O som do disparo ecoa por todo o vale, espantando um mutirão de pássaros que erguem voo, fugindo em qualquer direção que pudessem. E estalando a atenção de todos os que puderam ouvir.
Cambaleando, o corpo recuava devido ao impacto do projétil recebido, mas sem equilíbrio, conflita com a mureta, cuja inércia era inegável, e forçando a mão do balanço, a figura não consegue se segurar, deslizando para fora do terraço.
Labaredas surgiam ao redor das mãos de Caju, porém, a queda do guarda, e o fato de que não foi ela quem levou o disparo lhe serviu de aviso para cessar o que estava fazendo. O fogo rapidamente retornando para dentro de seus braços.
Espantado pelas chamas, o segundo guarda também ergue sua arma, porém a lentidão com que fez já lhe era aviso de uma discrepância. Puxava o gatilho, mas este parecia emperrado, e se recusou a ceder, levando um instante a mais para a soldado perceber, que era seu braço que estava enfraquecido, assim como também o resto de seu corpo, cuja força subitamente despencou.
— O que? Mas, como?
Caindo lentamente, se escorou na mureta, seus músculos haviam parado de responder. Apenas seus olhos, respiração e uma voz ríspida permaneceram. Ela olhava para Figo, o qual mostrava um sorriso presunçoso, guardando sua zarabatana em um apoio da mochila.
Caju suspirou, e assim que aquele frenesim passou, algo puxou seu olhar para a escadaria, e na base desta, estava Lídia, ofegante, com o arco armado, seus braços pareciam quase explodir de tensão, pobre daquele que tivesse o azar de levar a flechada que ela podia atirar naquele estado.
Se olharam por apenas um segundo, garantindo para si que a outra estava bem, um breve momento que parecia durar horas, que só se quebrou quando Caju escondeu o rosto com as mãos, um brilho escapando dos olhos antes que fossem cobertos, aprontando Lídia a ir até ela, guardando a flecha e o arco para a abraçar.
— Shhh, shh, tá tudo bem. Tudo bem. Você não quebrou o trato, okay?
— Não quebrei?
— Não, não quebrou, está tudo bem.
Tirando a adaga das mãos dela e guardando-a no cinto, ajudou a vermelhinha a limpar as lágrimas, de brinde lhe deu um cafuné, aproveitando daquele instante para acalmar seu próprio coração acelerado.
Carlo observou as duas garotas, apertando os olhos levemente.
Quando se soltaram, Lídia se virou para a vigia, devolvendo o punhal para Caju e levando a mão até seu arco novamente, mas sendo barrada por Carlo.
— Ela já foi imobilizada. — Apontou Figo. — E foi o outro que tentou atirar.
— E cadê ele? — Inquiriu com um tom mais pontudo que suas flechas.
— Aranji já resolveu isso.
O baixinho zarpa até a vigia, e de sua mochila, ele tira um frasco, o qual administrou para a guarda em sua boca.
— Toma, isso vai diminuir o panque que esse negócio dá depois que o efeito passa.
Lídia não consegue segurar de mostrar um sorriso enquanto caminha até a beirada da mureta, olhando para baixo, avistando o guarda mais alto, deitado de bruços no chão, inerte.
Mas também o olhando, estava Caju, já no térreo, em pé, logo à frente do guarda, o observando fixamente. Sua atenção sendo fisgada pelo pequeno brilho de uma corrente metálica arrebentada, a qual ela viu que tinha pisado em cima.
Tirando o pé, e pegando o suposto colar, viu que neste havia um pingente amarrado, o qual estava parcialmente aberto, e ao terminar de abrir, revelava-se uma pequena foto de uma criança com um filhote de cachorro no colo, e riscado na portinha, uma frase e uma sequência de números.
Ela ergue o olhar até Lídia, escondendo o pingente no palmo, e ambas se fitam. Uma com um sorriso que lentamente amargou, e a outra suspirando com os olhos irritados.
O sorriso da arqueira desmancha, e ela se afasta da mureta. Virando-se na direção do vale de onde vieram, olhando para o topo do morro.
Sua imagem desfoca, subitamente perdendo distância conforme a luneta era baixada. Ainda havia fumaça saindo da boca do rifle.
A câmara estava aberta, o cartucho usado já havia sido ejetado, e uma nova munição permanecia na mão de Aranji.
— Hmpf. — Um exalo ligeiro, e ela coloca a munição na câmara e empurra a alavanca, terminando a recarga do rifle.
