It's a new soundtrack, I could dance to this beat, beat forevermore
The lights are so bright, but they never blind me
É uma nova trilha sonora, eu poderia dançar com essa batida para sempre
As luzes são tão fortes, mas elas nunca me cegam
— Welcome to New York
Esse deve ser um dos piores treinos da minha vida.
Não que eu esteja me saindo mal. Estou de coração partido, não fora de forma. E há de se considerar que acabei de chegar a Barcelona — tipo, há algumas horas — e vim direto do aeroporto para o estádio porque não queria perder o treino do meu primeiro dia.
Tudo saiu diferente do planejado. Eu deveria estar acomodada no meu apartamento há pelo menos uma semana, num prédio vizinho ao estádio e ao centro de treinamento, só que as minhas coisas chegaram à Espanha sem mim porque o Stephen, sendo o canalha que é, me envolveu na porra de um processo judicial que se arrastou mais do que o necessário.
Estou exausta. Mais até do que imaginava.
Pensei que as atividades simples de agilidade e precisão me dariam alguma vivacidade muito bem-vinda. Mas o que torna os treinos toleráveis é a camaradagem. A parceria. As risadas, comentários e, num geral, a sensação de estar junto. Num time em que acabei de chegar, não há nada disso.
Ou, bem, existe isso, só que eu não estou incluída. E algumas jogadoras — principalmente Emily, pra ser honesta — até tentam me deixar confortável, sorrindo ou fazendo algum comentário qualquer sobre o exercício ou sobre os auxiliares técnicos comandando o treinamento, mas ainda me sinto alheia a tudo.
Nem chegamos a jogar bola e, no final, um dos assistentes técnicos me chama para conversar um pouco sobre o time, a rotina das atletas e as próximas partidas que devo jogar.
— Nós também temos uma equipe pronta para te auxiliar no que precisar. Nutricionistas, fisioterapeutas, psicólogos, e você pode falar comigo se quiser agendar uma consulta com algum profissional.
Quase peço para ele já agendar uma consulta com um psicólogo, mas mudo de ideia a tempo. Admitir, de cara, que estou me sentindo meio doida, meio triste e meio a ponto de largar tudo e ir morar nas montanhas não vai passar uma boa primeira impressão. Melhor agir de maneira controlada e profissional.
— Certo, muito obrigada — digo apenas, abrindo um sorriso educado. Depois me despeço e começo a me afastar, lutando para não deixar meus ombros caírem.
Eu deveria estar animada com isso tudo, mas só consigo sentir um bolo de nervosismo crescendo cada vez mais no meu estômago. E se minhas colegas de time me odiarem? Ou, pior ainda, se simplesmente continuarem ignorando a minha existência para sempre?
Ainda estou pensando nas infinitas possibilidades de tudo dar errado quando entro no vestiário. Alba Mascarós, nossa capitã, está de pé, com o cabelo loiro molhado e as pontas de um azul elétrico. Ela aponta o celular para a minha cara, então paro na soleira da porta e dou uma espiada atrás de mim, mas não há outra pessoa para quem ela possa estar olhando.
— Preparada para a iniciação, novata? — Alba pergunta.
Fico ali, piscando rápido.
— Está falando sério?
— Muito sério — quem responde é Emily. — Achou mesmo que seu primeiro dia ia ser só timidez e treinamento?
Eu estava começando a achar, sim, mas dou de ombros. Depois, agraciada pelo espírito de "foda-se essa merda", me viro para Ember, de todas as pessoas possíveis.
— É sério que você nem sabia o meu nome?
Ela está sentada numa ponta do banco, vestindo só um top branco e a calça que usamos para treinar. Os músculos dos seus braços são bem definidos, assim como os do seu abdômen, e ela se porta como alguém que sabe muito bem disso. Nós nos encaramos e, ignorando o impulso de cuspir meu coração aos pés dela e sair correndo, permaneço firme.
Depois de ter pensado muito sobre isso durante o treino — muito mesmo, de um jeito preocupante —, cheguei à conclusão de que não é possível que ela não soubesse meu nome.
