No centro de uma vasta imensidão de luz branca, passos pesados ecoavam, marchando rapidamente em direção ao topo de uma grandiosa escadaria. Lá, no ápice, aguardava uma promessa ainda mais grandiosa: uma porta dourada, cujos detalhes transcendiam a descrição de qualquer ser vivente.
A cada passo, o esforço parecia monumental, e a sensação de que essa promessa era inatingível crescia. A escadaria, grande em si, parecia se estender ainda mais, desafiando suas expectativas.
Tempo passou. Esforço persistiu. E então, diante de seus olhos, a magnífica porta dourada se ergueu. A visão quase parecia irreal. Cada detalhe era indescritível, o dourado da porta inigualável, ultrapassando qualquer coisa que ele já tivesse presenciado. Além disso, a dimensão colossal da porta a tornava maior do que todos os templos que ele havia visitado. A busca árdua, sem dúvida, havia valido a pena.
Com sua mão pesada, ergueu-se para tocar a porta, e então notou que usava uma grandiosa manopla resplandecente, forjada em metal prateado. Uma momentânea hesitação o dominou, mas à medida que hesitava, a porta se abriu diante dele, revelando uma figura cuja luz irradiava de forma tão intensa que poderia ofuscar sua visão.
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Capítulo Introdutório: A Ninfa da Floresta
Solariis ainda não havia dado as caras no céu e dois aventureiros já se embrenhavam nas matas da tenebrosa Floresta Crepuscular. Eram eles, um humano, chamado Jay e uma kiteni[1], chamada Layla.
Jay, um homem alto, de aparência intrigante, com longos cabelos azuis que descem até o meio de suas costas, com um rabo de cavalo que os mantém sob controle. Sua pele traz um tom bronzeado que remete às terras áridas do deserto. No entanto, seus olhos são o que chamam mais atenção: um dourado brilhante que parece capturar a própria essência de Solariis, emitindo eventualmente um brilho quente e misterioso. Já Layla, ostenta as mais belas características de seu povo, com cabelos selvagemente encaracolados que caem em cascata até seus ombros, em tons vermelhos, dourados e castanhos, juntamente com suas orelhas felinas delicadas. Sua pele traz um tom levemente bronzeado, resultado de suas jornadas, e cicatrizes discretas, marcas de suas muitas batalhas e desafios, adornam seu corpo.
Eles já andavam pela floresta havia um bom tempo, sendo confrontados pelo clima úmido e a mata fechada, que dificultavam o avanço dos dois. Isso parecia entediar a pequena kiteni.
"Jaaaaaaaay, ainda vai demorar muito pra gente chegar no refúgio desse Buer?"
"Hm… Acho que não. Acabamos de passar pela última marca aqui do mapa. Deve ser logo aí na frente, depois desses morrinhos."
Eriçando os pelos de sua cauda felpuda, Layla empunhou seu machado de batalha com força e abriu um sorriso malicioso.
"Ahhh, finalmente! Tava seca pra matar um demônio com essa recompensa tão alta."
"Tá, mas mantenha a guarda, Layla. Você tá fazendo muito escândalo…"
Jay repreendeu a bárbara que já começava a rodopiar seu machado, enquanto subia o morro.
Como previsto, a besta estava rondando próximo a uma velha árvore e, para a surpresa de Jay, a criatura era um pouco diferente do que estava descrita no folheto da missão.
"Ué… Tá tudo ali… cinco patas giratórias com cascos, a juba grande e o cabeção de leão. Mas…"
Layla interrompe Jay, enquanto também sobe o morro, já preparando uma investida surpresa.
"Então qual é o problema? Vamo logo fatiar essa best… Eeeeiii! Não era pra ele ser desse tamanho, era?"
"Garota! Já falei que você tá fazendo muito barulh-"
"ROAAAAARRRR!!!"
Agora, um grande rugido interrompe Jay. Inevitavelmente, o demônio Buer havia detectado a presença de ambos ali.
Sem demora, Layla ri e brande seu machado de guerra, saltando sobre a criatura, com um ataque certeiro, exalando toda a fúria de seu pequeno corpo atlético.
O golpe atinge em cheio o demônio felino, que nada pôde fazer, a não ser rugir de dor.
