Em um tempo em que a grama ainda surgia,
Do sol o raiar o mundo provou
E a maldade o homem desconhecia,
Bem nessa terra Prospero acordou.
A terra cegamente iluminada,
Os vastos campos ele contemplou.
Tão etéreos que em sua face corada
De surpresa um sorriso se esboçava.
Ali decidiu fazer sua morada.
Foi assim que a maré ia e voltava
E aves cantavam a novidade:
Que Prospero uma casa edificava.
Após três dias e do quarto a tarde
Terminou a esperada construção
Simples, mas com modesta majestade.
Tão cativados pelo seu condão,
Que pedra polida sua casa era,
Vê-la quiseram em primeira mão.
E pelo som azedo de uma fera
Não tardou pra Prospero se dar conta
Do caos que sua simples casa trouxera.
Massas formigando de ponta a ponta
Permeando o campo e tampando a grama,
Profanando a terra não mais aventa.
O verde esvaiu na sombra da chama
e da rocha da civilização.
Não mais há o campo que tanto clama,
pois agora ergue-se uma nação.
“Ai de mim! Onde fugiram as árvores
e das aves o canto de limão?
Em seu lugar foram plantadas lápides,
casas, ruas, torres e confusão!
Onde estão os paraísos tão grandes
que neste mundo só me mantém são?
Vejo apenas parasitas macabros,
que roubam o braço ao pedir a mão.”
Lamentou-se seco ao ver os dejetos
que conquistaram seu amado lar.
E então saiu de casa a passos lentos,
caminhou sem saber onde chegar,
distante daquele surdo covil
no qual não podia se aconchegar.
Sumiu dali como a brisa de Abril
para terras distantes e ofuscadas
onde passava luz fria e ágil.
Passando por terras imaculadas
sentou-se Prospero ao pé de um salgueiro
espirituoso e com muitas folhas,
E em um golpe de pesar passageiro
deixou escapar um aspro lamento,
similar a um grito de desespero:
“Ó desgraça da qual eu sou detento!
A breve brisa ilusória que fez
de mim áureo filho do sentimento
Deixou-me com decrépita mudez.
Ó beleza! És amor traiçoeiro!
Que me embriaga em finta lucidez
para romper o gozo costumeiro
com a chama pútrida do desejo
que limpa essa terra com triste berro!
Onde está o que me guarda bravo anjo?
Onde está meu tão fiel protetor
cuja misericórdia fez-se nojo?
Ai de mim se algum dia fui malfeitor!
Se alguma vez fiz mal a uma pessoa
para fulminar-me com tal fulgor!
Pois da alma vil a risada ecoa,
e do bom sofredor só resta a morte
que reaviva a voz pungente e boa
Que se alimenta da minha má sorte!
Ó gélida brisa que não ampara,
em meu peito não cabe mais um corte!”
E assim, sob essa árvore macabra,
Prospero o último canto velou
e finou tão longe de sua morada.
No extinto campo que se transformou
contemplavam a vazia construção,
desejavam o que ele abandonou.
O Salgueiro ouviu dos céus a canção
das aves proferida com pesar.
Recitaram com tristeza e expressão:
“Danado seja o desejo vulgar
que domina a vil criatura humana!
Danado seja aquele que ao dar,
recebe em troca essa chama profana
Que recebe tal alcunha: Vontade,
humor visto de forma leviana.
Desafinado o homem de bondade,
De Prospero seu feito desejava
E o fizeram em unanimidade.
Porém, ao verem que a massa aumentava,
Esqueceram-se de compartilhar
E o fogo frio da avareza arrastava
Entre aqueles que a deixavam entrar.
Pela primeira vez sangue escorreu,
O homem fez a ira se alastrar
E a Maldade lentamente nasceu.
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