O final se semana está chegando ao fim, Alice finalmente está voltando para a casa do pai. Para o seu canto seguro no mundo.
Os finais de semana ela passava na casa da mãe, tendo que fazer o que a mulher quer, desde de se vestir da forma que ela determina, até mesmo ter de escutar um nome do qual a garota não se sente confortável.
Os beijos na testa de “Bom dia!” do pai, o sorriso matinal com mal hálito dele sempre são mais reconfortantes que o olhar frio e o sorriso mecânico da mãe ao olhar para ela.
Chegando em casa, logo subiu para o quarto e se desfez das bolsas em cima da cama. Seus olhos passaram de maneira a tentar absorver toda a cena que viram, como se fosse a primeira vez. Em sua visão entrou desde a mini jabuticabeira perto da mesa do notebook, onde conseguia pegar bastante luz do sol, até a roseira do lado de seu guarda-roupa.
“Estou de volta, meus bebês.”, passou pela mente da garota.
— Meu pai tratou vocês bem? Aguou direitinho? Deixa eu ver como estão a terrinha de vocês.
Familiarizada com o ambiente, Alice logo se colocou em sua rotina de cuidar de suas plantas, limpar o quarto e arrumar suas coisas nos lugares devidos.
O cheiro das plantas no ambiente entrando em seu pulmão como um ar leve, a cama macia que pertence apenas a ela, com o conforto de um abraço. Além disso, seu estúdio, no mesmo andar da casa, apenas a esperando para que volte aos seus projetos.
— Filha, já chegou? - a voz foi projetada do andar debaixo da casa.
Adiantando-se até a escada, ainda com espanador na mão e os olhos lacrimejando de alergia, Alice viu o pai no pé da escada, com a mochila do trabalho ainda nas costas. Ao vê-la, o homem deu um sorriso cansado.
— Eu já estou descendo para fazer o jantar, pai. Toma um banho e descansa.
Após escutar a filha, o homem apenas se dirigiu ao próprio quarto. Essa é a rotina de toda volta dela para casa. Em um determinado momento, apenas passou a ser uma cena comum.
“Se ela está bem, eu estou bem.”, o pai pegou-se pensando novamente.
Algumas horas depois, o aroma de ovos mexidos, arroz e feijão invadiram o escritório do pai de Alice. Com a barriga roncando, ele chegou até a cozinha, “Isso está com cheiro muito bom.”.
— Ela está bem. - Alice disse.
— Que bom!
Isso foi tudo que foi dito sobre o assunto que ela proibiu o pai de falar, sobre sua estadia fora de casa.
— Amanhã você tem aula, certo? Ou é mais um feriado do qual eu estou me esquecendo?
— Amanhã eu tenho aula.
— Boa noite - levantou-se e deu um beijo na testa da filha.
— Não esquece de escovar os dentes, pai.
— Sim, senhorita!
A noite está esfriando levemente, então Alice, após tomar banho, vestiu sua calça de moletom e uma blusa de manga comprida. Depois de desligar as luzes, deixando apenas a iluminação da rua adentrar o quarto, ela se deitou e dormiu.
Já na escola no dia seguinte, Alice se encontrou tendo de passar escondida pelos corredores novamente para evitar os valentões que apenas têm coragem de mexer com ela quando o amigo não está por perto.
O plano falhou e ela esbarrou neles. Um dos garotos empurrou ela para uma menina, que a empurrou para outro garoto e assim foi indo de empurrão em empurrão entre as cinco pessoas do grupinho.
— Que foi, Alice? Não tão corajosa quando o Kleber não está por perto? - O garoto de nome Arthur provocou.
Alice não disse nada para não dar corda na provocação. Mas ela já está começando a ficar tonta quando Kleber finalmente aparece.
— Alice! - exclamou Kleber ao vê-la entre os valentões.
— Kleber! - Alice anunciou de volta.
O garoto negro de cabelo dreadlock e visual casual olhou para ela com seu olhar que sempre a dirige. Alice sempre que o vê a olhando assim, dá seu melhor sorriso de “Tudo bem. Ainda estou viva.” e o dá um aperto de mão seguido de um abraço apertado (mais pela parte dele).
Os valentões que antes estavam todos animados implicando com a garota logo se afastaram e foram embora estalando a língua em reclamação. Eles têm medo do Kleber, porque ele desceu a lenha neles, sendo especialmente “carinhoso” com as bolas dos garotos.
