Chegando a cozinha, Leivos retirava o manto que sempre levava consigo, e o deixava pendurado em uma cadeira. Indo para perto da janela, apoiava as mãos nesta, observando da casa a fora.
O sol ainda ascendendo, morno, o vento levava e trazia folhas, flores e até insetos pelos ares consigo. Entregava ao conselheiro, a mesma recepção que dava a todos que saíam de suas casas, uma brisa fresca de um ar jamais tão limpo. Que os trazia justo o vigor que precisavam para realizar suas tarefas.
A ventania chiava, como se a própria Terra estivesse respirando. Ruído que abafava as conversas dos vários moradores de Linha Castanha, deixando-os apenas existir como figuras em uma pintura, a caminhar, muitas vezes acompanhadas, carregando alimentos, materiais, ou ferramentas.
Cinco ou seis menores passavam correndo, disputando a subida de uma árvore a qual estava recheada de frutos, dois deles, trazendo bolsas, de diferentes tipos, uma delas já parecia estar cheia.
Logo depois deles, dois adultos, carregando cestas vazias, chegavam sem pressa alguma, para os coletar.
Em questão de minutos, o pé de tangerinas era drenado, e as cestas se enchiam, o pequeno grupo se organizando para as carregar. Um deles aponta para uma mulher que passava por perto, eles trocam algumas palavras, e ela gesticula em resposta, um pequeno, mas rápido movimento da cabeça, logo os alcançando para auxiliar na tarefa.
Os outros, ficavam pendurados, comendo algumas das frutas que sobraram. Juntando as sementes nos bolsos, e as cascas, em uma das bolsas.
Depois saindo, caminhando em direção a uma outra região, uma planície ampla, com algumas poucas árvores pequenas, das quais o único detalhe incomum, eram pequenas estacas brancas, fincadas em pontos aleatórios.
Seguidos por um rapaz, o qual, ao alcançar estes, ajuda a retirar uma das estacas.
Várias mãozinhas atacavam aquele chão, o cavando, um solo escuro e levemente úmido se fazia embaixo daquele denso gramado, e ali as sementes e cascas eram derramadas. O buraco era fechado pela mesma terra e as mesmas mãos que o criaram, e a vegetação que o cobria, puxada de volta, não com a solidez de um carpete, mas o conforto de um edredom.
Abrindo uma das bolsas, de uma tampa, água esverdeada, mas ainda água, era despejada no mesmo perímetro, e por fim, se retiravam, voltando para o centro do vilarejo, onde os outros estavam, para oferecer e distribuir as frutas para os outros moradores, direto em suas casas.
Entrando no casarão, Amora desfazia o nó das mangas do moletom que tinha amarrado em sua cintura, o jogando sob a cama de seu quarto, e sentando-se sob o colchão, retirava a armadura que tinha nas pernas, guardando as perneiras, botas e caneleiras em seu armário, vestindo apenas um calção curto e um par de chinelos no lugar de toda aquela quinquilharia.
Uma sensação de leveza lhe subia conforme levantava para caminhar até a cozinha do casarão, ligando a luz do cômodo e deparando-se com Leivos na janela.
— Ah! Você está aí!
Virando-se, os braços dela o encurralavam, não havia como escapar daquele abraço.
— Estava precisando de você.
Terminava o abraço, mas ainda segurando em suas mãos.
— Poderia buscar algumas coisas no porão, pra mim? Por favorzinho?
Mostrava um sorriso disfarçado, fixando o olhar em seus olhos.
O conselheiro visualiza ao redor, procurando alguma coisa.
Aos poucos, o sorriso de Amora começa a desmanchar, com ela soltando as mãos do conselheiro.
Até que, ele encontra, em sua periférica, uma breve imagem do pé de tangerina.
Devolvendo o olhar a ela no último segundo, segurou em suas mãos, e assentiu em um leve, mas rápido gesto com a cabeça.
