Era bom que ninguém da Corte nunca esperasse nada de Aleksey além de que proporcionasse risadas e comentários espirituosos, porque desde a conversa com Ivan, há quase dois dias, não conseguia pensar em mais nada. Ele também não vira o casal depois do ocorrido em canto nenhum — nem Ivan, muito menos Morena, que, depois do jantar de boas-vindas, parecia decidida a evitá-lo. Chegou a acreditar que Ivan decidira acompanhar a esposa naquela empreitada, mas quando percebeu que Veronika e a Condessa Zotov também não estavam mais participando de nenhuma das atividades, ficou se perguntando se haviam decidido ir embora, desistindo de continuar naquela farsa, para fazer algo mais produtivo. No caso, especialmente se haviam decidido ir para bem longe dele, levando as novas amigas junto.
Aleksey não os culparia se fosse o caso.
Por mais que tentasse, não conseguia se esquecer de Ivan com seu cabelo preto desarrumado e o rosto ligeiramente corado pelo sol e pela bebida, completamente vulnerável, sentado diante dele com as pernas cruzadas. Pensar na preocupação que Ivan demonstrara com a possibilidade de ter feito Aleksey chorar o fazia querer verter lágrimas de novo. Naquele momento, Aleksey finalmente percebera que Ivan se importava com ele, ao contrário do que havia acreditado por tantos anos. Nos últimos dias, se pegava relembrando momentos que na época achara que eram besteira e que decidira levar na brincadeira de uma forma completamente diferente. Os cuidados que Ivan tivera enquanto Aleksey se recuperava do tiro, os pequenos presentes que sempre tirava do bolso e lhe dava nos momentos mais inesperados, o esforço que empenhava em garantir que Aleksey e Morena estivessem alimentados e confortáveis o tempo todo, a determinação com que Ivan o ajudara para a prova antecipada de titulação como Extraordinário... Sentia vergonha de ter demorado tanto tempo para perceber, e agora que sabia pelo que procurar, tudo parecia óbvio.
Era claro que Ivan o considerava como amigo. Ivan não concedia seus sorrisos e gargalhadas a qualquer um, nem compartilhava as piadas e pensamentos, muito menos oferecia presentes e sua atenção. E mesmo assim, não era igual. O ciúme que ele sentira de Veronika parecia bobo, pequeno, depois daquela conversa que o levara a perceber que a única pessoa que ele tratava do mesmo jeito que tratava Aleksey era Morena.
Tudo que parecera misterioso e indecifrável subitamente ficara claro e direto. Todas as ações de Ivan que sempre o confundiram eram fruto óbvio de um fato inegável, declarado pelo próprio Ivan: ele queria Aleksey. Não só ele, mas Morena também. Saber isso tornava toda a situação ainda pior e Aleksey não conseguia parar de se sentir culpado. Sempre achou que sua ausência não faria diferença alguma na vida dos dois, que seria apenas uma mera lembrança, algo irrelevante, uma nota de rodapé na história de Morena e Ivan, de Ivan e Morena. Na imaginação de Aleksey seria fácil, porque Ivan seria pragmático e convenceria Morena rapidamente de que não fazia diferença alguma conviver com Aleksey. Ela não sentiria falta de nada depois de um tempo porque, francamente, o que ele tinha para oferecer para ela? Para Ivan e Morena? No fim, ficariam bem, seguros e felizes, porque tinham um ao outro. Não seriam mais alvo de Yakov só por estarem perto de Aleksey. Tudo resolvido em uma tacada só.
Só que talvez estivesse sendo tão difícil para eles quanto era para Aleksey. Talvez a história de Morena e Ivan tinha espaço para mais um nome ali, entre eles.
O toque quente de Laszlo na pele de Aleksey o trouxe de volta dos devaneios, o rosto preocupado do homem próximo ao seu com uma expressão de quem já o chamara algumas vezes.
— Alex, está tudo bem? Você quer voltar para o quarto? — sussurrou ele, entrelaçando os dedos nos de Aleksey.
