Finalmente fim da aula e pronto para voltar ao apartamento com Tanuki ansioso no bolso. Ele disse que há um monumento que possa ajudar a entender da onde esses monstros estão vindo. Amorim andou comigo até a saída agradecendo pela companhia novamente, mesmo sabendo que eu deveria agradecer por conversar comigo quando me viu cansado. Amorim é um homem que ama mitologia, o que seria uma ajuda para aprender sobre Yokais e tudo relacionado a japonês, além da sua origem.
Só agora que noto que falando dele está ficando muito estranho, como se nossa relação fosse predestinada.
Nos despedimos quando chegamos no ponto e cada um pegou seu rumo. Tanuki no meu bolso traz um pouco de segurança; foi nessa rua que ouvi sons de correntes daqueles Onis. Com ele, eu espero que a ajuda seja mais que necessária e ele é muito forte e rápido para lidar com todo tipo de ameaça.
Chegando ao apartamento, subo as escadas e entro no esconderijo que de escondido tem nada. Trancando, fico mais aliviado e tiro a mochila das costas com os livros dentro. Tanuki rapidamente pulou do bolso como uma pulga e a fumaça explodiu com ele, trazendo-o ao seu tamanho.
– Que bolso apertado! – ele murmura estralando suas costas com as mãos apoiadas nelas.
– A mochila seria pior.
– Nem na sua boca?
– Nem!
Comer ele já foi nojento; o que dizer de carregar alguém dentro da boca e ter dificuldade de falar como se tivesse uma carne para mastigar? Ele ri como se fosse brincadeira.
Paciência está sendo uma tentação.
– Eu não sou tão ruim assim, Mestre, mas não vem ao caso – ele tirou a risada. – Sua amiga deve saber para onde devo ir.
Tive que abanar as mãos para baixo e acalmar a ansiedade dele. Preciso pensar um pouco.
– Espera lá! Ela disse que fica em frente ao mar. Não conheço a cidade toda. Porque quer ver esse lago mesmo?
– Sua amiga disse que há uma academia de artes marciais – eu concordo. – Se essa academia tiver o torii, significa que seja a resposta para o que está acontecendo.
Claro que estou tentando entender seu vocabulário nipônico. O que é essa coisa que ele disse tanto hoje? Esta é uma razão dele ter me deixado sozinho ontem. Deve ser importante.
Pergunto mais sobre esse troço enquanto ponho a mochila no sofá para retirar os livros. As capas são lindas com ilustrações das criaturas. Admito que arrepiou um pouco.
– Torii é um monumento edificado com madeiras vermelhas e formam um portal para atravessar, conectando você ao mundo espiritual onde criaturas devem vir de lá e conhecer os Deuses também.
Fez das minhas orelhas erguerem curiosas. Já tentei aguentar fatos que o guaxinim louco gordo apareceu no vaso de porcelana que meu avô me deu para manter memórias, conhecer monstros que tentaram me capturar e agora tenho que ouvir de um portal que conecta a realidade e a fantasia. Só se for fantasia pregada na cabeça dele.
Eu suspiro ou acredito? Não sei como aguento tanta aventura louca em tempo real. Ao menos, temos uma pista.
– Temos que ir para lá – ele pega meu braço, mas puxei rapidamente se ele pretendia ir comigo até lá.
– Preciso saber aonde que fica e a distância. Não tenho carro e não sei quanto custa a passagem de ônibus.
Ele me olhou sem entender com essas palavras estranhas e coçando o saco. O que é um ônibus para quem morou no vaso?
Peço para ele esperar enquanto pego o celular e coloco o GPS para localizar o mar. Mares, lagoas e praias costumam ter nomes, mas posso tentar pesquisar pela academia de artes marciais que a Mika falou. Ainda preciso almoçar, então vou ser rápido. Expandindo a tela e tentando encontrar uma região de cor azul e o aplicativo mostra alguns restaurantes e pontos turísticos.
Estou surpreso que Sunomono tem lugares bonitos e nem tive oportunidade de conhecer um sequer. Tanuki se aproximou para ver o que estou fazendo, achando ser mais uma estranha arma tecnológica. Clico em um dos pontos e abre-se uma janela de fotos e informações. Mika está certa que tem uma academia em frente ao mar com uma entrada erguida com madeira pintada de vermelha. Tanuki botou seu dedo na tela dizendo que esse é o torri.
