O caminho se abria conforme os morros davam sua educada licença, dando vista a uma planície cinzenta.
Ao meio desta, um enorme buraco, vasto o suficiente para quase chegar ao horizonte, e profundo a ponto de uma neblina escura surgir, e sequer ser possível ver seu fim.
Contornado apenas por pequenas estruturas rochosas, muitas delas danificadas a sobrar apenas resquícios do que eram.
Caju suavemente arregala os olhos, olhando para qualquer pedra que tivesse no caminho a fim de esconder sua surpresa.
Após atravessar por um trecho da área cinzenta, o grupo seguiu caminho até alcançar outro morro, resumindo a trilha que se erguia por este.
Ao chegar ao topo do relevo da serra, a primeira criança da fila para e se agacha, virando-se para o grupo e mostrando seu palmo, levando todos a uma súbita parada, conforme espelhavam o comportamento do menino em se abaixar.
Com um sinal de Lídia, eles esgueiram para fora da trilha, se escondendo em
meio a vegetação, quase deitando no aclive do morro. Caju sempre
tinha um certo atraso para repetir o que todos eles faziam.
Todos se mantiveram parados com a exceção de Lídia, que subiu a fila até chegar ao lado de Figo.
— Tem gente na casinha do poço.
Ele explicou em sussurro, enquanto abria sua mochilinha para pegar uma luneta, a qual entregou para a arqueira.
— Três homens. Recheados de equipamento.
Se escondendo na vegetação, usou o pequeno telescópio para ver o outro lado do morro.
No fundo da junta de três vales, havia uma densa floresta, e no meio dela, havia um prédio, coberto por pichações, folhas caídas, sujeira da chuva e musgo. Ao topo deste, acima das folhagens, havia um conjunto de plataformas azuis e levemente inclinadas, as quais pareciam estar mais limpas que todo o resto da construção.
Uma figura patrulhava o telhado, uma dentro do prédio, e outra no chão ao redor. Dois deles com rifles de assalto, e usando uniforme e equipamento de nível possivelmente militar.
— Vamos só, esperar eles saírem.
Lídia devolve a luneta para Figo, e olha para o resto do grupo.
— Por que esperar? — A curiosidade de Caju ataca novamente.
— Pra evitar problemas. — Nádila, que estava mais perto, respondeu. — Temos um trato com as vilas vizinhas, pegar água a cada três luas, e deixa o lugar quieto.
— Tem mais um pessoal vindo.
Figo avisou, e Aranji subiu até ele para observar a situação. O resto do grupo teve de prender sua curiosidade embaixo das pedras para não quererem subir e ver.
Quatro pessoas, que conduziam uma espécie de carroça que carregava dois contentores, chegavam por um dos muitos caminhos que se cruzavam, descendo até a construção.
Vários sujeitos saíram do prédio para receber o esquadrão, conversando enquanto arrumavam um local para estacionar a carroça e a deixar pronta para carregar o container.
Mas um deles puxa um revólver, e aponta para os recém-chegados.
— Huh?! Estão armados.
Logo sendo acompanhado pelo vigia e o companheiro, expulsaram o grupo da região, mas forçando-os a deixar a carroça.
Os quatro que trouxeram o veículo também estavam armados, mas com bastões e facas, apenas um deles tinha uma arma de fogo, e tomou a sábia decisão de não engajar naquela situação. Aproveitaram da piedade, e correram para subir o morro, tomando a primeira rocha no caminho para se proteger.
— E acabaram de expulsar o pessoal que chegou.
— Então violaram o trato. — Lídia pressiona os lábios, suspirando.
— Ai ai, estamos há zero dias sem ter um incidente desses. — Nádila desabafou. — Nosso recorde é de zero dias.
— O que vamos fazer, então?
Caju fez, novamente, a pergunta do milhão, esfregando as mãos pra conter sua animação, uma leve sensação de calor emanando do gesto.
Aranji deixa um exalar estressado escapar, largando o galão vazio e o apoiando em uma árvore próxima, para dar foco a sua espingarda.
— Não estamos em condição de enfrentar gente armada, mas, sinceramente, não dá pra deixar essa passar.
Aranji comentou, puxando a alavanca do rifle para abrir a câmara que estava vazia, e olhando para Figo, que começou a fuxicar em sua mochila.
Só agora que Caju estava bem acordada e próxima, que conseguiu observar as várias cicatrizes de arranhões que Aranji possuía.
Carlo lentamente se erguia, tentando espiar a situação, mas sente uma pontada nas costas.
— Nada disso, meu querido, pode ir baixando aí. — Lídia o cutucou com uma de suas flechas, e apontou com a mesma para o chão.
Embora a cara emburrada, o rapaz assentiu e o fez.
— Você tem alguma coisa aí contigo? Alguma arma ou ferramenta que ajude? Se tu for um peso morto, vamos ter que te deixar aqui pra resolver a situação primeiro.
— Pior que eu só tenho... Corda. — Carlo afirmou, tirando um cabo de tecido que levava consigo no tronco, o entregando para Lídia.
