Uma cidade devastada era o único cenário avistado por um carrinho, que se infiltrou entre os escombros, uma névoa esverdeada tomava todo lugar, impossibilitando de enxergar dois palmos à sua frente, um ar tóxico e pungente que mataria qualquer ser vivo que ousasse adentrar a cidade do enxofre, vendo que não encontraria nada além de destruição, o carrinho deu meia volta e retornou para o bueiro de onde tinha saído.
Ele retornou cambaleante até uma estação instalada nos tubos de esgotos, no qual foi recebido por mãos robóticas que fizeram seu trabalho de esterilização e limpeza, verificação se o equipamento não tinha nenhum indício de radiação, e logo foi levado cada vez mais fundo na terra, onde uma estrutura, um bunker para ser mais exato o aguardava.
A cozinha era tomada por uma vitrola antiga que tocava uma música em loop dos anos 1930, o cozinheiro em questão, Roger, cantarolava o mesmo refrão pela décima vez, deixando os demais residentes do bunker, loucos.
Ai meu Senhor, dá para desligar essa merda? Estou enlouquecendo. - Soraya estava prestes a arrebentar a vitrola com um taco de baseball.
Pelo menos não é aquela música clássica de antes, aquilo sim era irritante. - Afirmou Nicolas, que lia um guia telefônico enquanto se acomodava em uma poltrona acabada.
a cavalgada das valquírias, isso sim era música, uma pena que eu perdi esse disco, eu ainda me pergunto onde eu o deixei.
Soraya desviou o olhar, pois era uma das responsáveis por dar um fim naquele disco.
Nicolas começou a tossir sem parar, tampou a boca com a mão, e quando finalmente a tosse cessou ele notou que a palma estava tomada por sangue.
O intervalo entre as tosses está diminuindo, o que a gente faz Roger, o Nicolas vai…
Parece que o remédio não está mais fazendo efeito desejado, cada vez mais precisamos aumentar a dose.
Está tudo bem, não precisam se esforçar por mim! - Respondeu Nicholas após recobrar o fôlego. - Eu sempre desejei morrer próximo as pessoas que amo.
Nicholas! - Murmurou Soraya com os olhos marejados.
Roger se aproximou de Nicholas e entregou um copo com um líquido verde suspeito.
Toma!
O que é isso?
É um chá especial, isso vai aliviar a sua tosse.
Mas nem morto eu tomo essa coisa estranha.
Para de reclamar! - Roger agarrou Nicholas e forçou o copo contra a boca dele. - Isso é para o seu bem.
Sendo forçado, Nicholas empurrou Roger e correu ao banheiro para gorfar a bebida estranha que ele havia tomado.
Parece que chegou o dia de abandonarmos este bunker, afinal além dos remédios do Nicholas, a comida está acabando.
Estou surpresa que você está preocupado com isso depois de quase matar ele sufocado.
Não há nada que se possa fazer, melhor comerem suas refeições e irem para cama, amanhã pensaremos em um plano de sair desta região.
Roger aumentou a dose de remédio de Nicholas, com medo de perder o amigo, Soraya se prontificou em dormir no mesmo quarto dele, um filme passou na cabeça de Roger, tudo que os três tinham vivenciado naquele bunker, e agora estava na hora de deixar tudo para trás e procurar um novo lugar seguro, um lugar que eles não precisam se preocupar com monstros, névoa tóxica e pessoas mal intencionadas.
Roger caiu no sono em meio a sua leitura, com abajur sendo a única fonte de luz daquela salinha, ele sonhou sobre um dia estar em uma casa confortável, servindo o jantar para sua esposa e filho, e ao seu lado, Nicholas e Soraya com um sorriso contagiante.
Soraya brincava com o filho de Roger, enquanto ele zelava pela grande família naquele ambiente confortável, mas como qualquer sonho, isso um dia iria acabar, aquela imagem foi tomado por uma névoa esverdeada que cobriu sua visão, Roger apreensivo foi em direção a mesa de jantar, mas a cada passo que ele dava, mais a cozinha se distanciava.
Ele podia ouvir os gritos de seus entes queridos, um som estridente permeia seus tímpanos, ele se pôs a tampar os ouvidos enquanto caminhava em um corredor extenso, nas paredes, fotos de uma família feliz sendo substituídas pelo horror dos monstros.
Bianca… Bruno …. Soraya …. Nicholas.
De repente o chão cedeu e ele foi engolido pela escuridão, acabou caindo sobre os destroços de um prédio abandonado, figurativamente uma barra de ferro o atravessou no peito, mas ele não sentiu dor, só o remorso de ter perdido aquela visão do sonho perfeito.
Ele se levantou cambaleante, e em meio a destruição ele pôde encontrar Bianca agarrando o seu filho ainda sem vida.
Não! Não! Não! Não! - Exclamou Roger, ele correu para socorrer o corpo sem vida de sua única família, quando ele finalmente a pegou no colo, os dois se tornaram manequins e se despedaçaram instantaneamente.
E assim Roger despertou, suando frio, com a luz da lanterna ofuscando sua visão.
Mas que droga Soraya, desligue isso.
Eu estava ouvindo uns sons esquisitos, achei que alguém tinha invadido o bunker, mas era você, você está bem?
Sim, eu estou! - Roger se levantou, esfregou os olhos. - Que horas são?
Sete e trinta e cinco da manhã.