Então esse é o suspeito portal? É muito simples para um.
Agora preciso ver a distância daqui até lá. Clico em alguns botões para calcular a rota e não perdi a chance de ver os olhos esbugalhados do Tanuki diante da cruel tecnologia moderna. Um tipo de feitiço, ele deve imaginar.
Os japoneses imaginariam um futuro assim?
Melhor: os japoneses tinham em mente que seriam a potência tecnológica mundial?
– A distância é grande, Tanuki – eu comento desanimado. – Precisamos pegar um ônibus.
– Qual a distância?
– Dezesseis quilômetros.
– Não sei quanto tempo leva, mas podemos voar até lá.
Pensei em retrucar porque o problema é alguém nos ver, mas voar seria realmente muito útil e não gastaria um centavo. Desafio é a única coisa que motiva nós a encarar os nossos sonhos e um dos desafios é comprar roupas para ele.
– Pode funcionar – concordo.
– Melhor eu ir sozinho e verificar. Você deve estar cansado com todos os problemas.
E como ele sabe que tenho problemas? Realista ele!
Olho a hora no celular e são meio dia e vinte e cinco. Tanuki não sente fome sendo imortal. Imagino se, mesmo com esses “benefícios”, ele não sente vontade de comer alguma coisa que ame.
– Então você pode ir ao mar e verificar? – ele me ouviu atentamente e sorrindo.
– Posso, Mestre.
– Então tenho uma ordem para você – olha eu dando ordens para alguém que odeio! – Tente achar esse torii e podemos comer sushi uma noite. O que acha?
No momento, ele ficou calado. Eu achei que disse uma coisa que pesaria sua barriga, mas segurou minha mão com força, olhando nos olhos com brilho e confiança que me arrepia.
– Posso Mestre! Não desapontarei. Onde fica o mar?
Checo o mapa para ver e aqui diz sudoeste. Não tenho ideia onde é norte, o que dizer sudoeste?
Tanuki correu até a janela prestes a pular com suas roupas exóticas e barriga exposta. Será que as pessoas o chamariam de veado ou macumbeiro? Só sei que me surpreende sua autoestima.
– Por que não usa a porta? Vai chamar a atenção na janela – ele só olhou para traz e sorriu.
– Sou o Guardião do Vento.
Sem palavras num momento clichê, ele pulou da janela. Corri para o ver, mas não o vi mais. Desapareceu. Só vejo folhas voarem à direita. Ele deve ter encolhido ou foi com o vento.
Ele não sabe do problema que passo se descobrirem que é mágico e que mora comigo? Quando descobrirem, posso assinar meu atestado de óbito.
Acho que estou pensando demais com a fome.
Depois do almoço, sento no sofá e pego os livros que Amorim emprestou. Tenho que aprender sobre esses bichos o mais rápido que posso. Só não sei se ele achou que sou louco por causa do pesadelo. Se eu contar à Mika, ela pensaria que estou ansioso; Kona iria rir da cara mais do que já faz e meu pai ficaria preocupadíssimo.
Deus! Não quero pensar sobre essas coisas. Preciso limpar a mente. Depois de ler o primeiro capítulo – ou tentar –, medito.
A capa é bonita mostrando algumas ilustrações de criaturas e uma grande assinatura japonesa no seu traço tradicional. A escrita eu também acho bonita. As ilustrações devem ajudar a identificar cada Yokai e incrível imaginar as histórias, origens, razões e como viviam. Estranho estudar sobre demônios. As primeiras páginas são viradas com o vento que sopra da janela. A harmonia parece trazer com os contos. Ao menos, sinto paz comigo. Levanto do sofá e vou à janela e assisto o parque novamente com as folhas voarem. Pelo vento, acho que Tanuki está chegando lá. Olho para as pessoas no parque e umas estão sentadas, outras caminham.
Tento reconhecer as pessoas como uma forma besta de passar o tempo. Tem um encapuzado ali que logo me lembrou Amorim. Dou uns passos para trás, fecho os olhos e abro os braços para sentir aquele vento bater em meu corpo e trazer aquela tranquilidade que é, de repente, quebrada por uma figura entrando pela janela. Gritei pelo susto que movia devagar para o meu aparamento e com um olhar frio. Pior de tudo: era aquele cão mascarado de ontem.