Enquanto isso, no topo do morro, Jay desliza seus dedos sobre o tomo sagrado que paira diante dele. Suas páginas passam rapidamente até que encontra a prece de ataque que busca. Ele a lê em voz alta, pronunciando as palavras na língua antiga conhecida como Osandiano[2], cujo som ressoa pelo ar. Assim, ele gesticula com suas mãos, formando uma mandala dourada em sua frente, ligando sete sigilos mágicos.
Então, do alto da floresta, um feixe de luz dourada desce brutalmente sobre o demônio Buer, atingindo a besta em cheio.
Mais uma vez, a criatura só pôde rugir sentindo uma imensa dor, causada pelas queimaduras sagradas.
"Há!! Fala aí, “senhor paladino”! Tá a serviço do templo, hein, metido?"
"Se liga, Layla! O bichão ainda tá vivo! Fica esperta!"
Layla olha, surpresa, para sua frente e vê o demônio a encarando, repleto de ódio, queimando em uma energia sombria, sinistra. Então, com um rápido movimento, a besta felina gira suas cinco patas ao redor de sua cabeça e se envolve de chamas escuras, arremetendo contra a kiteni que estava de guarda baixa. Jay, prevendo o pior, reage rapidamente, conjurando uma benção que envolve Layla com uma luz sagrada brevemente.
Durou um piscar de olhos, mas foi tempo suficiente para evitar o ataque direto da criatura.
"O-obrigado, Jay… miau!"
Jay, salta até próximo de Layla, verificando se ela está bem. Percebendo que sim, ele faz gestos rápidos, rompendo o ambiente ao seu lado, criando uma fenda, de onde puxa sua fiel espada, Visingr, a lâmina do herói e assume uma posição mais ofensiva.
"Layla, a gente subestimou o poder da criatura. Olhando bem, dá pra perceber que ele não tem só tamanho… mas tem muita força também."
"Ah.. e-entendi. Eu vou ficar mais esperta agora… desculpa, miau…"
"Estranho que esse tipo de demônio não deveria ser tão forte… Mas, relaxa, vamos dar conta dele."
Jay dá um sorriso tranquilo para Layla e ela se sente mais confiante.
O demônio Buer continua envolto em chamas negras, mas agora é possível perceber um leve riso de escárnio nas presas da besta, enquanto ele observa seus adversários.
"Vocês pensaram que seria fácil violar os segredos de meu mestre?"
Para a surpresa dos dois aventureiros, a voz da criatura ecoou em suas mentes. Uma voz áspera e bestial, que lhes causou náuseas e um grande desconforto.
"Mwahahaha! Meu mestre usará a pele de vocês para seus experimentos! E seus olhos e entranhas serão comida para mim!"
Jay dá um passo a frente, enquanto folheia rapidamente seu tomo e tenta dialogar com a criatura, firmando seu pensamento em sua próxima prece.
"Então você é o bichinho de estimação, não? Interessante… não sabia que pet podia falar, hehe."
"PET?? Como ousa!!! Sou o maior dentre as egrégoras[3] de batalha! Seres inferiores como vocês não têm qualquer chance contra entidades como eu!
"Taí! Uma egrégora… Nesse caso, é bom seu evocador não estar por perto, pois…"
Com um rápido gesto, o aventureiro conjura mais uma mandala mágica, desta vez seu brilho é esmeralda. A mandala se desloca em uma fração de segundo até os apoios da criatura.
"… ele não vai poder desfazer esse feitiço simples. OSURII KASTATOMINGRR! (AURA DE APRISIONAMENTO)"
"O quê??? Não é possível! Um feitiço de tão baixo nível não poderia me aprisionar! Quem é v…"
"LAYLA! MANDA VER! METE AQUELA MACHADADA QUE SÓ VOCÊ MANJA!"
"Ahhhh! É pra já!! Toma essa, sua imitação de leão de merda!"
Encorajada pela aura de heroismo que pairava no ar durante a batalha, Layla rodopiou com toda sua força seu grande machado, investindo velozmente contra a besta estupefata, que só conseguiu gritar de fúria e descrença, enquanto era dilacerado pelo golpe rodopiante de Layla.
Em pouco tempo, o demônio Buer se dissipou em pleno ar, formando uma nuvem de cinzas crepitantes até desaparecer completamente, derrubando um pequeno cristal púrpura e algumas madeixas que foram cortadas de sua juba.