Me acordou de madrugada? Bem, isso não importa, se aprontem que vou preparar o café, e vamos discutir nosso plano de sair deste bunker.
O café foi o mais conservador possível, uma torrada feita de pão amanhecido com restos de manteiga, e dois ovos, e um suco de limão do dia anterior, Soraya observava Roger a preparar o café com um sorriso bobo no rosto.
O que é!
Nada, é porque é a primeira vez que presto atenção nisso e de como parecemos uma família feliz.
Isso não precisa mudar quando sairmos daqui.
Nicholas chegou na cozinha, ainda bocejando, puxou uma cadeira e sentou, apoiou sua cabeça no braço, ainda com os olhos fechados.
Não apoie o cotovelo na mesa, é falta de educação.
O mundo que conhecemos acabou, isso não importa mais.
Roger colocou o prato da torrada com ovos perto do Nicholas.
Mas para mim importa, é importante seguirmos ritos sociais porque…
Você teme que a civilização que conhecemos suma de vez? - Completou Soraya.
Roger assentiu com um olhar surpreso.
Sim Soraya, você pescou um ponto.
Só porque a civilização morreu, não significa que podemos implementar novos valores na próxima sociedade? Por exemplo, e que tal banirmos todo conceito de riqueza, e criarmos uma sociedade baseada no coletivismo.
Isso já acontecia espertão, muito antes do mundo acabar.
Não é não! Antes os valores eram baseados em quanto recursos você pode monopolizar baseado na exploração do proletariado ignorando a mais valia. - Disse Soraya.
Mas que merda de livro vocês estão lendo?
Eu estou abismado que isso saiu da boca da Soraya.
Ei! Eu posso ser um poço de inteligência quando der na telha.
Nicholas gargalhava, enquanto Roger arfava um suspiro inquietante.
E se pensarmos em um modo de definir o nome dos dias dos meses e semanas?
Podiamos banir “Julho” e “Agosto”, talvez se chamasse os meses de primeiro, segundo, terceiro até o décimo segundo.
Eu gosto da ideia de ter nomes de Deuses gregos, Zeus, Hades, Afrodite.
Foi uma conversa reconfortante entre as três partes, Nicholas não parava de rir, ele não sabia por que ele estava tão feliz naquele dia, depois do café, os três decidiram discutir o seus planos de saírem daquele bunker, Nicholas ficou de fora, observando os argumentos de seus dois colegas e de qual seria o melhor plano para seguirem para a próxima cidade sem gastar tantos recursos assim.
Sabe! - Interrompeu Nicholas. - Talvez seja melhor eu ficar para trás.
Os dois encaravam Nicholas com um olhar atônito.
Eu só iria atrasar vocês, não há garantias que a próxima cidade tenha o remédio, muito menos a cura sobre a minha doença, seria um desperdício de recursos pois vocês poderiam utilizar a minha parte para sobreviver um pouco mais de tempo.
Os dois se entreolharam, e Soraya retrucou.
Não vamos deixar você para trás.
Somos uma família, Nicholas, e vamos dar um jeito de levar você e curá-lo, pode ficar tranquilo.
Ontem você disse que desejava morrer próximo a pessoas que amamos, pois eu digo o mesmo, se for para morrer todos nós que sejamos juntos, como uma família.
Os olhos de Nicholas começaram a marejar, quando as primeiras lágrimas iriam escorrer, ele escondeu o rosto com as mãos.
Seus idiotas, depois não me culpem se tudo der errado e tivemos uma morte horrível.
Isso não vai acontecer, se vocês não sabem, eu passei cinco anos vagando entre as cidades mortas antes de encontrar vocês neste bunker, eu sou um especialista da expedição.
Isso é incrível Roger!!! - Disse Soraya
Ele está mentindo! - Disse Nicholas ainda tampando o rosto com as mãos -Ele só era de um bunker vizinho e acabou vindo para cá porque o lado dele tinha acabado os recursos.
Bem! - Roger se levantou da cadeira. - Chega de papo furado, crianças, vão se aprontar que iremos partir em trinta minutos, o nosso destino é o carro selado que se encontra há trezentos metros deste bunker, dá mais ou menos uns cinco minutinhos a pé.
Os três foram se aprontar, colocar o macacão, o compartimento de gás na cintura, junto com 6 botijões pequenos de gás ao redor do quadril, a máscara de gás, mochila com recursos destinados a uma semana de consumo, e armas variadas, taco de ferro, revólver, cartuchos com munição extra, uma escopeta ( no caso para Roger que tinha condição física para portar uma).
No visor da máscara de gás está indicando nosso destino, eu rastreei a última posição do drone e marquei com um caminho tracejado até lá, não ousem desviar dele, por ser uma cidade tomada por uma névoa tóxica é quase nula a chance de ter monstros e aberrações que possa comprometer nossa jornada, seja como for estejam preparados e fiquem atentos, se conseguirmos alcançar o carro selado, podemos utilizar eles para partir para próxima cidade sem desperdiçar o gás, entendido!?
Sim! - Disse Soraya e Nicholas em uníssono.
Assim, a porta blindada abriu na frente dos três, a névoa esverdeada invadia o bunker, os alarmes sinalizando ar tóxico emitem freneticamente, tomando aquela sala em um show de luzes vermelhas e amarelas, a partir deste ponto, a segurança dos três não era mais garantia.
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