CAPÍTULO TRÊS: Pinto Estranho
Visualizei a imagem desagradável do corpo sem vida, o que antes era um homem cheio de vida, hoje é uma poça de órgãos e miolos, nem identifica-se uma carcaça mais, é só uma mistura avermelhada.
-Dai?! - Ouvi ecoando metros acima, empoleirado na janela estava Lucca e Café, perguntei-me se não tinham morrido, é curioso que mesmo após tantas balas estejam conseguindo andar. - Você tá…Vivo?!...E EM PÉ?! - Indagou curioso o meu irmão, dava pra ver a luz sendo refletida na sua testa suada, o sol já nascia no leste. Nem mesmo eu havia reparado meus dois pés encostando no concreto frio.
-Nós vamos descer, espera aí. - Disse Café com a voz forçadamente grave, que ecoou no espaço vazio entre a torre e o chão, logo sumiram do meu alcance visual quando decidiram voltar suas cabeças para dentro do apartamento.
Abaixei os olhos e fiquei encarando a poça de entranhas, é uma situação estranha, mas de certa forma… familiar? Como um trem cruzando a limítrofe do meu psicológico, uma memória agoniante invade a minha cabeça destruindo minha percepção de realidade, fazendo que enxergasse tudo daquela lembrança maldita.
Uma carcaça consistente, um cadáver, ainda tendo espasmos, daquela mesma velha senhora. Baleada, com a munição ainda soltando fumaça dentro dos restos dos seus miolos, a qual agarrei chorando.
-Internato! Jogue-o no internato! Este jovem só pode ser louco! - Gritavam todos nos arredores, eu não entendia, não era o culpado, Lucca cambaleava como um bêbado na minha direção, carregava na mão uma sacola, caímos ao lado do corpo sem vida daquela que nos criou como mãe, e apagamos por fim num descanso temporário, um desmaio, quando acordamos, já estávamos internados, naquele local infernal, caótico, funcionários ambulantes de um lado pro outro com suas medicações, doentes gritando, gemendo, balbuciando, e dizendo coisas inaudíveis para todo canto.
Logo recuperei minha consciência, e com o ouvido doendo no embalo de um apito agoniante e uma forte dor de cabeça, tive a visão embaçada de Lucca e Café se aproximando.
-Você voltou a andar?! Como!? - Disse Lucca, parece surpreso.
-Acho que isso na verdade é o de menos, eu literalmente voei há alguns minutos. Fiquei no ar, voando. - Disse, pude ver o estranhamento nos olhos deles. - Vocês tomaram vários tiros e estão vivos e ainda estão surpresos que eu tomei um só e to andando? - Complementei vendo o rosto de dúvida de ambos. É estranho que nenhum deles esteja sangrando mais.
-Acho que isso não importa agora, a máfia tá na nossa cola… Bom já estava atrás de mim, agora atrás de nós três. - Comenta o maior, Café não parece nervoso, Lucca está claramente tenso com essa informação.
-Faz mal não. - Respondo, e me volto para o sol nascente, o céu ainda está pintado com uma tonalidade alaranjada.
-O que quer dizer com isso?! É a máfia. - Lucca retruca, sempre foi bastante questionador e meio do contra. No geral, ele gosta de se opor a mim, aposto que se fosse o Café dizendo que está tudo bem ele não reagiria da mesma forma.
-Nós vamos acabar com ela. - Respondo, estou convicto de que isso pode dar certo, Lucca parece estar em surto, mesmo quieto. E eu entendo ele, arriscar se envolver com a máfia por si só já é uma má idéia, mas se envolver justamente no intuito de destruir a organização criminosa mais poderosa da América, parece bem maluco, mas não para mim. - Eu acredito que podemos.
-Você tá maluco Dai.
-Ele não tá Lucca, tem muita coisa estranha acontecendo. O Dai disse que voou, fomos baleados em pontos vitais e as feridas se fecharam, não tem mais ferimento nenhum, Dai voltou a andar, e em 15 anos treinando e lutando nunca vi alguém como aquele mafioso da noite passada, era mais rápido que um humano, muito mais, tinha o hálito frio. E ele já matou um dos mafiosos, porque não acredita que ele pode matar mais um? Mais dois? Ou até mais trinta? - Disse Café, ainda está encarando o corpo morto.
-Mas a gente vai pra lá só com a roupa do corpo? - Continuou com suas perguntas.
-Não! - Me aproximei do corpo do tal mafioso que despencou, e apanhei a metralhadora Thompson ao lado do seu corpo e levei até Café.
-Precisa não, meus punhos bastam. - Disse cheio de confiança, então levei até Lucca, e entreguei em suas mãos.
-Mas e você? - Perguntou.
-Tenho o Nirvana. - Respondi
-Ah… Que legal… Que que isso?
-É o nome… Do meu… Super-poder…?
-Hummm… Entendi… - Disse, pegando a arma da minha mão e segurando de um jeito estranho, era de se esperar, afinal, ele nunca atirou, e me encarou com um rosto duvidoso.
Ficamos nessa situação constrangedora e em silêncio por um tempo, é de fato, bem difícil de ouvir da boca de alguém que agora tem um super-poder, principalmente quando as duas pessoas da conversa tem mais de onze anos. Mas eventualmente, o silêncio foi quebrado por uma voz feminina.