"Boa, Laylinha! Mandou bem demais! Agora, vamos pegar os espólios e dar o fora daqui antes que o evocador perceba que sua egrégora foi dissipada, aí você já sabe…"
"Hm… Ele vem correndo pra cá… E a gente mata ele também, ué."
"Tá. Só porque você quer…"
De súbito, a kiteni percebeu algo no interior da árvore que a besta guardava com tanto empenho. Assim, os dois se aproximam com cautela e descobrem uma fenda onde há um altar, itens diversos para feitiços e uma prisioneira amarrada em xis, pelos punhos, cintura e tornozelos. Layla se espanta, levando suas mãos para cobrir sua boca, incrédula.
"Que horror!!! Por que alguém tá mantendo uma garota presa! Que coisa horrível, miau!!"
Enquanto adentram a fenda, Layla olha para Jay e percebe que os olhos do paladino estão com um brilho prateado.
"J-Jay… Seus olhos…?"
"É uma benção. Tô verificando pra não topar com alguma proteção mágica ou coisa assim… Aparentemente tá tudo limpo…"
Ao entrarem, eles conseguem ver tudo com mais clareza e Jay reconhece o que se trata:
"É um altar de sacrifício. Provavelmente um bruxo ou assecla dos nefraii[4] tá fazendo algum feitiço nefasto de sacrifício. Essa garota é uma elvanen[5], ou meio-elvanen…"
"Quê??? Ele vai matá-la?"
"Se não fizermos nada, vai."
"Estranho… por que ele ainda não conseguiu fazer esse ritual? Até onde soube, deveria ser algo rápido e muito discreto…” — Se questiona o paladino
"Awaaaa!! Temos que tirá-la daqui, então! A gente não pode abandoná-la, Jay! É sério, miau!!!"
"Sim… Vamos levá-la. É pra esse tipo de situação que sempre mantenho um pergaminho de teleporte comigo… não conseguiremos ir muito longe, nós três, mas dá pro gasto."
"Miau!! Mandou bem!"
Layla corta as cordas com suas garras e recosta o corpo da elvanen sobre seus ombros, se tocando da nudez da garota.
"Miaaau! A gente não pode aparecer com ela pelada na cidade!"
"Calma, Layla. Eu tenho uma capa aqui na bolsa, fica tranquila. Só vamos logo antes que o bruxo volte."
Com isso, Jay abraça as duas garotas, enquanto abre o pergaminho, passando seus olhos sobre as inscrições e traçando mentalmente os sigilos.
Imediatamente, o pergaminho se dissolve em cinzas e uma luz furtacor cai sobre eles, convertendo seus corpos em pura energia e, num piscar de olhos, os três se encontram próximos da entrada da grande cidade de Edsória, a capital do reino de Dalmástia.
Layla, bem enjoada, coloca tudo pra fora, jogando a elvanen nos braços de Jay, enquanto o aventureiro tira um manto do fundo de sua mochila, para cobrir o corpo da garota.
Depois de se recuperar, Layla olha bem para a elvanen desacordada e, notando a raridade da cor dos cabelos da jovem, diz:
"Ela tem os cabelos claros… mas não são loiros ou prateados… Não sabia que tinha elvanens assim por aqui, miau."
"Pois é. Ela deve ser meio-elvanen, talvez… Esses cabelos esverdeados… Não me lembro de ter visto nada assim antes."
Jay olha bem para o rosto sereno da garota, tentando procurar algo em sua mente que lhe seja familiar, mas tudo o que encontra é mais um punhado de dúvidas. Balançando a cabeça, ele continua falando com a kiteni:
"De qualquer forma, Layla, uma elvanen como ela não deveria estar por aqui. Vai dar um rolo danado pra gente se alguém acabar notando a natureza dela… Vamos ter que deixá-la beeeeem escondida por enquanto."
"Ain. Verdade, neah… A gente pergunta tudo quando ela acordar, Jay."
Enquanto seguem adiante, Layla não para de olhar para pequena elvanen desacordada nos braços de Jay e, abrindo um doce sorriso, diz:
"Miauurrr. Ela é tão bonita…"
"Ela é uma elvanen, Layla, esperava o quê? Agora, apressa o passo pra gente chegar logo em casa e vê se para de chamar tanto a atenção assim, gata maluca."
