A cada dia que passava naquela cidade sem nome, menos vontade Roger queria sair daquele lugar, os únicos focados em arrumar o tanque móvel e retornar a estrada eram Lara, Lis e Nicholas, que ainda procurava em um velho ferro improvisado peças de carros para poder consertá-lo, enquanto isso, Soraya apreciava as aulas de antropologia, mesmo que boa parte dos termos e lições ela não compreendia, e Roger frequentemente ajudava o senhor Geraldo, a cuidar dos campos de colheita.

Toda comunidade trabalhava para que aquela cidade se tornasse o mais autossustentável possível, o objetivo era para que as pessoas daquela região não precisasse sair daquele lugar para se arriscar em bunkers, e outras regiões tomadas por uma névoa tóxica com monstros e animais mutantes que pudessem custar ou diminuir a expectativa de vida de quem ousasse enfrentá-lo.

Enquanto Roger arava a terra, ele pensava nos diversos argumentos para convencer Nicholas a morar ali.

• Você parece avoado hoje, aconteceu alguma coisa? - perguntou Geraldo.

• São dúvidas que não param de vir à minha mente, nesses três dias não vi nenhum sinal de nuvem tóxica e nem monstros invadindo este local.

• São dúvidas pertinentes, é como se essas terras sejam abençoados por Deus

• Quanto tempo você mora por aqui?

• Cinco anos.

• E nenhum sinal de algum monstro ou radiação próxima aqui.

• Veja a sua volta, você acha que tudo isso iria se desenvolver com constantes ataques de monstros, névoa tóxica e radiação?

Roger olhou à sua volta, campos limitados a cercos com plantações vastas e revigorantes, pastos tomados por gados e um curral com cavalo e galinhas, tal informação Lis tinha dificuldade de acreditar, principalmente que ela conhecia de perto toda jornada do doutor Geto de alcançar aquele mundo ideal.

• Não puxando sardinha para um conhecido, mas tudo aqui só é desse jeito por pura sorte.

• Eu já disse, é a localização dessas terras, ele fica em um plano alto, a névoa tóxica teria dificuldades de vir até aqui por conta da densidade. - Disse Nicholas.

• Mas ainda assim, aqui seria palco de ataques constantes de monstros.

• Bem, não adianta ficarmos com hipótese. - Disse Lara se retirando do quarto.

• Aonde você vai?

• Investigar, se queremos um dia viver por aqui, devemos investigar se aqui é realmente seguro!

• Espera um pouco? Eu achei que vocês não queriam ficar aqui! - Retrucou Roger.

• Que ideia idiota Roger, é óbvio que gostariamos de viver em um ambiente que não seja hostil, aqui pode se tornar o inicio da construção de uma nova civilização. - Comentou Lis - mas é claro que em primeira instância eu retornaria ao bunker onde estava para avisar os outros residentes.

Cada um se separou do ponto de partida do hotel.

Nicholas retornou até o ferro velho, desta fez levando um carrinho de mão para pegar mais peças, um velho senhor de um macacão encharcado de óleo observava de longe a movimentação.

• Você de novo?

• Desculpa, é porque descobri que tinha mais coisas quebradas no tanque.

• Porque não leva meus dois filhos com você, eles entendem de carro e podem te ajudar.

• Agradecido, mas não sei se eles estão familiarizados com um bunker móvel.

• Pode ficar tranquilo, carro é tudo a mesma coisa, Rômulo, Romeo, venham aqui.

Dois sujeitos saíram da cabana, esguio com uma aparência cadavérica, utilizando suspensório jeans e uma camiseta branca amarrotada, um deles fedia a álcool de segunda.

• Vão ajudar a criança a consertar o carro dele.

• Sério senhor, não precisa, nem tem como eu pagar isso.

• Só de você tirar esse lixo da frente da minha casa já ajuda.

• Como assim lixo?

• Vamos logo, onde é esse veículo? - Romulo tentou se aproximar de Nicholas, mas ele se afastou e tampou o nariz.

• Só me seguir.

Todo caminho Nicholas sentiu uma certa hostilidade, era como se um dos dois estivesse prestes a ameaçá-lo, saindo da cidade ele notou um urso mutante caído no chão praticamente morto.

• Vocês mataram ele? - Perguntou Nicholas.

• Quando um monstro se aproxima da cidade, ele simplesmente morre,já vi muito disso acontecer, como se morresse asfixiado ou algo assim.

• Agora faz sentido, nenhum monstro consegue se aproximar da cidade por conta do ar puro deste local, eles se adaptaram a ambientes tóxicos.