— Ah! Você vai? Oh, meu querido!
Ela lhe entrega um selinho na bochecha, e após este, se afastou, o soltando para acessar um dos armários, de onde tirou uma cesta, amarrada a uma longa corda, a levando para a salinha de reuniões, e se preparando para erguer a mesa, a qual, por alguma razão, era muito mais pesada do que parecia.
Leivos a acompanhou, e ambos retiraram o móvel do centro da sala, para soltar o tapete que cobria o meio do cômodo, e ao enrolar este para o lado, um alçapão metálico era descoberto.
A guardiã ergue uma sobrancelha depois das ações, olhando para os braços de Leivos, mas logo disfarçou sua estranheza. E puxando uma trava, a portinha se abria, com um leve ruído de metal enferrujado.
Um ar mais frio, úmido, e inerte, vertia para fora da entrada, sensação que trazia uma calma desconfortável para o conselheiro.
De sua vestimenta, ela retira uma lanterna decorada por um chaveiro de corda, e a ativa, iluminando a descida da entrada que se fazia em uma longa escada, a entregando junto de um pedaço de papel para Leivos.
— Aí tem a listinha, quando tiver tudinho, me avise. - Complementou, deixando a cesta com a corda do lado do alçapão.
Ele sequer comentou, apenas se aproximou da escada, e, com cautela, tentava pegar o jeito de lidar com aquela estrutura estranha.
Para o rapaz, já não era fácil tentar entender como navegar aquele caminho vertical, e sua perna mecânica não lhe dava piedade alguma.
Mas, eventualmente, aprendeu o jeito da coisa, colocar o colar que segurava a lanterna no pescoço certamente facilitou a tarefa.
Movimentos sob o metal
geravam leve ruído que ecoava
ao longo da descida.
Pingos caem em piso molhado,
criando estalo que reverbera no espaço,
sua origem indeterminada.
Luz da lanterna
falha por um instante,
mas logo brilha.
Por fim um passo
dava em chão sólido,
fim da descida.
Água em concreto, suja pela poeira, mas de natureza morta, era um aroma fortemente presente assim que chegava ao piso.
Apontando a lanterna para a entrada, avistou Amora, soltando a cesta amarrada e a despencando até a base da escadaria, onde a deixou.
Nada havia naquele pequeno espaço senão a moldura de uma porta, que levava a um corredor o qual terminava em outra.
Porém, ao entrar neste, viu que em sua direita, haviam alguns apetrechos instalados, uma espécie de máquina com esfregões, na qual um pouco de água suja ainda restava, com um par de botas velhas e danificadas escorado nesta, mas a máquina em si, nada fazia.
Logo à frente, uma pia, com duas torneiras, mas ao acionar qualquer uma delas, nada saía, nem mesmo um ruído de ar correndo no encanamento.
Também havia uma lixeira, e um suporte acima dela, mas nada havia no suporte.
E por fim, acompanhando a moldura da porta, uma caixa sob um pedestal, com dois pequenos furos embaixo da caixa, mas esta, nada fazia.
Porém, mais desconcertante que isso, era a coceira nos olhos que causava o painel escuro que ficava sozinho na outra parede daquele corredor, ao apontar a lanterna para este, o feixe o atravessava, se derramando sobre uma profunda escuridão que parecia não ter fim.
Leivos considerava apontar a lanterna para outro lugar para evitar desperdiçar a luz.
Tocava sua mão na janela, sentindo uma certa plasticidade no material que a compunha, algo que não era totalmente vidro, mas que por isso, era mais resistente do que aparentava ser.
Mas voltar, a luz começou, mesmo que apenas em pontos brilhantes refletidos em grades metálicas e grandes painéis.
Sobre o chão a seus pés, haviam manchas e danos no piso cerâmico daquele ambiente, marcas na forma de rastros, que seguiam todos em direção a um lugar perto daquela janela, mas que até então, não era visível.
