Sexta-feira chegou, Alice já está sentindo o vazio de ter que entregar o Sol para Tayná a preencher. Ela gostou de ter o gato com ela toda vez que chegava em casa. Não seria a mesma coisa.
Ela começou a comer no quarto, mesmo que isso dê cheiro no cômodo, só para ter a companhia de Sol e estava se sentindo mais completa. Cogitou seriamente em não entregar o gato, mas sabe que não pode fazer isso porque seria uma quebra de confiança e também porque Sol gosta de Tayná também.
Alice chegou da escola, tomou banho e vestiu uma roupa confortável, uma saia pregueada e uma blusa cinza com estampa de flor por dentro da saia. Colocou a guia em Sol, depois se pôs a andar até a casa de Tayná, elas decidiram melhor que a garota leve o gato até lá porque assim Tayná já apresenta ela para os pais e irmãos, então eles não vão estranhá-la no dia seguinte.
Depois de andar por uns quinze minutos, Alice chegou no endereço, ela achou que seria mais longe, mas até que moram perto uma da outra. Se preparou mentalmente para tocar o interfone quando sentiu uma mão encostando no ombro dela por trás, então deu um salto de susto.
— Calma, sou eu, Alice. - Tayná falou.
— Que susto, caramba. Fala antes de chegar assim.
— Desculpa, desculpa. Eu fui fazer compras para minha mãe. Vamos entrar juntas.
— Tudo bem.
Tayná destrancou o portão, deixou Alice entrar depois trancou de novo, elas andaram até a porta e Tayná a abriu, não estava trancado, eles só trancam a porta de noite.
— Você tem que tirar o tênis antes de entrar.
— Entendido. - Alice tirou os tênis junto de Tayná.
— Aqui, pantufas para visita, pode ficar grande. - Entregou um par de pantufas azul para Alice.
— Realmente ficou grande, mas consigo andar.
— Tayná! - A mãe de Tayná gritou da cozinha.
— Estou indo, mãe! - Tayná gritou de volta. - Vamos lá.
— Sim.
Alice foi andando meio escondida atrás de Tayná porque está com vergonha de estar na casa de outra pessoa, nem na casa do Kleber ela entrou ainda desde que ele se mudou e ela se assumiu porque tem vergonha e fica ansiosa demais.
— Aqui as compras, mãe.
— Obrigada, filha. Quem é essa?
— Essa é a segunda mãe do Sol. A garota que eu te falei que vai vir aqui amanhã, ela veio trazer o Sol para mim.
— Prazer em te conhecer, senhora. Eu me chamo Alice. - Alice reuniu toda a coragem para falar e a voz dela saiu tremida.
— Olha, mas se não é uma gracinha essa garota. Eu me chamo Deolinda.
— Eu pedi para ela vir hoje para a senhora já saber quem ela é.
— Se a garota não estivesse na minha frente eu ainda ia achar que ela não é real, você com uma amiga? Desde quando você começou a se relacionar com outros humanos, Tayná? - O irmão mais velho de Tayná apareceu.
— Esse é meu irmão mais velho, Luiz.
Alice só acenou, porque ela gastou toda a energia para falar com a mãe de Tayná e não sabe se vai conseguir falar de novo.
— Então essa é a tua amiga que vai vir amanhã? - O pai de Tayná apareceu.
— Esse é meu pai, Alberto. - Tayná disse. - E aquele vindo do corredor é meu irmão do meio, João.
Alice só acenou de novo para os dois, Tayná percebeu então que a garota não está falando mais e viu como ela está apertando a guia de Sol. Então estendeu a mão procurando a de Alice, quando encontrou, segurou com firmeza.
— Está tudo bem, eu estou com você. - Tayná sussurrou no ouvido de Alice, que assentiu.
— Eu… Eu sou Alice, amiga da Tayná, prazer em conhecer vocês. - Alice disse usando de Tayná como sua força.
— Você vai ficar para o jantar, Alice? - Deolinda perguntou.
— Hoje não, senhora. Eu tenho que ir para casa, então vim rapidinho trazer o Sol.
— Entendo, é uma pena - disse o pai de Tayná.
— Mas amanhã vai ficar para o almoço? Tayná me disse que você vem de manhã - questionou a mãe.
— Você fica? - Tayná olhou a amiga com esperança.
— Não sei… - Alice esfregou o braço que Tayná está segurando a mão.
— Por favor.
— Vou ficar então. - Alice disse rendida.
— Ela vai ficar para o almoço amanhã, mãe. - Tayná se animou.
— Eu tenho que ir agora, Tayná.
Entendendo que a garota não está preparada para mais tempo com a família dela, a levou até o portão e se despediu.
Chegando em casa, Alice correu para o quarto, trocou de roupa para os seus pijamas e enfiou a cara no travesseiro, se perguntando como vai aguentar a interação com a família de Tayná no dia seguinte, porque são muitas pessoas para lidar e prestar atenção, ela não sabe se consegue manejar tudo isso.