Pegando o pedaço de espelho que havia pedido, ela o ergue, a luz do sol batia neste, refletindo na direção do morro.
Assim que Lídia e Nádila saíram do prédio, o guarda amarrado consegue cuspir a corda que o amordaçava, e com isso, espiar a frente do edifício, conseguindo ver a mão do corpo que caiu do terraço, e ao reconhecer, espaventou.
— O que vocês fizeram?! Aquele, aquele é o, é o Bandeira? Por quê?!
Ele se debate, tentando se livrar das cordas. Pomelo prepara sua faca-de-mato, e isso serviu de incentivo para ele parar, mas permanecia ofegante, com os olhos esbugalhados.
Caju, ao ouvir a agitação, vem até o guarda e para em sua frente, se agachando, e, ao pensar no que dizer, começou a olhar para um canto qualquer.
— Ele... — Agarrou uma parte da própria camisa. — Tentou atirar em mim.
— E uma amiguinha nossa deu conta dele, só isso.
Nádila declarou, mostrando um sorrisinho enquanto passava pelo vigia, que bufava.
Avistando o sinal de luz de Aranji, o quarteto, dono da carroça, saía lentamente de trás das rochas de onde tomaram proteção, começando a descer o morro, em direção ao edifício.
Ao se aproximarem, os caçadores conseguem ver que todos eles tinham a cara coberta por uma tinta cinza de textura metálica, e usavam ponchos escuros, os quais, escondendo no tecido, tinham suas armas em mãos.
Em sua chegada, tiveram a vista do grupo de caçadores, terminando de organizar os galões que trouxeram, agora cheios de água. Nádila e Caju levam a mangueira até a entrada de um dos containers da carroça. Lídia sinalizando para Figo, que ativou a bomba.
Carlo saía da instalação, levando consigo a vigia, que conseguiu recuperar seus movimentos, porém agora restringida por mais uma tira de corda.
E soltando o guarda baixinho, levaram os dois para a frente da carroça, os amarrando novamente um no outro.
Pomelo foi até a frente do prédio para os receber, e fitou os olhos ao reconhecer o pessoal.
— Prateados!
O resto do grupinho se atenta, a maioria dos "caçadores" revela-se animado, com Lídia e Figo indo até à entrada para os ver.
— Oopa! — Um deles se anuncia, e guarda a faca que tinha. — Que baguncinha, não?
— Vocês têm alguma ideia de quem são?
Lídia tomava a frente, gesticulando para os guardas que tinham sido detidos.
— Pior que esse pessoalzinho é novo.
— Se eu não me engano, são parte de uma caravana. — Outro prateado respondeu, apontando seu bastão para a subida do morro. — Passaram lá perto de casa, faz uns dia.
— O baixinho disse que eles são de uma tal "Jota Três".
Lídia elaborou, guardando o arco ao colocar este pendurado no próprio ombro.
— Mas nunca ouvimos falar.
— Bah. — O prateado do revólver caminha até a carroça. — O problema mesmo, é se livrar do infeliz que caiu. — Dizia, olhando o corpo estirado.
— Pois é, não dá pra deixar ele aqui, vai comprometer o suprimento.
Pomelo apontou, curvando a boca conforme chegava perto.
— Podemos levar. — Sugeriu outro prateado, o único desarmado. — Preciso de, recursos pra minha plantação.
Silêncio domina conforme os outros rapazes olham pra ele, incluindo os guardas e parte dos caçadores.
— Que foi?
— Não costumo gostar dessas gambiarra, mas lucro é lucro. — O prateado do bastão comenta.
O prateado do revólver assentiu, e levou a mão até a carroça, acessando uma lona de plástico que havia dentro de um compartimento.
— Isso vai dar uma sujeira... — O carinha da faca adiciona. — Mas acho que com uma chuva, resolve.
— Bem crianças, acho melhor vocês irem, pra não ver isso.
O desarmado sugere, ajudando a estender e arrumar a lona.
Caju foi primeira a concordar ao buscar seu fardo, o colocando nas costas e olhando para os outros caçadores, os esperando.
Em seguida, Pomelo, Figo e Carlo fizeram o mesmo, Lídia ficando por último.
— Gradeço já por salvar nosso carrinho, encher nossos ibecê, realmente, tamo muito grato.
— Hm.
A arqueira grunhiu, mostrando um pequeno sorriso e assentindo. Ajeitou o galão que tinha a levar, usando o suporte de cordas para o carregar como uma mochila, tendo a pequena desvantagem de agora ter de levar o arco em mão.