-Que nome interessante? Hum? - Era uma voz delicada, mas prepotente, arrogante. Veio de cima, de cima de um poste , é uma dama com um cabelo tingido de uma cor arroxeada que cai com uma textura diferente de um cabelo normal, com um rosto redondo e cheio, tinha um sorriso sarcástico, tal expressão era ressaltada pelos seus olhos grandes, além de dentes da frente largos, suas feições me lembraram as de Mônica. Usava uma roupa estranha, bem grudada, que parecia uma espécie de maiô de látex. Deixava os ombros à mostra, mas não pude ver o que cobria suas pernas, ela não as tem, seu torso parecia se fundir ao poste, o látex da roupa se torcia com um degradê do preto da roupa pro cinza do poste, a mulher estava fundida ao mastro de ferro.
- E como pretende nos destruir, ruivo? Hum? Qual o seu plano? - Complementou na mesma entonação, a luz perfurante atravessava entre os prédios e envolvia seu rosto cheio de amargura numa tonalidade laranja.
-Dai você conhece essa cadela? - Diz meu irmão
-Conheço não.
-que desrespeito, te mato, mexicano. Hum? - Disse com aquela voz, que tinha seus toques de doçura, mas era amarga como o boldo. - Pelo visto você matou o Pierry, é triste, mas não poderia me importar mais do que isso. - Ela parecia de fato bem indiferente quanto a morte de tal.
-Você é da máfia então? - Pergunta Café que se aproxima do poste e a olha de baixo para cima.
-Sou, Segunda-Líder da esquadria de tráfico.
-E seu nome?
-Mona, e como pretende destruir a máfia? Hum? Você ao menos sabe a estrutura dela? - Disse olhando no fundo dos meus olhos. Balancei a cabeça de um lado pro outro, em negação, de fato, não faço a mínima idéia do como o fazer.
-Deixe-me explicar então… - Apontou o dedo na direção do chão, sua pele derreteu e despencou, se esticando como uma goma, ao pé do poste havia um corpo de areia, e nele, começou a desenhar. - Acima de todos nós tem o Don, é o nosso chefe, alguns de nós sequer vimos o Don, é o meu caso, e abaixo vem os capi, cada um tem seu esquadrão, eu faço parte do esquadrão de tráfico, e ajudo meu chefe a traficar, e abaixo dos capi, tem os operários, é o meu caso. E ainda assim, a nossa família não acaba aqui, temos os nosso associados, uma grande gama de mais de dez mil juízes, médicos, políticos, empresários, igrejas… e aí vai… Hum? - Finalizou, na pilha de areia já havia um desenho. uma pirâmide com tudo aquilo que a tal descreveu.
Olhamos atentamente pro desenho, a informação era interessante e talvez importante mas eu não sei como eu a usaria.
-Pra quê eu vou usar isso? - Pergunto.
-Oh, eu não sei, Hum? - Respondeu, ela parecia perdida de alguma forma, parece que a pergunta que fiz, a fez perceber que estava dando informação de mais.
-Onde é que vocês ficam, sua vagabunda? Onde é o covil de vocês? - Diz Lucca, com o cano da Thompson apontado na direção dela, e ela reage, levanta as sobrancelhas e abre a boca, mas logo dá uma risada histérica.
-Conhecem a boca do diabo? - Perguntou Mona, a boca do diabo é um beco da cidade torta, recebeu esse nome por conta das lendas que o rondavam. Mito ou realidade, o único fato consumado sobre a boca do diabo é que aqueles que adentram o beco, não voltam nunca mais.
-Conheço sim. - Respondeu, Lucca, estava com o dedo no gatilho.
-Falei o suficiente, acredito que vocês não precisam de mais. - Finalizou, dando a mesma risada irritante, enquanto ria, o resto do seu corpo começou a se apertar, e adentrar no poste, torcendo e comprimindo. Lucca disparou algumas vezes tentando alvejá-la (e errou todos os disparos).
-Que porra…? - Indagou com os olhos arregalados toda situação, assustado, Lucca abaixa a metralhadora, de alguma forma, tanto eu como Café não nos assustamos com isso, não era surpreendente.
- Onde fica? - Perguntou o maior, parece entusiasmado, num geral, Café ele parece animado em seguir a mesma trilha que eu, Lucca, é o exato oposto, está nervoso, parece só querer estar em casa, quieto, ou nas ruas, roubando.
-Não é longe, alguns minutos de caminhada, eu sei onde fica. - Respondo. - Eu levo vocês. - Tomei a linha de frente, e fui guiando eles, é coisa de cinco minutos de distância do meu prédio, o caminho parece mais quieto, não há bêbados na rua, não há ratos passando, a cidade parece ter sido consumida pelo silêncio, andamos todos olhando para os lados, a vizinhança aparecia nas janelas e logo se escondiam com nossa passada, o cenário, é de pura tensão.
-Chegamos - Ditei em finalização, chegamos ao nosso destino, o beco é escuro, não dá pra enxergar mais do que um metro para dentro dele, parece estar coberto numa película negra, e logo eu começo a adentrar a obscuridade e o desconhecido daquele maldito lugar.
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