As jogadoras do time sempre são informadas sobre quando vai chegar gente nova e, além disso, eu joguei na mesma Copa que Ember em julho. Joguei por uns vinte minutos no total, mas joguei. Se o Brasil não tivesse perdido o último jogo da fase de grupos, enfrentaríamos a Inglaterra, o time dela. Eu, por exemplo, sei o nome de todas as jogadoras da seleção da Inglaterra, inclusive as reservas, e sei seus pontos fortes e fracos em campo.
E, por último, meu nome pode não estar em todo lugar, mas o meu rosto está — e fotos completamente desnecessárias em que apareço só de biquíni.
Ember hesita, olhando ao redor como quem busca uma saída, depois de volta para mim.
Fala sério, ela sabia meu nome! Só preciso que admita.
Mantendo a farsa, ela encolhe os ombros.
— Desculpa se te ofendeu. Sou péssima com nomes.
Abro a boca para reclamar, mas Alba chama a minha atenção de novo:
— Esquece a Connie, ela gosta de tirar onda com a nossa cara. — O sotaque dela é carregado, mas fofo, e a pele branca ainda está avermelhada por causa da correria no treino. — Posso dizer que eu sei, sim, o seu nome, você já apareceu na televisão mais do que qualquer uma de nós nos últimos dias. Como está lidando com a fama?
Eu não iria tão longe a ponto de chamar esse inferno de fama, mas ok.
— Não está sendo agradável, não vou mentir. — Aponto para o celular dela. — Você está mesmo me filmando?
— Estou, mas prometo não vender isto para os jornais. Só estou criando memórias.
Algumas das outras jogadoras a incentivam a ir direto ao ponto e, logo em seguida, Alba começa a me passar as instruções para uma dancinha de TikTok que, segundo ela, eu preciso fazer neste exato momento.
— A regra aqui é clara — ela explica. — Humilhação gera união. Considere isso o começo das nossas boas-vindas oficiais.
Busco por Emily, pedindo socorro com o olhar, e ela abre os braços.
— Foi mal, amiga, mas a Alba é a capitã. E ela está certa.
Sofia, provando que tem um coração mais bondoso, vem até mim e começa a demonstrar os passos da dancinha de forma exageradamente lenta.
— Olha, mão na cintura, depois mão no joelho, assim, tá vendo? — A pele dela, de um tom claro de marrom, também está corada por causa do frio e do treino intenso. — Está prestando atenção? Pensei que as brasileiras tinham mais facilidade com essas coisas. Vai, faz o movimento, deixa eu ver.
Não sei exatamente como ou quando acontece, mas eu finalmente relaxo e enfim consigo fazer a tal dancinha, rindo com as demais. A atmosfera mudou, e não é como se qualquer pessoa aqui estivesse zombando de mim. Elas podem estar me zoando um pouco, porém esse é o primeiro sinal de que estão abrindo as portas para que eu me torne uma delas.
Aos poucos, o bolo de nervosismo no meu estômago se desfaz e a verdadeira Rebeca começa a aparecer.
Depois da etapa da dancinha de TikTok, Alba começa a me fazer perguntas rápidas que tenho só três segundos para responder. Qual é minha inspiração no futebol. Se prefiro gatos ou cachorros. Qual é minha cantora favorita.
— Taylor Swift? — Alba pergunta, quase gritando de deleite. — De todas as cantoras no mundo, ela é a sua favorita? A musa das meninas hétero?
— O que eu posso fazer? Ela me criou. — Dando de ombros, ainda acrescento: — E os fãs dela não são só meninas hétero, longe disso.
Vejo, pela expressão de Alba, que ela quer perguntar se sou uma das fãs hétero ou não, porém ela se controla. Não é mesmo o tipo de pergunta que se faz logo de cara, muitas pessoas não ficariam confortáveis com ela, mas eu não me importaria.
No fim, ela não pergunta e, como emenda em outra questão, não comento sobre isso.
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