— Não te encontrei no portão hoje. Chegou mais cedo ou mais tarde? - indagou o garoto.
— Mais cedo. Eu tinha que tirar uma dúvida da redação com o professor de português. Ele subiu minha nota. Você me deve dez reais.
— Sem chance! Não sei porque ainda aposto com você, senhorita notas altas.
— Porque você nunca aprende.
O odor azedo da escola é quase palatável pelas segundas de manhã após o primeiro horário de aula. O segundo ano, turma acima da Alice, tem educação física em conjunto, as quatro turmas, então o corredor fica inundado de alunos que se recusam a tomar banho na água fria da escola. A garota particularmente desgosta, mas o amigo fala que é o cheiro de uma aventura não vista de garotos bonitos se acabando na aula.
— Sério, não sei como você ainda gosta desse cheiro.
— Não é gostar dele, é a imaginação do que aconteceu para chegar até esse cheiro.
As aulas passaram tranquilamente, Kleber chamando Alice o tempo todo para conversar e a garota reclamando dele tirando a atenção dela. Até que chegou no almoço.
— Como foi na sua mãe? - Kleber perguntou.
— Horrível como sempre.
— Ela continua te tratando daquele jeito?
— Sim - suspirou. - Vamos mudar de assunto?
— Claro.
Apesar do pedido, eles seguiram em silêncio o resto do almoço inteiro. Não é realmente algo perturbador isso entre eles, o silêncio é companheiro do relacionamento dos dois, exceto quando Alice se incomoda com como Kleber a olha como se ela fosse um pintinho desgarrado da família.
No dia seguinte, assim como toda terça, Alice saiu para tirar fotos. Pegou sua melhor câmera com uma coleção de três lentes que usa pouco e quer se obrigar a fazer as fotos pela vista delas.
A praça fica no meio caminho entre o SESI e a escola dela. Esse é o cenário do qual a garota já explorou tanto que conhece até mesmo a história e os velhinhos que se sentam para jogar xadrez no local, apesar de apenas um cumprimentar ela.
“Será que eu tento um ângulo novo da casinha do centro?”, refletiu. Olhando para a construção localizada no centro do local, lutando para a criatividade aflorar depois de tantas fotos tiradas ali, então decidiu sentar e pensar.
O cheiro das folhas e do ar gelado do período quase noturno, são sempre um convidado prazeroso para a garota. O dedo gelado é um bom companheiro quando ela chega em casa e mete a mão direto na caneca de chocolate quente que o pai prepara para ela nessa época do ano. O mês agosto ainda é bem frio na cidade.
Depois de tirar uma boa quantidade de fotos do local, a garota se sentou em um dos bancos para avaliar o seu trabalho duro. Quando finalmente se deu por convencida que o trabalho foi bem feito, voltou para casa. E, assim como esperava, uma caneca rosa com flores azuis e brancas com chocolate quente recém feito está em cima da mesa a aguardando.
Depois de um bom banho e algumas horas editando fotos, Alice resolveu estudar um pouco para a aula do dia seguinte usando o plano de estudo que ela mesma fez para si. O Kleber costuma dizer que o que ela faz para estudar é uma insanidade de exigência que nenhuma pessoa em sã consciência aguentaria fazer, mas a garota está acostumada e é como ela funciona.
O amigo mesmo já pediu algumas vezes para ela fazer planos de estudo para ele, porém se arrependeu todas as vezes que pediu e sempre vinha choramingando falando que ela é muito exigente.
O resto da semana passou tranquilamente, chegando a sexta-feira, o dia que Alice teme que chegue. Desanimada, ela arrumou as coisas dela e deixou na casa da mãe antes de ir para a escola, não a encontrou porque ela estava dormindo quando a garota passou por lá.
No almoço, Kleber abordou Alice para falar do assunto que eles evitaram até o momento.
— Você vai para a tua mãe, né?
— Sim, eu vou.
— Por isso está tão desanimada.
— Sim.
Saindo da escola, de tarde, já bem escuro, Alice foi andando pelo caminho que sempre passa, quando viu uma luz numa rua que chamou a atenção dela de alguma forma que a garota não entendeu. Até onde ela sabia podia ser apenas o farol de algum veículo ou a luz de algum poste que está mais forte que o normal.
Mas ela seguiu o caminho mesmo assim. Curiosa com o que vai encontrar.
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