Thomas percorreu lentamente o caminho de terra coberto por neve que voltava da residência dos Hayes em total silêncio. O sol ainda não havia se posto, na realidade ainda faltava poucas horas para o horário do almoço, no entanto, ele sentia-se envolto no mais profundo breu. Não tinha se passado tanto tempo desde o momento em que recebera a notícia que abalou todas as suas estruturas, fazendo-as desmoronar.
Maria estava morta!
Ele encarou sem ânimo a neve branca que se estendia por todo o seu campo de visão, não havia chorado, talvez pelo fato de ainda não ter digerido toda aquela situação, não havia um corpo que comprovasse a morte de Maria, então, Thomas subconscientemente queria acreditar que tudo aquilo não passava de uma brincadeira de mau gosto, e que a qualquer momento Maria surgiria rindo estridentemente, dizendo que ele havia caído como um patinho naquela mentira.
No entanto, após sua ida ao casebre dos Hayes, ele não pode ignorar a destruição que havia ficado como um vestígio doloroso do que mais temia, a palha ainda estava manchada pelo sangue de Maria que exalava um forte cheiro de ferro e um novo túmulo havia sido feito ao lado de onde a esposa de Theodor havia sido enterrada, uma pequena cruz de madeira feita com dois galhos de árvore e uma linha vermelha velha com contas o enfeitava.
Thomas sentiu seu rosto quente e úmido, passando a mão sobre a pele, percebeu que as lágrimas haviam começado a fluir inconscientemente. Encostando-se em uma árvore, ele fechou os olhos e suspirou profundamente sentindo seu peito doer.
Aquilo não poderia estar acontecendo.
Maria não poderia ter morrido.
Thomas já tinha completado dezessete anos, a idade em que todos passam a enxergar os jovens como adultos, logo sua família arrumaria uma noiva para que ele pudesse construir sua própria família e por mais que negasse, ansiava por isso. Em pouco tempo, iria para as cidades altas com seu pai e participaria de uma revolução que mudaria o destino de todo o reino, teriam o apoio de muitos nobres e plebeus, lutaria ao lado de seus companheiros em busca dos direitos que lhes foram arrancados pela realeza.
Ele ansiava por tudo isso, como qualquer outro jovem de sua idade, almejava toda aquela glória em seus sonhos...
No entanto, nada mais daquilo parecia ter sentido, como ele poderia imaginar seu futuro ao lado de outra mulher além de Maria?
Noah possivelmente já estava ciente de toda a situação, assim como todos os moradores do vilarejo, talvez, tenha até sido ele quem ajudou Theodor a enterrar o corpo de Maria.
Thomas não conseguiu mais controlar suas lágrimas, não quando finalmente percebeu que nunca mais veria a pessoa que amava, que nunca seria capaz de se declarar e obter nem que seja uma resposta negativa, que não tivera a chance de se despedir da pessoa que amou por quase dez anos.
— Injusto... isso é tão injusto!
Não fazia nem ao menos quatro dias, quando ele a viu pela última vez, ela sorria ao contar como a freira elogiava sua forma de costurar, qual sua mãe a tinha ensinado quando ainda estava viva. Maria estava tão feliz, por que diabos justamente ela de todas as pessoas teve que morrer?
•••
Thomas não queria voltar para casa, não quando sabia que sua mãe o esperaria com uma expressão preocupada, de quem não sabe como tocar no assunto, talvez temendo atiçar ainda mais todo aquele sofrimento que lhe sugava qualquer fragmento de felicidade. Ele se odiaria se a magoasse, qualquer palavra impensada que saísse de seus lábios naquele momento, poderiam lhe trazer um grande arrependimento futuramente. E havia também Elisa, sua pequena e bisbilhoteira irmãzinha, qual o maior sofrimento presenciado fora a perda de sua amada galinha de estimação.
Suspirando, Thomas passou a andar vagarosamente até notar o lugar a qual se encontrava. Não havia nada de especial ou que diferenciava aquele local de qualquer outro da floresta, havia árvores, arbustos e a terra era coberta por neve. No entanto, fora exatamente ali que ele encontrou aquela estranha dupla, que naquele exato momento se encontrava escondida no depósito de lenha e ferramentas da casa de seu falecido avô, casa essa que futuramente pertenceria a Thomas e sua ainda não formada família.
Essa área da floresta ficava a uns vinte minutos do casebre dos Hayes, e andando lentamente, levaria uns quinze até chegar a primeira casa na entrada do vilarejo. Há três dias, Thomas percorria esse mesmo caminho em direção a casa de Maria, no entanto seus planos de passar o dia com a mesma foram interrompidos ao encontrar dois homens feridos em meio a um arbusto coberto por neve.
Ivan era como um animal selvagem ferido, vigilante e feroz, atacando qualquer coisa que se aproximasse de seu companheiro. Thomas havia sido pego de surpresa, nunca esperando encontrar um homem tão grande e assustador que quase o matou asfixiado. Ainda era capaz de sentir o aperto mortal daquelas mãos em seu pescoço. Já o companheiro de Ivan, Thomas não o havia visto sequer uma vez com os olhos abertos, ou dando possíveis sinais de que acordaria. Chegou a pensar que o mesmo estava morto, era uma visão assustadora para si, nunca imaginou encontrar um homem tão bonito em sua vida e se negava a pensar que essa mesma beleza era como um cadáver inerte, sendo carregado de um lado para o outro por um homem assustadoramente alto e feroz.
Por conta da ajuda prestada a essa dupla que Thomas não fora capaz de ver Maria pela última vez, antes do incidente que lhe tirou a vida. Porém, ele não os culpava de forma alguma, já que aqueles dois estavam envolvidos em seus próprios problemas, que não pareciam ser nem de longe pequenos.
Com pesar, Thomas notou que não lhe restava mais nada além de lamentar.
No entanto, os planos de perambular pelas trilhas da floresta antes de retornar foram imediatamente esquecidos quando uma figura familiar entrou em seu campo de visão. Ivan andava cautelosamente pelas ruas desertas, coberto da cabeça aos pés por um manto negro, olhando de um lado para o outro como um ladrão furtivo. O corpo de Thomas retesou ao perceber que estava prestes a gritar, para assim tentar chamar a atenção do outro.
Olhando para os lados, Thomas encontrou uma pequena pedra, que foi lançada na direção de Ivan no intuito de chamar sua atenção. O que deu certo, pois antes da pedra atingir o chão, ele foi capaz de sentir os olhos do outro sobre si. Antes mesmo que desse conta, Ivan parou em sua frente.
— Eu estava lhe procurando, você não apareceu como disse que faria.
Ivan o encarava com uma insatisfação evidente, fazendo com que Thomas se sentisse completamente envergonhado, pois havia se esquecido completamente de ter prometido voltar no dia seguinte para ajudá-lo a limpar o corpo do homem que naquele momento parecia estar mais morto do que vivo.
— Você já está com saudades? — Thomas forçadamente riu tentando soar descontraído, no entanto achou que sua voz saiu estranhamente rouca.
Um olhar de depreciação foi a única coisa que conseguiu, com sua inútil tentativa de esconder seu estado deprimente.
— Esqueça — suspirando, Thomas bagunçou seu cabelo, sentindo-os úmidos pela fina neve que havia caído logo pela manhã, um leve rubor se espalhou pelo rosto fazendo com que ele se sentisse como um tolo. — O que aconteceu agora?
— Wi... quero dizer, meu amigo acordou!
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