A pele áspera de Laszlo contra a sua era como uma âncora, trazendo-o de volta para a realidade. Aleksey piscou algumas vezes, percebendo que estavam em um salão de jogos com a parede coberta de placas de madeira, sentados no canto mais remoto. Na mesa mais próxima, um grupo de quatro pessoas jogava baralho enquanto gargalhava alto e fumava, e uma das mulheres fez um gesto para um garçom que passava servir mais uma taça de champanhe. Aleksey demorou um tempo considerável para se situar, as roupas cheias de penas e de babados e ouro ao redor, parecendo saídas de uma alucinação, as máscaras e fantasias se transformando em seres oníricos com a fumaça densa do cômodo em que se encontravam. Olhou para o tapa-olho no colo e para o cigarro nos dedos que não lembrava de ter acendido, sem entender a roupa antiquada e extravagante que vestia. Se perguntassem para ele como fora parar ali, ele não saberia responder.
— Eu acho que você precisa tomar um ar — continuou Laszlo, pegando o cigarro da mão de Aleksey com cuidado e apagando-o em um cinzeiro de cristal. — Vamos dar uma volta nos jardins?
Aleksey assentiu, aceitando a ajuda de Laszlo para se firmar de pé e então atravessaram o salão de braços entrelaçados, oferecendo gracejos que saiam sem esforço algum para os conhecidos, apenas seguindo o fluxo. Ele entendia agora onde estavam: era a penúltima noite da festa, o dia do baile à fantasia, que acontecia a todo vapor, praticamente em seu ápice, quase todos os convidados já presentes, a bebida voando das bandejas dos garçons como água no deserto. Em um dos cantos, um quarteto de cordas se posicionava em um palanque, sinal de que logo iriam começar as danças.
Prometera para Laszlo que estaria melhor até aquele momento, mas talvez estivesse pior do que nunca. O coitado deveria estar se sentindo extremamente culpado de ter insistido para que comparecessem, ou pior, deveria estar preocupado com Aleksey. Aleksey parou um instante, o homem ao lado acompanhando o movimento. Laszlo franziu a testa em confusão e Aleksey apertou a mão dele com mais força, erguendo o rosto para beijá-lo.
— O que foi? — Laszlo perguntou, colocando uma mecha do cabelo de Aleksey que escapava da bandana na cabeça usando atrás da orelha. — Você está bem?
— Eu só estou feliz que você está aqui comigo — disse Aleksey, sorrindo para o outro.
Laszlo sorriu de volta, beijando a palma da mão de Aleksey.
— É um prazer estar com você, Alex.
Era a segunda vez que Laszlo falava algo naquele sentido só durante aquela viagem e, com as palavras de Ivan ainda ecoando na mente, começava a acreditar que era verdade. Ele sempre achava que era brincadeira quando diziam algo como aquilo, que a pessoa estava tentando agradá-lo, que na primeira oportunidade virariam contra ele e o largariam. Mas talvez Laszlo também gostasse de estar perto dele, mesmo com todos os problemas e questões que vinham de brinde, mesmo com todas as complicações que ele representava, mesmo sabendo que Aleksey não poderia retribuir inteiramente o que ele sentia, não naquele momento. Talvez Laszlo só gostasse da presença dele. Era uma ideia tão esquisita que Aleksey sentiu vontade de sair correndo e nunca mais olhar na cara de Laszlo.
Laszlo continuou a conduzi-lo pelo salão de baile, navegando a exuberância de plumas e brilhos, as fantasias dos convidados oscilando das mais simples e menos inspiradas até as mais espalhafatosas, alguns usando máscaras para se misturarem com a multidão e passarem despercebidos. Aleksey normalmente se divertia observando as figuras que se esgueiravam para os cantos para conspirar entre si, e sempre saía daqueles eventos com informações que se provariam úteis, mas, naquela noite, estava se sentindo muito distante do normal. A mão de Laszlo na cintura parecia ser a única coisa impedindo-o de se refugiar nos seus pensamentos mais uma vez, e quando foram interrompidos por um dos lacaios da Condessa Medinikov, vestido com uma libré com o brasão da família, Aleksey sentiu um nó no estômago.
— Príncipe Poroshenko? — perguntou o homem, aproximando-se discretamente, e Laszlo assentiu. — A Condessa Medinikov pediu para que eu o chamasse, há uma questão urgente que precisa de sua presença.
— Urgente? — Laszlo franziu a testa.
— Sim, um mensageiro acabou de chegar de Zhelezo com uma carta e se recusa a falar do assunto até que esteja em sua presença. — O lacaio olhou por cima do ombro, parecendo ligeiramente aflito. — Diz que o senhor precisa ir encontrá-lo o mais rápido possível. Infelizmente não posso adiantar o assunto, mas se me seguir, poderá conversar diretamente com ele.