“Não se preocupe, amanhã eu vou estar com você.” - Tayná enviou parecendo saber o que a garota está pensando.
“Eu sei, obrigada.”
“Mal posso esperar para te ver amanhã.”
“Digo o mesmo.”
Alice enviou com um emoji de coração.
Alice dormiu um pouco mal, meio que se acostumou nessa semana com a presença de Sol na cama, esquentando ela um pouco e fazendo companhia, mas agora só tem o cobertor e o ursinho de pelúcia grande que fica no canto da cama.
A manhã chegou, Alice acordou, viu as horas e soube que faltam ainda duas horas para o encontro com Tayná. Ela levantou, passou café, depois comeu e escovou os dentes, então acordou a mãe, como toda manhã de sábado dela. A mãe, por alguma razão, é especialmente atraída para a cama nos finais de semana, mas ela não para de trabalhar nem nesses dias, então sobra para Alice acordar a mulher para trabalhar.
— Lucas, Lucas. - A mãe chamou.
— Oi, mãe? - Alice respondeu, sentindo uma parte de si rasgar como todas as vezes.
— Você vai sair com sua amiga como todo final de semana?
— Vou sim.
— Você não passa tempo comigo mais.
— Você está sempre ocupada e até quando vai me chamar de Lucas? Esse garoto já morreu.
— Não diga assim. Você não deveria dizer essas coisas, Lucas.
— Eu vou repetir quantas vezes forem necessárias.
— Eu não quero brigar com você logo pela manhã. Você não vai ir com a roupa que trouxe, vai usar a roupa de garotinho que eu comprei.
— Sim, senhora.
— Agora vá se vestir para eu ver antes de ir trabalhar no escritório.
— Sim, senhora.
Alice foi para o quarto e abriu o guarda roupa, ela escolheu as roupas que acha menos feias que a mãe comprou. Uma bermuda jeans verde, uma camisa branca e uma camisa de botão verde por cima. Depois de se vestir, ela desceu para a mãe ver.
— Pronto? Feliz? - Alice expressou sua falta de vontade.
— Ainda não. Me deixa prender esse cabelo.
— Não, deixa pelo menos o cabelo solto.
— Você não vai sair com esse cabelo solto parecendo uma garota.
— Por favor!
— Se você não obedecer, não irá sair.
— Tudo bem… - nesse ponto a expressão de Alice é quase de choro.
Ela se aproximou da mãe que fez um coque com o cabelo da garota. Alice não gostou porque gosta do cabelo solto porque é um dos maiores orgulhos dela, nesse momento a mãe tirou todos os orgulhos que ela tem de ser e isso logo antes do primeiro encontro que ela vai ter com Tayná junto da família.
Alice não sabe o que deu na mãe para de repente começar com essa história de querer controlar a roupa dela de novo, nos outros finais de semana ela pôde sair do jeito que quis, foi aí que lembrou que a mãe não a viu sair das outras vezes, porque a mulher já estava enfurnada no escritório, então não viu a garota sair ou chegar da rua.
Depois de passar por essa humilhação matinal, Alice saiu o mais rápido que pôde para ir para o parque esperar dar a hora de ir para a casa de Tayná. No caminho, ela está andando chorando, quando passou por Tayná.
— Alice? Alice, é você? - Tayná disse e segurou o braço da garota depois de a alcançar.
Ela só parou ainda chorando e percebendo isso, Tayná a abraçou, ainda segurando a sacola de pão.
— Pronto, pronto. Está tudo bem. - Tayná disse acariciando as costas de Alice.
A garota estendeu os braços e abraçou a amiga, puxando ela mais para perto e aos poucos começou a respirar mais devagar e parou de chorar.
As duas ficaram encostadas, em um abraço quente e acolhedor por alguns bons minutos, Alice ainda soluçando, mas já sem lágrimas nos olhos, mais calma.
Tayná não teve coragem de interromper o momento de ternura por medo de que se ela se afastar, a amiga vai quebrar em mil pedaços e não ter forças para se sustentar em pé.
— O que houve?
— Minha mãe me fez me vestir assim para te encontrar.
— O que tem?
— Eu estou me sentindo horrível.
— Mas você está bonita.
— Mas eu pareço um garoto.
— Mas você é uma garota, então é um visual mais tomboy.
— Eu… Eu…
— Para onde você estava indo?
— Para o parque esperar dar a hora de te encontrar.
— Então vem para minha casa de uma vez, eu vim comprar o pão para o café, o pessoal acorda tarde no sábado e é a minha vez de comprar pão.
— Eu não vou atrapalhar?
— Claro que não, bom que a gente pode ver mais coisas juntas.
— Tudo bem… então.
As duas garotas deram as mãos e foram para a casa de Tayná, chegando lá, está um silêncio absurdo na casa. Tayná preparou o café da manhã dela e para Alice também, ela obrigou a garota comer, mesmo que ela já tenha comido porque considera que comer ajuda a afogar as mágoas. Depois de comerem, levou Alice para o quarto.