— Hm. . . — Ela pensa por um momento, e se vira para os outros. — Nádila, Pomelo.
Jogou a corda para os dois, que pegaram esta, quase a deixando cair por atrapalharem um ao outro, mesmo que sem querer.
— Vejam o que dá pra fazer com isso aí pra dar um trato neles.
Voltando para Carlo, apenas encostou o indicador em seu ombro.
— Você vai ficar na reserva, mas se precisarem de ti pra qualquer coisa, ajude.
— Heh, você quem manda.
Por fim, a arqueira foi até a vermelhinha.
— Caju.
— Sim?
— Vou te deixar ajudar, mas com uma condição, okay? — Ela segura as mãos da menina, percebendo que estavam quentes. — Aquilo que você fez com o fogo ontem, não faça agora. Especialmente na frente deles, que não são de Linha Castanha.
— Tá... Tá bom. — Caju assentiu, olhando para suas mãos, que lentamente esfriaram logo em seguida.
— Exceto se, for realmente necessário, como pra proteger a vida de alguém.
Elas se olham por um momento, e Caju mostra um sorriso.
— Certo.
Colocando o palmo ao lado da boca. — Não esquece da faca. — Lídia sussurra, terminando com uma piscadinha.
De sua mochila, Figo pega uma caixa de munição, a abrindo e entregando uma bala para Aranji, e deixando a caixa com o resto em cima de uma pedra próxima dela.
A garota se arruma no local, deitando na grama de algum canto confortável e escondido pela vegetação, e só quando estava firme e aconchegada, que inseriu a munição na câmara do rifle, e empurrou a alavanca do ferrolho, fechando-o e preparando o disparo.
— Por que você só coloca uma munição por vez? Não tem espaço pra pelo menos cinco balas aí? — Figo fez a mesma pergunta no mês passado.
— O carregador estava velho e enferrujado, então eu o tirei, e por isso não tem onde armazenar munição. — Aranji checava o ajuste da mira. — E também, é por estilo, heheh!
— Mas aliás. — A atiradora aponta para a mochila do menor. — Cê tem um espelho ou alguma coisa similar aí?
O menino respondeu começando a procurar.
— Então, qual o plano, tia?
Figo ia para perto de Lídia, enquanto arrumava sua mochila mais uma vez, por fim tirando um espelho quebrado, o qual entregou para Aranji.
A menina até mostrou certo desconforto por ter que lidar com o caco de vidro, mas apenas deixou o pedaço em algum canto quieto e agradeceu o menor com um joinha. O qual foi por ele recebido com um sorrisinho.
— Bom, é algo simples, só precisamos de tempo.
A arqueira pega a bombona escorada para levar consigo, começando uma caminhada seguindo a lateral do morro, e todos os outros, com a exceção de Aranji, acompanham Lídia.
— Como de costume, Aranji vai ficar no topo do vale, cuidando de nós.
Nádila e Pomelo testaram a constituição da corda durante o caminho, brincando de cabo de guerra. E ao concluir que era um cabo de qualidade garantida, ambos mostram um sorriso presunçoso e serelepe.
— Geralmente, resolvíamos isso na conversa, mas, gente armada é surda de tanto atirar.
Circulando o morro, coisa que não levou mais de quinze minutos, o grupinho chegava na densa floresta onde o prédio se encontrava, se aproveitando da vegetação e terreno complicado para esconder os galões e chegar perto da instalação, onde conseguiam ouvir os adultos conversando.
Um deles circulava a carroça, analisando os containers. E batendo no plástico, fazia um estrondo profundo que ecoava pelo matagal.
— Dois IBCs, um deles é improvisado, mas ainda assim, é impressionante. — Era uma voz feminina. — De onde conseguiram tirar um negócio desses?
— Lugar certo na hora certa! Igual nós agora, ué!
O outro comentou, olhando para a subida por onde o quarteto de antes tinha chegado.
— Ou!
Mais um deles saía da construção, o mais baixinho, caminhando até os dois, pegando uma pedra do chão e arremessando em um deles, obviamente para errar e os alertar.
— Tão fazendo o que aí fora?
— Ah, a gente só tá olhando os tanque que os-
— E daí? É pra ficar dentro do prédio! Vai saber se aqueles molengas não vão voltar com mais gente?!
Suspirando, ambos os guardas voltam para dentro do edifício, subindo a escadaria para o segundo andar, onde parte do piso se fazia em um terraço, de onde podiam vigiar a região ao redor.
O terceiro, que mandou os outros entrarem, permaneceu por um momento, cuidando do veículo e dos arredores, até decidir voltar para a instalação. E no meio dos seus passos, ele percebe uma corda no chão, amarrada em um nó aberto.
— Ah, qual é, esse truque é velho.
Porém só um arrepio conseguiu ter, quando outra corda surgiu caindo por cima dele, e o prendendo no pescoço.
— E esse, é velho também?
Sussurrou Carlo, que estava atrás do guarda, segurando a corda, e o puxando para dentro do edifício, com a ajuda de Nádila e Pomelo.
Chegando ao terraço, os dois guardas voltavam a contemplar sua mais recente conquista.