As marcas conduziam sua lanterna até a porta que o barrava de prosseguir, mas, nada que um giro de uma maçaneta não pudesse resolver.
Ao se abrir, o portão fez questão de produzir um rangido grave que reverberava intensamente ao longo de um novo e mais longo corredor, além de possivelmente outros cômodos, e também estremecendo o interior do corpo de Leivos.
Em sua direita, mais uma porta, e desta sim, vinham as marcas, em riscos mais fracos, que seguiam até o fim do corredor para prosseguir para outra passagem.
Ao lado desta, mais uma entrada, que levava a um espaço pequeno, onde haviam alguns armários, um destes um tanto estranho, já que aparentava ser desnecessariamente mais complexo que as outras despensas que o rodeavam.
Apenas duas portas, uma já aberta mostrando um espaço quase vazio senão por divisórias de grade, ao chão, um baú de plástico, e ao teto, uma passagem de ar.
Mesmo estando intrigado com o objeto, seu objetivo era o armário logo ao lado, onde ainda sobravam algumas caixas fechadas, nas quais haviam etiquetas com escritas e números.
Agachou-se a altura do compartimento e olhou as escritas no bilhete.
Ele lia o papel, e as etiquetas, várias vezes.
Até encontrar na lista, uma sequência de riscos que batia com os riscos da etiqueta.
Pegava o produto em questão, e o deixava separado do resto, e colocando outros pacotes empilhados encima deste, seus movimentos eram precisos, a ponto de que a pilha de produtos podia ser levada com uma mão só.
Porém, ao olhar de volta no corredor, algo chamava sua atenção.
Se aproximava, da porta a esquerda da qual entrou, a qual aparentava estar trancada.
Nesta, havia uma pequena abertura, da qual saía um conjunto de cabos e mangueiras, as quais de vez em quando eram unidas por fita ou arames.
Ele se agacha, e aproxima o rosto dos cabos.
Apenas aí, que é possível ouvir, um ruído contínuo e estável, talvez não apenas um, mas uma harmonia de sons similares, chiados de baixas e de altas frequências quietinhos que ressoavam uns entre os outros, seguindo por todos aqueles filamentos até o final do corredor.
Onde viravam para a esquerda, para um local qual
Leivos ainda não tinha visto, ou chegado.
Largava os produtos ali mesmo, no chão, ao lado da entrada dos fios, e ao se levantar, andarilhou seguindo o trajeto dos cabos.
Esquivou-se da mesa atravessada no meio da passagem, e por fim, chegou a curva do corredor, descobrindo que este se estendia por mais alguns metros. Os cabos seguiam até uma grade, onde desapareciam no escuro.
Se aproximando, encontrava outro caminho estranho, uma escadaria, mas não como aquela que tomou para entrar naquele ambiente, mas que também descia ainda mais a fundo.
Passando através de uma abertura na grade, os cabos despencavam como água em uma cachoeira, até seguirem mais um caminho, saindo de vista.
Entretanto, Leivos seguia em frente.
Também sofreu um pouco para aprender a descer a escadaria, nesta, ao menos conseguia entender o que precisava fazer.
Já estava sendo enjoativo chegar em cada passagem, e ser recebido por mais um corredor, mas este, ao menos, tinha um fim, marcado por uma moldura luminosa, um resquício de luz que ainda conseguia entrar.
Chegava a porta dupla, e tentava a mover, mas esta resistia, especialmente pelas correntes que a trancavam. Das quais demoraram um momento até Leivos notar.
Mas assim que as percebeu, já não tinha mais tanta paciência sobrando.
Agarrou os anéis da corrente, a apertando, sua mão retornando a ter uma forma pontuda e desprovida de cor.
— Clac! — Um dos anéis não aguentou, e assim que este partiu, se tornava apenas uma silhueta, a qual derretia em pó.
Comments (0)
See all