– O assustei, Ochiba?
Meu coração bate rápido. Se eu correr, ele me pega; se eu ficar, me come.
– Não me chame por esse nome! – a boca parecia congelada de tanto medo, mas digo na ousadia suicida que tenho guardada.
– Não apenas eu – ele entra cruzando os braços e se encostando na parede.
– O que quer comigo agora? Veio me comer também?
– Apenas para saber como a presa está no meio do caos.
– Não me zoa! Não sou presa alguma!
É difícil saber se ele ri ou não. A máscara esconde tudo que se diga emoção. Pelo silêncio e sua ausência de movimento, ele não parece tão agressivo como ontem, mas nada ajuda a diminuir o medo.
– Perdão, Ochiba. Não é minha intenção a ofensa – ele olha para a janela. O vento soprava fraco. – Só me preocupo se está bem.
– Para o que? Para me engolir e te dar obscuros poderes como os Onis disseram? – quem dera um objeto para me defender!
– Onis são animais arrogantes em busca de poder, mas suas vidas são resumidas em podridão – talvez isso eu o concorde. Agora ele olha para mim. – Cada Yokai tem sua razão para seguir seus objetivos, mas muitos estão atrás de você. Não tem ideia o quanto seu nome soa entre eles.
– E você? Faz parte deles?
– Felizmente não. Abutres não são minha raposada – o que um coletivo de certo animal não combina com outro. Pelo coletivismo dito, ele é mesmo uma raposa.
– E por que me diz tudo isso?
– Se eu disser exatamente tudo, posso desmascarar todos os mistérios sobre e sob você.
– E por que não conta tudo e desmascara seu rosto?
Ainda desconforta sendo chamado por um nome que não sei o que significa; sua máscara é outro mistério maior. Há muitos pensamentos sobre seu rosto e me espanto em saber.
Ele não me responde; sua presença é quieta em todas as maneiras com os olhos voltados para a janela sem razão. Eu queria que Tanuki aparecesse e chutasse ele para fora. Insisto na mesma pergunta e ele nada diz. Hoje está mais calmo que eu imaginava, o que piora meu estado de espírito.
– Ochiba – ele olhava para mim numa frieza. – Eu gostaria de contar tudo que está acontecendo, mas apenas você deve descobrir e não seria justo que eu terminasse com tudo agora.
– O que está falando? – mais confuso com suas filosofias exóticas. – Quero saber por que todos estão me caçando. Sou apenas um estudante.
– Nesse mundo, você é estudante; no outro, você é mais que isso.
– Que outro mundo?
Estou impaciente. Ele invade meu apartamento para dizer frases miraculosas, quieto no canto com as mesmas roupas de ontem, o silêncio calmo que perturba como ele.
Disse roupas? É a vontade de comprar roupas para Tanuki.
E que outro mundo é esse? Eu insistia na pergunta. Ele apenas se moveu para a janela e subia para cair fora, o que seria uma ótima oportunidade, mesmo que as perguntas não parassem de rodar em minha cabeça.
– Um dia você irá entender, Ochiba – ele comenta com uma voz mais fechada e sem olhar para mim. – O mundo que o espera é cruel.
– Eu não precisava que me dissesse isso – o que era o óbvio. Esse doido mora na Lua?
– Nos vemos depois, Ochiba.
Encerrando o diálogo com o nome obscuro e repetido, ele pula da janela. Corro para ver para onde ele foi, mas não o vejo em lugar algum; não está embaixo, nem nos lados, nem em cima. Desapareceu. Só sinto o vento bater forte em meu rosto e o silêncio predominar com exceção dos carros passando.
Queria enfiar ele no Inferno só para ele parar de me perturbar.
Essa semana está mais agitada que eu pensava. Como posso descrever minha vida se não descobrir o que está acontecendo? Minha vida seria uma perfeita bibliografia de alguém perseguido por criaturas fantasiosas. Me sinto frio e estou prestes a ter um ataque de surtos. Aonde que o Tanuki se mete quando oportunidades caem sobre mim?
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