Aleksey trocou olhares com Laszlo. Vindo de Zhelezo, havia três alternativas: um grande acidente, um desastre natural ou um acidente envolvendo Kalina, a sobrinha de Lazlo. Ele sentiu um calafrio ao pensar na última hipótese. Para que o lacaio estivesse ansioso dessa forma, deveria ser algo gravíssimo. Apertou a mão de Laszlo, apreensivo. A ideia de que algo ruim tivesse acontecido com a menininha que sempre o recebia com um sorriso cheio de janelinhas e um abraço apertado quase o fazia desejar que fosse apenas mais uma das armações de Nadezhda e de seu tio, um subterfúgio para deixá-lo sozinho e vulnerável durante o baile, mas era gratuito e óbvio demais. Não era muito o estilo de Nadezhda.
— Certo. — Laszlo pareceu um pouco sem jeito. — O Príncipe Barabash pode nos acompanhar?
— Sinto muito, mas o mensageiro falou que era de natureza particular. — O homem olhou para Aleksey com um pedido de desculpas silencioso.
— Pode ir — disse Aleksey rapidamente. — Eu vou ficar bem.
— Tem certeza? — Laszlo voltou o olhar para Aleksey, franzindo a testa.
— Absoluta. Vá encontrar o mensageiro. Parece ser importante.
Laszlo se despediu com um beijo gentil na bochecha de Aleksey, parecendo um pouco receoso de abandoná-lo ali. Aleksey apertou a mão novamente para reconfortá-lo e Laszlo por fim suspirou e seguiu o lacaio. Ele sempre gostava de observar Laszlo falando com outras pessoas, à distância, tão atencioso e cuidadoso com seja lá quem fosse, independente de posição social. Laszlo balançou a cabeça algumas vezes, ligeiramente inclinado na direção do homem que os abordara, claramente interessado nas respostas que recebia para suas perguntas. Antes de desaparecer por uma das portas laterais, ele olhou para trás, procurando por Aleksey, e acenou uma despedida. Aleksey respondeu com um sorriso, suspirando pesadamente assim que ele partiu, sentindo um aperto no peito.
Era melhor não pensar demais no que poderia ser o chamado ou no turbilhão de sentimentos conflitantes que eram sempre atrelados a Laszlo. Aleksey analisou seus arredores, percebendo que em um grupo próximo, a Baronesa Antonenko conversava às gargalhadas com um grupo de mulheres da baixa nobreza; à direita, a Condessa Kapiani de Okro se abanava com um leque de Xenon, usando as mesmas roupas que a avó de Ivan usava diariamente como se fossem uma fantasia, sussurrando intrigas no ouvido do marido do Conde Pushkin. Havia dezenas de rostos conhecidos, mas Aleksey não fazia ideia de onde ir ou do que fazer agora que Laszlo partira.
Aleksey escolheu se recostar numa das paredes do salão, esperando que sua fantasia de pirata lhe concedesse alguns minutos para tentar organizar os pensamentos antes de alguém o reconhecer e puxá-lo para uma conversa. Pegou uma taça de espumante de um garçom que passava, os olhos ainda buscando por algo na multidão, e encontrou Veronika e a esposa. As duas estavam vestidas com roupas antigas, coisas que haviam sido moda quase duzentos anos antes, quando o estilo da Corte ainda era muito próximo às vestimentas das alquimistas. Veronika usava uma calça preta e larga e um khalat vermelho que ia até seus joelhos, preso por um cinto grosso, lembrando a guarda de honra da Imperadora. A Condessa Zotov também estava no tema militar, com um khalat preto bordado em dourado com o padrão que era usado para comemorar uma grande conquista, que provavelmente estava na família dela há gerações. Apesar de ambas estarem muito bonitas, não combinavam muito com o resto da festa e não pareciam se importar. A esposa de Veronika a rodou em uma pirueta em um momento nada apropriado da dança e as duas riram quando voltaram aos passos normais, Veronika ficando na ponta dos pés para beijá-la.
Aleksey desviou o olhar, constrangido, como se tivesse invadido algo muito particular, e quando virou a cabeça, foi atraído quase imediatamente para outro casal que destoava de todos os outros, como se fosse a lua cheia numa noite sem estrelas.
[Continua na Parte 2]
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