso país quanto diz ser, mas essa é a ideia mais absurda que eu já ouvi na minha vida. Você não me conhece, não conhece Ivan, tampouco conhece Aleksey. Eu não sei o que te fez pensar que meu marido me deixaria por um projeto de Alquimia qualquer, muito menos o que te fez imaginar que talvez eu considerasse me divorciar dele por uma ameaça boba como essa que acabou de fazer ou, pior ainda, o que te fez considerar por um sequer um minuto que Aleksey toparia qualquer etapa desse plano maluco… Nada disso é remotamente possível. Então, posso oferecer uma alternativa.
O peito de Nadya subia e descia, arfando, e ela estava com os olhos arregalados, as pupilas dilatadas. Morena não sabia dizer se o que ela sentia era medo e a outra mulher umedeceu os lábios vermelhos, abaixando o olhar para os lábios de Morena. Subitamente, estava ciente da proximidade entre as duas, a forma como a coxa dela estava entre as pernas de Nadya, prendendo-a no lugar, os poucos centímetros que separavam os seus corpos. Suas bochechas arderam, mas não se deixaria abalar por uma mulher bonita. Ela tinha força de vontade o suficiente para aquilo.
— Me diga então qual é, meu amor — disse Nadya num tom doce, dissimulado, completamente ciente do efeito que tinha causado em Morena. — Porque do jeito que eu vejo, só tem duas formas disso acabar, e você não gostaria de nenhuma delas.
— Do jeito que eu vejo, existem três formas disso acabar, e você não gostaria de nenhuma delas — retrucou Morena e Nadya deu um meio sorriso, parecendo se deliciar a cada segundo de interação. — A primeira é você se separar de Yakov e se casar com o Príncipe Sokolov.
— Ele tem sessenta anos e absolutamente ninguém o aguentou o suficiente para considerar casamento com ele! — disse Nadya com ultraje.
— A outra é você se contentar com o que tem agora e deixar Aleksey em paz — continuou Morena. — Para a última, você precisa lembrar de que Aleksey pode ser sentimental e não querer dar cabo de Yakov, mas você não tem o sangue dele, Nadya. Você não é nada para ele além de uma pedra no sapato. E toda vez que você considerar incomodá-lo nem que seja um milímetro, jogar qualquer joguinho como aquele que fez no jantar do primeiro dia, machucá-lo de qualquer forma, lembre-se que Mièdz é conhecida pelos pântanos venenosos que conseguem dissolver um homem adulto dentro de minutos.
— Você está me ameaçando, Princesa Górski? — perguntou Nadya com humor na voz.
— Estou apenas te lembrando gentilmente fatos que pode ter esquecido e que serei grata de relembrar a você sempre que precisar. Tudo depende do que fizer.
— Quanta gentileza! Estou até emocionada com essa consideração.
— Pois bem, espero que estejamos entendidas — disse Morena e soltou Nadya, com brusquidão. — Se eu souber que fez qualquer coisa com Aleksey, voltaremos a conversar. E da próxima vez, eu não vou ser tão gentil quanto agora.
Com a respiração afetada, Morena se virou para deixar Nadya para trás, irritada por ter dado trela para uma conversa tão sem pé nem cabeça. Ao menos conseguira intimidá-la um pouco, e esperava que pensasse duas vezes antes de falar com Aleksey no futuro. Quando ela se afastara mais um pouco, Nadya a chamou novamente:
— Morena?
Ela não disse nada, até Morena se virar, os punhos cerrados. Então, deu um sorrisinho.
— Eu não queria me intrometer, mas acho que talvez você devesse perguntar ao seu marido sobre o projeto de pesquisa patrocinado pelo Imperador, do qual ele atualmente faz parte. Imagino que esse não seja um projeto de Alquimia qualquer.
De todas as coisas que foram ditas naquele dia, foram aquelas palavras que acompanharam Morena durante todo o trajeto de volta até a cabana, perseguindo-a até durante o banho. Percebera tarde demais que a proposta anterior fora apenas um joguinho, um teste para ver qual era o ponto que brincava com suas inseguranças e plantar uma dúvida. E Morena caíra direitinho, abaixando a guarda justamente na hora em que não deveria.
Nadya estava mentindo. Ivan contaria para Morena se estivesse envolvido em algo grande assim, não tomaria uma decisão dessa magnitude sem consultá-la. No entanto, Nadya falara com tanta segurança. E se ela soubesse de algo que Morena não sabia? E se aquele detalhe em sua história, de Ivan deixá-la por um projeto de pesquisa, na verdade fosse uma realidade?
Continua…
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CRÉDITOS
Autora: Isabelle Morais Edição: Laura Pohl e Val Alves Preparação: Laura Pohl Revisão: Bárbara Morais e Val Alves Diagramação: Val Alves Título tipografado: Vitor Castrillo
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