-Cáspita. - Não sei o que significa, mas sempre que minha avó ficava impaciente, dizia.
Nesse momento senti uma sensação terrível permear meu corpo e um arrepio percorrer minha espinha. Meus ouvidos começaram a apitar, de forma involuntária meu pescoço começou a se tornar para a esquerda - a direção da porta do apartamento, que estava aberta. - e em meio às sombras do hall entre as escadas e o meu apartamento, vi uma silhueta terrível, com um corpo magro e esguio, olhos amarelos brilhavam na umbra como os olhos de um predador.
-Atchê… - Ouvi a voz arranhada do tal, seguido de uma nuvem de poeira que levantou de seus pés, avançou na direção do apartamento.
-CARALHO! - Gritei assustado, sem saber o que fazer, esperei a morte, por estar numa cadeira de rodas, a única saída seria avançando na direção da porta e fazendo a volta, não posso pular por cima do balcão entre a cozinha e a sala.
-Dai!? - Ouvi Lucca chegar, me olhou por cima do balcão e logo viu a figura, era um homem alto, com o rosto fino, usava um óculos oval e tinha um cabelo liso que se acomodava num topete, seus óculos ovais brilhavam como uma lâmpada, expandindo a luz alaranjada que saia de seus olhos e um manto preto cobria todo o seu corpo. Lucca disparou, correndo na direção do desconhecido, que num movimento de mão tão rápido quanto um piscar de olhos puxou uma metralhadora Thompson de dentro do manto, e disparou no meu irmão, as balas saíram rasgando no ar, e umas dez alvejaram ele. O sangue espirrou e escorreu a corta vento, abrindo mais furos e deixando mais manchas, Lucca caiu, derrubado no chão, sempre soube que ele gostaria de morrer como o pai, - baleado - mas segundo ele, queria morrer sendo um soldado, ajudando numa guerra, morrendo como um herói. Agora, morreu como um perdedor, tentando ajudar e falhando de forma miserável, caiu derrotado no chão, e ficou por lá, sufocado no próprio sangue. Lágrimas se acumularam nos meus olhos e escorreram, não eram lágrimas de tristeza, não eram lágrimas de medo ou desespero, eram lágrimas de raiva.
-NÃO!!! - Ouvi Café gritar, se segurando na parede do corredor,uma mancha de sangue escorria na mesma, foi derrubado, dando a entender que foi atingido por uma das balas que atravessaram Lucca. Percebi a distração do meliante com a situação, pensei em dar a volta e fugir, mas não existia possibilidade, "sem chance", pensei. A morte chegou para Dai Sanji. O homem se dirigiu até mim, encostou o cano ainda quente da metralhadora na minha testa, e disse com as consoantes arrastando na garganta.
-Cadê o Armageddon? - Disse, era intimidador, mas não o suficiente.
-O que querem com aquilo!? É um disco de chumbo, qualquer um faz! - Ditei, eu não tinha mais medo.
-Se você me falar, irei poupar sua vida, mas caso contrário, irei matá-lo e achar o Armageddon
-Vocês tiram minhas pernas, entram na minha casa, tiram de mim a única família que tinha e esperam que eu entregue algo pra vocês? Vão se fuder! - Cuspi no sapato dele, era feito de um couro nobre, a bola de saliva se misturou ao sangue que escorre periodicamente da minha gengiva e pingou na peça de luxo. Distanciou-se com uma feição enojada.
-Você vai me mostrar. - Me agarrou pelos cabelos e me levantou, me tirando da cadeira e me erguendo como se ergue uma sacola cheia, passou pela sala onde Lucca estava caído, ouvi sua respiração densa e a dor de um sufocamento, de alguma forma ainda está vivo, mais alguns minutos e estaria morto, passou por Café onde sussurrou algo parecido com "Você ainda nos deve algo." E logo passou e entrou no meu quarto, e lá viu o disco. - Olha só. - Ditou orgulhoso, levou-me até a cama e ordenou que o pegasse, e assim o fiz, agarrei o disco gelado e já sem forças o apertei com as minhas mãos.
-Agora, entregue-me. - Com sua outra mão, a abriu na minha frente pedindo que eu o entregasse, sorrindo sarcástico, ainda me levantando cerca de meio metro do chão, me segurando pelo cabelo.
-Cê que pensa cuzão! - Com força arremessei o disco pela janela logo atrás de mim o peso da mesma estourou o vidro e fez com que o disco caísse - 16 andares, vai lá pegar.
Com o rosto cheio de desgosto, grunhiu, com raiva. Começou a andar na direção da janela, levantou minhas pernas e me passou para o lado de fora, e lá estava eu, segurado somente pelos fios finos do meu cabelo, à 16 andares do chão. - Eu não vou pegar, você vai. - Um arrepio agoniante percorreu a minha espinha, olhei para baixo e vi o que sobrou da construção do prédio, só uma pilha de areia que jamais seria o suficiente para amortecer a queda, e de prontidão, aceitei a morte.
Soltou cada dedo da mão de uma vez, fechei os olhos e senti o vento soprar, contei um, dois, três, quatro, cinco segundos… Eu já deveria ter caído não? E por que o vento não sopra mais?
-O quê!? - Ouvi da janela, não está longe, está bem perto na verdade, abri os olhos lentamente e me vi flutuando no ar, rodando, como se meu corpo tivesse perdido o peso - Está voando? - Complementou, espantado.
Numa dança descontraída, rodei com o vento, dando cambalhotas, como se faz num lago quando está mergulhando.
E eu ri, ri histericamente, o sol já nascia no horizonte, e meu riso, se propagou, ricocheteando nas paredes dos edifícios, com um eco que aumentava o volume da minha voz.
-Você é como os outros… Um receptáculo... - Ditou o francês.
-É! quer dizer… Agora eu sou! Seja lá de quem você esteja falando. - Ditei, rodando no ar. Além de tudo eu conseguia mover minhas pernas. - Não faço a mínima ideia de que milagre aconteceu! Acho que me tornei iluminado!
-Do quê diabos está falando?! Iluminado? - Apontou a Metralhadora de tambor na minha direção, pela janela.
Mirou em mim com cuidado e disparou, com uma rápida cinese de mão estendi os braços na direção dos disparos, e os tais despencaram no chão, como se tivesse sido puxado por uma força maior, como se o próprio peso da munição tivesse aumentado em milhões de vezes.
-Viu só? - Ditei, logo o mafioso se empoleirou na janela.
-Só pode ter algo te segurando - pela primeira vez em vida, senti que eu podia controlar algo, tinha a situação ao meu alcance, eu podia abraçar oportunidades, jogar meu próprio jogo, num movimento rápido de dedo, como de um bonequeiro manipulando suas marionetes, uma força atrativa puxou o oponente para perto, o tirando da janela e o deixando pairando no ar, na minha frente, ele tinha os olhos arregalados.
- Eu vou destruir a máfia, não importa o que aconteça. - Teci um comentário sem sentido - uma meta traçada dum momento para o outro, sem piedade, quebrar as engrenagens desse sistema para entender o artefato, tornou-se meu objetivo, aquilo que almejo.
E de repente, o próprio peso do ar despencou sobre o mafioso e o arremessou no chão, como se a força da gravidade tivesse o puxado com a intensidade multiplicada várias vezes, junto com os tiros, que desceram dilacerando seu corpo. No final, se tornou uma poça de sangue, ossos, e órgãos. E ao contrário dele, desci lentamente.
-Esse é o meu Nirvana.
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