— Bicho Véio vai dar mó agrado pra gente por ter arranjado esses latão.
— Pois é, pois é, ia dizer... — A vigia se apoia na mureta do terraço, descansan— Ai!
Sentiu algo picar seu braço, e ao analisar, viu o que parecia ser um inseto.
— Oh poxa! — Rapidamente estapeou o bicho, o mandando pro piso, e o esmagando ao pisar em cima. — Marimbondos ridículos, não têm mais o que fazer, não? Pestinhas.
Assim que ergueu o olhar para o outro guarda, racharam em um riso, aliviados da situação.
Desarmando-o e retirando parte de seu equipamento, o soldado era amarrado a um dos pilares da pequena passarela de entrada do edifício. E um após o outro, Lídia, Figo e Caju chegavam, em passos leves e ligeiros.
— Pomelo, se ele tentar qualquer coisa... — Nádila bate uma meia-palma quieta. — Nas mãos dele.
O menino assentiu, chutando parte da sujeira do piso para ter um lugar onde sentar, segurando a faca-de-mato pronta em suas mãos, cuidando os movimentos do guarda, que não parou de olhar para a machete, hiperventilando por um momento.
Chegando ao guarda, a arqueira o observou por um momento, deixando o silêncio correr livre enquanto olhava o equipamento que foi apreendido.
Cutucando-o para chamar sua atenção, Lídia gesticulou para que o rapaz não fizesse barulho, trazendo como garantia, uma flecha, a qual segurou perto do pescoço do rapaz. Para enfim soltar a corda que havia em sua boca.
— Bhah! Haah... Hah, ah! Caralho. — Ele sussurrava, enquanto recuperava o fôlego.
— Vamos começar pelo jeito fácil, de qual vila você veio?
— Pirralha... Vou lhe dar uma ideia cheque. — Respondia o guarda, sem reagir a seta abaixo do queixo. — Volta pra casinha da mamãe.
— Plah!
O tapa ecoava ao longo do corredor. Lídia balançava sua mão, assoprando na região da palma. As outras duas crianças apertaram suas caras em leve agonia, Nádila segurando um pequeno riso.
— Responda.
— Heh, heheheheh. — O guarda suspira, tentando ver a marca em sua bochecha. — Jota Três.
— Não tem nenhuma droga de assentamento aqui com esse nome.
— Claro que não tem, criança burra. Somos nômades, e, se eu fosse você, dava no pé, Bicho Véio tá vindo pra cá.
— . . . — Lídia pausou por um momento, olhando ao redor, e para os menores.
Ela aponta para a própria boca enquanto olha para Pomelo, e ambos procedem a amordaçar o rapaz com parte da corda.
— Não! Esper— Grahr! Hm! Mmmm!
Dentro do prédio, o ambiente era mais cuidado, não havendo mais sujeira por todos os cantos, apenas perto das janelas, que não tinham nenhuma proteção ou forma de serem fechadas.
No meio da construção, onde havia um grande conjunto de máquinas, cabos e canos conectados de diversas maneiras. Figo foi até um dos vários apetrechos, uma caixa, cheia de botões, alguns deles iluminados.
— A bomba tá desligada, obviamente, mas o sistema tá de pé, e com energia.
Sussurrou, enquanto caminhava até outro painel, o qual tinha várias telinhas com números.
— Não parecem ter extraído água até agora.
Após a checagem, o baixinho avança, indo em direção a uma escadaria.
Caju se aproxima das máquinas ao centro da sala, pequenas instalações com canos que iam, ou vinham, do chão, seguindo até um container que ficava no canto do cômodo, por fim terminando o trajeto em uma longa mangueira, que estava solta.
Embora sua análise não estivesse errada, isso ainda não a fazia ter ideia alguma de como aquilo tudo funcionava para obter água. Encontrava também, fixado quase ao topo de uma das paredes, um ícone de uma figura com os braços erguidos, e rosto abaixado.
Antes que pudesse investigar mais a fundo, recebeu um toque em seu ombro, de Carlo, a chamando para prosseguirem, acompanhando Figo.
Os guardas continuavam em sua conversa, porém, o mais alto ia ficando cada vez mais desfocado no assunto, pois, para ele, algo estava chamando sua atenção naquele inseto que havia picado seu companheiro.
— Mas olha, eu acho que é até melhor que a gente fique aqui, no meio do nada e entediado, do que lá pra baixo, enfrentando Anuladores, cê não acha, Bandeira?
O vigia mais alto se aproxima do inseto esmagado, se agachando e o examinando para logo notar, que o bichinho era feito de madeira, e que em seu ferrão, havia um fluído.
— ...! — Levantou ligeiro igual vendedor atrasado, preparando seu rifle em mãos e virando para a porta da escadaria, a outra vigia se atentando e fazendo o mesmo.
— Huh?! — Figo percebe a movimentação e se agacha, gesticulando para que Caju fizesse o mesmo, mas já era tarde, ela foi vista.
Bandeira ergue e mira seu rifle para a menina que arregalava os olhos e alcançava sua faca, ambos puxando todo o ar que podiam para...
Bang!
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