Assim o dia terminava, de começar. Os caçadores batiam em tranquila retirada, subindo o morro dessa vez pelo caminho direto e despreocupado, e encontrando Aranji, para a entregar o galão que ela tinha de carregar, e resumir o trajeto.
— E que horas são agora?
— Recém oito e meia, vocês até que chegaram cedo, mesmo com o incidente.
Ao meio do vilarejo, conversava Figo e Amora, conforme chegavam os caçadores, que não tiveram muito de uma caçada, mas juntavam os galões, cheios de água potável. Os agrupando, Figo pegava um bloco de notas velho e uma caneta quase sem tinta de sua mochila, iniciando anotações.
— São oitenta e cinco litros, trinta e cinco a mais que o comum, já que a Caju e o Carlo vieram junto.
— Justo, bom trabalho! — Amora pega dois dos galões de dez litros. — Teremos um jantar no casarão hoje á noite, se quiserem vir, estão todos convidados.
Terminava com um joinha e um sorriso, se retirando.
— Espere. — Lídia se levanta, alcançando a guardiã. — Tem um-
— Não aqui, querida.
Amora assentiu na direção de sua casa, e a arqueira concordou, gesticulando para o grupinho que retornaria em breve.
Adentrando o casarão, a guardiã espia os arredores de seu lar através de frestas nas janelas, e vasculha a casa, procurando por qualquer outra presença, aproveitando o caminho para deixar as bombonas na cozinha.
Lídia também aproveitou do momento para ir a seu quarto, guardando o arco e a aljava, alongou-se por alguns segundos, só para estralar as articulações e soltar aquele longo exalo de finalmente baixar a guarda cansada por um instante, dando também uma espiada através de sua janela.
Lá fora, havia apenas o grupinho dissolvendo, cada um saindo na direção de uma casa enquanto carregava um ou vários galões.
— Bem, vá em frente. — A maior permitiu, conforme se reuniam na sala de estar.
Apenas Amora se sentou, Lídia se pondo perto da porta.
— O pessoal que a gente teve que atropelar do poço, não era de nenhum assentamento próximo.
A guardiã apenas apoia os cotovelos nas pernas, e entrelaçando os dedos em frente ao rosto, esboça uma feição amassada, apertando os olhos conforme olhava para vários objetos na casa.
— Eram de um comboio, que passou perto de Mamões há alguns dias. — Lídia prosseguia. — Faz alguma ideia de quem sejam? Um deles disse que o grupo se chamava "Jota Três".
A expressão da guardiã se reforça através de um suspiro.
— Eu... — Ela bate as mãos encima dos joelhos. — Não faço a mínima ideia.
Por fim, Amora respondia, balançando o rosto pros lados.
— E um deles- — Lídia pressiona os lábios, desviando o olhar para a esquerda. — Um deles teve de ser derrubado pela Aranji.
A guardiã se levanta, mas é a arqueira que dá um pequeno pulo e leva as mãos pra perto do peito.
— O que foi? — Amora ergue a sobrancelha perante a súbita reação da menina. — Obrigada por me informar, ué. Tem mais alguma coisa?
— Uhm... Não! Não, isso é tudo. Hih- hihih!
Lídia leva o braço para trás do corpo, alcançando a maçaneta para abrir a porta, escorrendo rapidamente pra fora da casa enquanto mostrava um sorriso aberto, mas claramente forçado.
Amora permaneceu ali, e de comentário ao comportamento de Lídia, teve apenas um grunhido.
Seu foco se dando na segunda gaveta que havia num dos criados da sala, de onde tirou um aparelho telefônico, consideravelmente antigo e empoeirado.
O colocando sob o criado, puxava da gaveta, também um par de fios.
O primeiro era um cabo de força, o qual imediatamente foi a tomada mais próxima, e o segundo, um conector estranho, o qual Amora inseriu em uma entrada na parede atrás do televisor.
O telefone apita um chiado fraco, e começa a tocar um ruído familiar.
Apertando apenas um dígito específico, iniciou a discagem...
Ch-rrrrrrrr... K-K-Rt!
— Mas... O que? Que [KRRT] de número é esse?
— Matriz-amate, aqui é Alvorada. Me direcione para a Lua Verde... — Amora ordenou.
— Oh.
. . .
— Faz tempo que não recebo ligações de casa, estava com saudades.
— Temos a sua estrela rubra, faremos a entrega em Satilha assim que possível.
— Mas já?! Aww, adoro presentes inesperados.
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