Puxava uma das portas ferozmente, o resto da corrente chicoteando para fora da abertura. E vinhas e raízes se arrebentavam ao serem puxadas junto, com um pouco de terra despencando de cima, para dentro do lugar.
O clarão de um dia iluminado invadia o corredor, pegando Leivos em surpresa, como alguém que nunca lidou com uma granada de atordoamento.
Desfocado, levou um momento até sua visão se acostumar com a claridade, gradualmente ganhando foco no cenário de um vale, cercado pelas copas de árvores, e também de nuvens, que se apresentavam até o horizonte.
Ao seu redor, uma vegetação mais desenvolvida que a do vilarejo, de grama alta e recheada de flores, cujos caules eram emaranhados por fios esverdeados, os quais conectavam a centenas de monitores, os quais descansavam ao longo do barranco onde Leivos surgiu.
Todas as telas eram inclinadas em direção ao céu, e delas, uma tímida polifonia de chiados agudos ressoava. Acompanhadas pelo grave ruído do cabo que seguia para dentro da instalação.
O dia perdia um pouco de sua claridade, conforme uma nuvem bloqueava a chegada da luz naquela região. E no mesmo instante, a orquestra perdia um pouco de sua intensidade, mas não deixava de tocar.
O conselheiro observava ao redor, e a única coisa que conseguiu fazer naquele momento foi erguer uma de suas sobrancelhas, ato do qual até ele nem sabia como conseguiu fazer.
Retornando para dentro do corredor escuro, fechava a porta enferrujada, e abandonava a corrente que arrebentou, sobrando apenas o eco dos anéis rangendo e de seus passos a explorar todo aquele espaço quieto.
Tomava o caminho de volta, e desta vez, indo na direção oposta do cabo, até chegar na porta pela qual em uma fresta, os cabos entravam.
Novamente, enfrentava uma porta soldada, porém desta vez, bastou fazer a própria solda desmanchar, logo se abriu, só com um pouco de dificuldade devido aos fios.
Mais um pequeno corredor se estendia, com três molduras para observar.
Em sua esquerda, uma passagem qual, ao ser levemente iluminada, mostrava o suporte de uma cama, mas sem colchão ou qualquer tecido por cima.
Já na direita, uma salinha, cheia de estantes, lâmpadas, e caixinhas com terra.
O som de um estalo vem da entrada pra onde os cabos seguiam, Leivos tendo um pequeno espasmo, olhando ao redor conforme o ruído ecoava ao longo de toda a instalação. E assim que este se esvaía-se, um zumbido sutil tomava seu lugar, tendo o mesmo local como origem.
Chegando a moldura, adentrou a salinha e encontrou o destino dos cabos, mais um armário estranho, este, cercado de sacos de areia, alguns deles furados, mas nenhum grão mais caía, com montinhos quase perfeitos ao chão ao redor. Parte da areia também se espalhava no chão, e nesta, haviam pegadas.
O zumbido vinha do armário, mas antes de se aproximar deste, Leivos observava o resto da sala.
Havia uma cama, e embaixo dela, uma escadinha, de apenas dois degraus, uma mesa, e um suporte metálico, o qual nada suportava.
Visto que não havia nenhuma ameaça naquele espaço, alcançou sua mão no armário.
Ao abrir, uma névoa fria derramava para fora, azulada por uma luz que ativou dentro do contêiner. Havia apenas uma divisória, a qual mantinha algumas caixas ao topo, com latas de alguma bebida.
E na parte mais baixa, havia um acumulo de uma areia mais branca e fria, e enterrado nesta, alguns pacotes, e um frasco, o qual fisgou a atenção de Leivos.
— Ainda vai demorar muito aí?! — A voz de Amora inundava todo aquele ambiente, reverberando até mesmo ao fim da escadaria.
Leivos se ergue, e leva o frasco pra dentro do peito, o objeto sendo engolido por seu corpo, e desaparecendo em seu interior.
Retornando para a passagem principal, pegava a pilha de produtos na cozinha, e seguia até a salinha por onde chegou.
Verificou novamente se os produtos que tinha estavam de acordo com a lista, e os colocou na cesta. Enfim dando uma leve puxada na corda, com o ranger do gancho metálico chamando a atenção de Amora.
— Obrigada, melzinho! — Disse de lá de cima, antes de sumir de vista da abertura, e a corda começar a puxar, trazendo a cesta.
Retornando até a despensa na qual ainda haviam suprimentos guardados, Leivos abre algumas das caixas, vendo que seu conteúdo não passava de alimento, grãos e produtos enlatados, de longa validade.
Ele arregala os olhos, e aos poucos, suas mãos pressionam no pacote, seus dedos estendendo e afinando até formarem espinhos, conforme seus braços distorciam em um formato poligonal.
A caixa, e o alimento que segurava, perdia sua cor, e eventualmente, sua integridade, desmanchando em areia dessaturada, que se derramava pelo piso.