É a primeira vez de Alice no quarto de Tayná. Ela tem uma cama de solteiro com roupas de cama brancas, a cama é um marrom escuro, pela parede do quarto tem diversos pôsteres de anime e desenhos da Joana Fraga, uma artista que ela conhece as artes pelo twitter, tem um guarda-roupa grande de frente para o pé da cama, mas tem espaço o suficiente para por duas mesas entre a cama e o guarda-roupas, tem várias estrelas e luas fluorescente coladas no teto e algumas além do ventilador pintado com nuvens, do lado da cama tem uma mesa com uma luminária daquelas que você pode mover a parte de cima, um notebook e cadernos, lápis e outros materiais escolares, no quarto tem uma porta para um banheiro também, fazendo o quarto ficar em L e na parede que divide com o banheiro, tem um espelho ocupando a parede toda. As cortinas são um rosa claro.
— Seu quarto é lindo.
— Eu sei, não é? Eu que decorei. - Tayná gabou-se.
— Sim, mas apesar de lindo tem muita informação também.
— Eu sou muita informação, então meu quarto tem que ser igual.
— Faz sentido.
— Vem senta aqui na cama, vamos arrumar você para se sentir confortável.
Alice se sentou na cama de costas para Tayná, que desfez o coque que Teodora fez e ajeitou o cabelo dela para ficar mais soltinho.
— Melhor?
— Um pouco…
— Por que você está assim?
— Porque minha mãe me forçou a usar essas roupas para ficar mais parecido com um garoto.
— Gente… Mas por que ela faria isso?
— Porque ela sente falta do Lucas.
— Quem é Lucas?
— Alguma hora eu te explico.
— Quer mudar um pouco a roupa?
— Sim. Quero só tirar a blusa branca que está por baixo.
— O banheiro é por ali.
Alice foi ao banheiro, tirou a blusa de baixo e colocou de volta a camisa de botão, a fechou, deixando os três últimos botões desabotoados e um lado da camisa para dentro da bermuda e os dois últimos botões de cima também ficaram desabotoados, deixando a camisa mais aberta, com a gola mais esparramada. Ela jogou um pouco do cabelo para frente e se sentiu um pouco melhor.
Quando a garota voltou para o quarto e se sentou do lado de Tayná, a outra ficou um pouco constrangida porque achou a amiga muito bonita. Principalmente depois que percebeu o que estar só de camisa de botão fazia acontecer.
— Você está muito bonita. Mas… é que assim…
— O que?
— Eu meio que consigo ver pelo espaço que cria na camisa quando você se move…
— Ver o que?
— Teus peito, garota. Eu consigo ver e é demais para mim.
— Ah! Eu vou vestir a camisa branca. - Alice falou muito envergonhada e voltou para o banheiro.
Depois de vestir a camisa branca, ela voltou com o visual original modificado de novo. Dessa vez a camisa de botões está por baixo da blusa lisa.
— Melhor? - Alice perguntou.
— Sim… Bem melhor, não que eu achasse ruim antes.
— Você é uma safada. - Alice disse rindo.
— Fazer o que se a garota que eu gosto chega se mostrando assim? - Tayná falou de novo sem perceber o que diz.
— Garota que você gosta? - Alice perguntou olhando para Tayná com os olhos brilhando.
— Eu disse isso?
— Sim, você disse.
— Ah, meu deus, eu disse. - Tayná ficou envergonhada ao perceber e enfiou as mãos na cara e deitou na cama.
Alice se inclinou por cima dela e puxou as mãos da garota.
— Deixa eu ver teu rosto envergonhado.
— Não, eu não deixo. O que vai ser da minha pose e do meu ego se você ver?
Quando Alice foi falar mais alguma coisa, ela foi acertada por um peso, vulgo Sol, e caiu apoiada com os cotovelos do lado da cabeça de Tayná, as duas ficando com os rostos muito próximos e do nada começou a tocar uma música deixando o clima romântico.
Música: “Coração radiante” - Grupo Revelação
As duas olharam de canto de olho e viram que foi Sol o responsável por todos esses acontecimentos.
— Desculpa, eu não queria estar tão próxima. - Alice foi se afastar.
Tayná segurou a camisa dela e a puxou para perto de novo.
— Ei… É só uma ideia… Mas eu poderia te beijar agora? - Tayná disse com os olhos brilhando de encanto com a visão de Alice.
— Você não pode… - Alice relutou um pouco.
— Por que? Você até ficou indecisa para dizer isso.
Alice se levantou e desligou a música que vinha do celular de Tayná, cortando o clima.
Ela ficou sentada, respirando devagar para acalmar a avalanche de incertezas de seu coração. E decidiu voltar a falar.
— Você não pode porque eu não te contei tudo sobre mim.
— Então me conta. - Tayná falou depois de se sentar.
— Eu tenho medo de você me rejeitar até mesmo como amiga depois de saber.
— O que poderia ser que me faria parar de conviver com uma pessoa tão doce quanto você?
— Eu vou te contar então…
— Diga.
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