"Miau! Como você é mau com a Layla! Aiai… hihihi."
Os dois caminham até um pequeno casebre, que fica antes dos muros da cidade: Um lugar bem simples onde os dois passam os dias e se recuperam das viagens. Jay segue com a elvanen, devidamente vestida e encapuzada, nos braços, enquanto Layla saltita do seu lado, balançando seu machado como se fosse brinquedo.
"Jay, quanto você acha que vai ser a recompensa? Não dá pra ser só mil Auras… Ele era beeeeem maiorzão do que tava no folheto, neah?"
"Hehe, vou negociar direto com o líder da guilda. Vamo ver o que vira."
Após vários minutos de caminhada, passando pelas estradas das fazendas locais, eles chegam ao casebre: um lugar bem organizado, apesar de relativamente pequeno, tendo apenas um cômodo onde fica tudo da casa — camas, fogão de lenha, escrivaninha, armários e até o lavatório.
Jay coloca suavemente a pequena elvanen sobre uma das camas, cobrindo-na em seguida. Enquanto isso, Layla coloca seu machado sobre a outra e pega dois baldes com uma haste.
"Ahh, vou buscar água pro banho, Jaaay… Tô toda melequenta, eca. Não gosto de ficar suada…"
Layla faz uma careta, enquanto passa o dedo em seu quadril, balançando em seguida, como se fosse para jogar fora o suor. Depois ela olha de forma insinuante para Jay e diz:
"Vai tomar um banho comigo, miau?"
"É claro que não, Layla! O que você tá pensando, gata maluca?"
"Ah é, neeeah? Vai que a garota acorda… Ela ficaria constrangida, com toda nossa demonstração de carinho, tadinha!"
Falando isso, a kiteni solta uma gargalhada enquanto sai porta afora e Jay põe a mão sobre a testa, descrente no que Layla acabou de dizer, embora um, quase imperceptível, sorriso malicioso tenha aparecido em sua boca.
"Essa Layla… gata maluca. No que ela tá pensando? Hunf… Bom, quando ela voltar, vou pra sede da guilda… Vamo vê se rola uma recompensa mais graúda dessa vez. E, mais tarde, é melhor me lavar na casa de banho, mesmo…"
Enquanto falava sozinho, Jay organiza seus equipamentos no armário, ao lado de sua cama e coloca os utensílios para banho dentro da mochila.
Depois de poucos minutos Layla volta, chutando a porta, como sempre fazia nessas ocasiões.
"Pronto Jaaaay! Voltei!!! Dois baldes cheios com a melhor água da mina, hihihi."
"Ótimo! Tô saindo, então. Vou lá pegar a recompensa."
"Ahh mas… Miauuuu…"
"Cuida da bela adormecida aí, gata maluca. Valeu, fui!"
Jay sai apressadamente, terminando de ajeitar sua mochila, enquanto Layla fica parada, com os dois baldes pendurados na haste em suas costas, com um olhar inconformado.
"Hunf! Não foi dessa vez… Aiai. Bom, deixa eu encher aqui e tomar meu banho que eu ganho mais. Hunf! Bobão, esse Jay, viu."
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Notas:
- Kiteni é uma das muitas raças do mundo de Final Adventure. É uma espécie de humanoide com traços felinos, como orelhas, calda e garras. Geralmente são bem baixinhos, medindo não muito mais do que 1,30m.
- Osandiano, ou Alto Osandiano, é um idioma ancestral, cuja pronúncia é totalmente relacionada à magia. Muito pouco se sabe, fora os feitiços, sobre essa linguagem. Dizem as lendas que apenas os sumo-sacerdotes da cidade elvânica de Nínive, conhecem os segredos desse idioma.
- Egrégoras são entidades evocadas através de magia antiga para servir Bruxos, Magos ou Domadores. Muito usados para batalhas, proteção ou trabalhos pesados.
- Nefraii são deidades do mundo de Therium, a elas são atribuídos os aspectos negativos da existência, como ganância, malefícios, etc.
- Elvanen, é uma espécie humanoide, muito parecida com a humana, porém com orelhas longas e pontudas, além de um aspecto mais próximo da perfeição, por assim dizer. Elvanens são bem mais altos que humanos, podendo medir entre 1,90m a 2,50m.
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