Pegava mais caixas, e as arremessava para qualquer direção, e assim que tocavam qualquer coisa sólida, se desmanchavam em mais poeira.
Atirava os objetos em uma frequência cada vez mais apressada, até nem os dar mais a chance de colidirem com o chão ou as paredes antes de virar pó.
Por fim, ali ele permanecia, ofegante, olhando ao redor, vasculhando, nada mais encontrava.
Nada mais, se não, nós.
Puxou o ar bruscamente, arregalando os olhos, mas ainda sem conseguir enxergar, a soldado logo sentia a rude presa das amarras quais a segurava junto de seus companheiros, com um odor extremamente doce e frio ardendo em suas narinas.
Quando sua visão ganhou nitidez, notou que estavam presos a um poste metálico firmemente fincado ao chão, no qual havia uma placa sinalizando um quebra-molas. Grande parte da placa era coberta por fuligem, demarcada por impressões de mãos ao redor do pilar.
O entardecer já havia chegado, com as sombras se estendendo até cobrir tudo exceto pelos topos dos morros ao redor. Começara também, o convite da noite, a primeira a chegar sendo a lua, já visível no céu.
Mas não solitária, pois junto dela, a soldado enxergava também a silhueta de uma alta estrutura feita de finos segmentos logo acima, cuja parte que ainda era tocada pelo dia revelava que sua integridade se fazia por metal, unido por parafusos e soldas.
Do farelo de luz restante, era possível enxergar seis moradias ao redor da torre, que compunham o pequeno assentamento. Habitações de madeira velha, muitas vezes rodeada por pedaços de sucata de origem incerta. A carroça com o tanque de água descansava em um pequeno galpão separado.
Sua pele irritava, e só assim percebeu que estava vestindo um manto velho, sem sinal de seu uniforme, nem sequer seus equipamentos. O tecido estava encharcado com um líquido, que provavelmente era a causa do cheiro desagradável.
— Bandeira, acorda... Bandeira... — Um dos soldados dizia, enquanto cutucava o outro com o joelho, tal estando desacordado.
— Ch-... Charlie? — A recém despertada chamou, olhando para o agitado.
— Acate... O Bandeira...
Acate virava o máximo que podia, vendo a figura de Bandeira amarrada na direção oposta da voz de Charlie.
— O que aconteceu com ele?
— Derrubaram ele... Quando a gente tava na bomba.
— ...
Charlie tentava respirar, mas sentia-se impedido, como se tivesse bolhas de vidro presas na garganta, tentando bota-las pra fora.
— Eu devia ter- prestado mais atenção, por que? Eu m-andei vocês irem pra dentro! Por que?!
Porém, o desaguar em seus olhos teve de se interromper ao ouvir os estalos de um isqueiro, suas lágrimas refletindo então, o laranja de uma chama sendo criada, na ponta de pano de uma tocha, a qual era segurada, a poucos metros deles.
Apenas com a luz do fogo, que um grupo de faces metálicas surgia, ao redor dos soldados.
Roubados de todo o fôlego pela sensação de dezenas de barras de ferro atravessado seu peito, Acate e Charlie congelam, incapazes de elaborar qualquer sentença compreensível.
Sobrando de ruído, apenas o vibrar e estalar das chamas, o vento a correr, sacudindo as folhagens da floresta ao redor.
— Heh... Heheheheh.
Uma das faces cromadas sorria, e as outras gradualmente faziam o mesmo, cada uma em seu ritmo, conforme risadas abafadas ebuliam de cada um.
Charlie foi o primeiro a berrar quando a ponta-de-fogo caiu em seu colo, inflamando o tecido encharcado que vestia, assim como o de seus próximos, levantando uma fogueira ao redor da placa.
O fogo rouba o ar de sua garganta, o silenciando conforme se debatia, parando apenas ao cair para o lado.
Gargalhadas e labaredas disputavam com os gritos de Acate para ver quem quebrava mais do silêncio do vale.
Os prateados jogam pedaços de madeira em cima dos soldados, cobrindo suas pernas com lenha solta que começava a arder.
Em minutos, as chamas acalmaram para um fogo mais estável e contínuo, e todas as vozes aquietavam, nada mais se reconhecia dos soldados, restando apenas uma massa sem cor em seu formato.
Uma densa fumaça começava a surgir, rodeando toda a fogueira.
— Gh-, haaah... — Um exalo seco e profundo surge da massa, acompanhado de um brilho sem cor em meio as chamas.
Aos poucos, a massa se erguia e mesclava, duas de suas mãos agarrando na placa, enquanto uma terceira apoiava-se em seu joelho para levantar. E os risos cessavam.
E assim que se ergueu, arrancou o poste consigo, o mantendo em uma das mãos, enquanto a outra retornava para o próprio corpo. Os prateados recuavam.
Ainda queimando, virava-se para encarar aqueles que haviam o prejudicado.
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