• para mim você tá falando e falando e não to entendendo nada. - Retrucou Romeo. - Vamos logo a este bunker móvel!

Nicholas assentiu e continuou seguindo em frente, ele passou perto de uma rocha no qual o grupo dele havia escondido seus equipamentos, como máscara de gás e um macacão apropriado.

• Vocês não trouxeram nenhum equipamento de proteção? Do barranco até lá em baixo é perigoso.

• É verdade, eu tinha esquecido, você tem algum por perto para poder me emprestar?

• Claro, esperem aqui.

Ele foi em direção atrás da rocha, Romeo fez um sinal com a cabeça, Rômulo tirou do cinto uma faca e se aproximou vagarosamente atrás da rocha, e quando ele alcançou Nicholas, ele se virou com um revólver na mão e deu dois tiros no peito dele, o irmão começou a correr em direção a cidade, e levou dois tiros nas costas.

Nicholas arrastou o corpo dos dois até um precipício, um a um e com dificuldades, jogou eles abaixo, ele sentiu seu corpo pesado, afinal era muito esforço para alguém que tinha já se recuperado de uma doença que ataca os pulmões.

Após vestir todos os equipamentos, ele foi em direção ao tanque, carregando o carrinho de mão, ele começou a pensar em como deveria convencer os outros de que aquela cidade era perigosa e sem chamar atenção dos demais, não era a primeira vez que ele havia notado movimento suspeito, começando por cidadãos suspeitos monitorando os passos de cada um do grupo.

“Não é possível que eles não perceberam nada? Esse lugar tranquilo anestesiaram eles?”

Ele finalmente consertou o tanque, verificou no painel o mapeamento de toda região, o que inquietou, uma névoa densa era trazido por uma frente fria em direção a cidade, em menos de dois dias toda aquela região seria encoberta pela toxicidade.

Roger visitou o prefeito Benjamin, para tentar descobrir sobre o passado daquele lugar, ele explicou que o senhor Geraldo havia dito que em cinco anos, eles não tiveram problemas com a névoa tóxica e monstros e ele assentiu.

• Aqui realmente é uma região abençoada, apesar disso ele foi uma vez tomada por névoa tóxica há muito tempo atrás.

• E como a toxicidade foi removida deste lugar?

• Simples, graças a um ciclone.

• Não entendi.

• De vez em quando um fenômeno climático acaba dissipando toda névoa tóxica desta região, e aos poucos essas terras começam a proliferar vida até tomar este cenário no qual você está observando.

• Mas isso quer dizer que tem chances da névoa retomar este local?

• Sim, e todos nós estamos preparados para servir como adubo para um novo ciclo de vida nesta região, seremos eternizados em árvores e capins que servirão de alimento para outros animais e permitirão novos homens e mulheres a viverem neste lugar até se completar o ciclo.

• Obrigado pela explicação, mas já estou indo.

O prefeito pegou o pulso de Roger, que sentiu um pavor genuíno subindo até sua espinha, ao encarar no rosto dele com um olhar assustado, ele pode notar uma aparência deformada de alguém prestes a abraçar a insanidade.

• Não seja por isso, venha participar também, até os últimos dias de nossas vidas.

• Eu não sei se estou preparado para me sacrificar para mãe natureza.

• Tolo, isso não será um sacrifício, é um início de um novo ciclo, nos encontraremos sinergicamente a tudo que existe daqui pra frente.

• Eu me recuso.

• Como pode recusar de seu destino? Você não se alimenta da carne dos gados, ou se empanturra dos grãos e sementes vindas da terra, porque se nega a entregar sua própria carne para alimentá-los também.

• Porque eu sei que vou morrer mas não quero adiar o inevitável.

• Blasfêmia. - Um grito retumbante chamou a atenção de outros cidadãos que seguraram Roger. - Depois de toda hospitalidade que eu providenciei a vocês, nega a pagar o que deve a essas terras?

Roger por ser alguém treinado conseguiu se desvincular das amarras de outros que insistiam em capturá-lo, ele correu para longe daquele estabelecimento, atrás dele um grupo de aldeões com garfos, pás, e tochas se formavam atrás do prefeito Benjamin, prestes a capturar os pagãos que negavam a se curvar a doutrina maluca deles.

“Eu só queria residir em um lugar normal e tranquilo, isso é pedir muito?” - Mentalmente Roger amaldiçoava qualquer entidade divina que o colocou naquela enrascada.