Ain't it funny? Rumors fly
And I know you heard about me
So, hey, let’s be friends
I’m dying to see how this one ends
Não é engraçado? Os boatos voam
E eu sei que você ouviu falar de mim
Então, ei, vamos ser amigas
Estou louca para ver como isso termina
— Blank Space
Nós chegamos a Porto no final da manhã, desfazemos as nossas malas e imediatamente saímos para explorar a cidade em grupos pequenos. Ember, Sofia, Alba, Emily e eu ficamos no mesmo grupo, como está acontecendo cada vez mais.
A princípio, as meninas ficam felizes em seguir o roteiro que Emily e eu preparamos. Almoçamos naquele McDonalds de luxo — até que ele é bem legal, mas eu me recuso a admitir — e tiramos selfies nos espelhos, fazendo caretas e erguendo sanduíches meio comidos. Eu abro o Instagram, pronta para postar alguma coisa, e mudo de ideia de última hora. Faz dias que não posto nada e não estou a fim de lembrar as pessoas de que existo.
Depois visitamos uma igreja, damos uma boa olhada no ouro roubado, e é aí que entro numa rodada de apostas com Ember.
— Aposto que consigo tocar em mais santos do que você — digo, abrindo um sorriso provocativo.
Ela vira para mim, um pouco confusa a princípio. Seu cabelo está preso em um nó frouxo atrás da nuca, apenas alguns fios escapam, e está usando lentes de contato, seus olhos parecendo ainda mais verdes sem os óculos. É difícil não ficar encarando, então começo a andar rápido, tocando no máximo de estátuas de santos que consigo e contando em voz baixa.
Ember entende a brincadeira bem rápido. Sem nem reclamar do quão estúpido isso é, sai correndo atrás de mim, seus dedos tocando no pé de um santo bem rápido antes de ela partir para outro. É um milagre a gente não ser expulsa da igreja.
No fim, eu saio ofegando, descendo as escadas e me gabando dos meus trinta e quatro santos.
— Você só pode estar zoando comigo — ela diz ao meu lado. — Nem deve existir tanto santo assim
— Bom, tinha muitas estátuas — me justifico, dando de ombros. — Se quiser questionar a santidade de cada uma, pode voltar lá e perguntar.
— Tá, a próxima então. — Ela olha ao redor, depois sorri. — Duvido você chegar primeiro na Ponte D. Luís.
— Como assim?!
— Valendo!
Ela corre até uma fileira de patinetes, daqueles alugados via aplicativo, e imediatamente tira o celular do bolso para pegar um.
— Ah não. — Olho para trás. Sofia, Emily e Alba descem as escadas com calma. — Para que lado fica essa ponte?
Alba aponta para a direita.
— Não é tão longe, mas você vai perder.
— Ei, não aposta contra a minha garota — Emily me defende, fazendo seu papel de amiga. Depois olha para mim: — Mas é uma ideia estúpida, você não tem senso de direção.
— Eu me recuso a perder.
Apresso o passo descendo os degraus, notando que Ember está começando a montar no patinete, e quase tropeço nos meus próprios pés. Depois olho rápido para trás, gritando para Emily:
— Aposta aí uns dez euros que eu ganho!
Não espero para ver se ela aposta ou não. Abro o aplicativo de aluguel dos patinetes, xingando porque ainda preciso fazer meu cadastro nele.
— Boa sorte ficando para trás — Ember diz, a alguns passos de distância, e dispara com o patinete pela ciclovia.
— Não é justo! — Grito para as costas dela. — Você já visitou a cidade antes!
Mas ela não dá ouvidos às minhas reclamações, nem mesmo desacelera para me dar alguma vantagem. Eu finalmente consigo destravar um patinete e subo nele, meio destrambelhada no início. Quando começo a andar pela ciclovia, quase sou atropelada por um adolescente de bicicleta, e aí ele ainda diz:
— Espera, você não é aquela ex-namorada do Stephen Andrews?
Ao que respondo com um:
— Tá doido, menino? — E saio embalada no meu patinete.
Entre quase atropelar alguns portugueses, quase ser atropelada e ter que parar algumas vezes pedindo direções, chego intacta à entrada da ponte. Por último, mas intacta. Eu bem que podia ter sido atropelada de fato, assim teria uma desculpa decente para a derrota.
Competitiva, eu? Bom, nunca joguei nada na vida em troca da porra de uma medalha de participação.
Ember está me esperando sentada no chão sujo, perto da margem do Rio Douro. Tem um sorriso convencido estampado no rosto, o patinete largado ao lado dela.
Desmonto do meu patinete, bufando, e vou empurrando-o até onde ela está.
— Estamos empatadas — aviso antes que ela possa me chamar de perdedora. — Você pode ter ganhado essa, mas eu ganhei a primeira aposta.
O sorriso dela aumenta, mostrando uma covinha em cada bochecha, e ela seca o suor da testa com as costas da mão.
— E o que você vai fazer sobre isso?
Olho para a ponte, para a extensão reservada a pedestres e ciclistas, e sorrio.
— Vou chegar antes de você do outro lado.
Largo o patinete ao lado do dela e parto em uma corrida, ouvindo-a xingar atrás de mim, provavelmente por causa do tempo que demora para se levantar. Ela logo começa a correr, tentando me alcançar.
O ar gelado sopra contra o meu rosto, invade minhas narinas, minha garganta e os meus pulmões, fazendo tudo arder. Meus Adidas de solado baixo não são os melhores tênis para uma corrida como essa e, com meu sobretudo pesado, eu destoo das pessoas correndo com leggings e blusas próprias para exercícios físicos.
Mesmo assim, é tudo estranhamente perfeito, de um jeito que eu não conseguiria explicar se alguém me perguntasse.
É um dia nublado de inverno, a água do rio abaixo de mim está cinza, as pessoas me olham de cara feia, surpresas ou irritadas por algum motivo, mas Ember está correndo atrás de mim, às vezes chega a me alcançar, e a presença dela ilumina tudo. Deve ser o jeito como ela me provoca, meio rindo enquanto diz:
— Isso foi uma péssima ideia.
Parece que estou cheia de péssimas ideias ultimamente.
Ela é uma péssima ideia. Uma ideia terrível. E eu vou arrumar outra ideia terrível para substituí-la, como disse a Emily. Vou encontrar outra pessoa por quem nutrir uma paixão platônica.
Amanhã. Hoje não.
— Vou derrotar você, estou só me aquecendo — ela diz num outro momento em que volta a correr ao meu lado, seu ombro roçando no meu.
— Palavras, palavras — eu provoco de volta. — Nós duas sabemos que eu estou mais em forma do que você.
— É uma piada, né? — Ela me olha de lado, suor escorrendo por suas têmporas. — Me diz que é uma piada, porque nós duas sabemos que não é verdade.
— É o que vamos ver.
Dou conta de acelerar ainda mais os passos, voltando a ganhar a dianteira. Minhas panturrilhas queimam. Espero que o nosso técnico nunca descubra que, dois dias antes de um jogo, fomos correr por uma ponte com tênis inadequados.
Mas, só por este momento, não me importo com o que o nosso técnico pode pensar, ou mesmo com o jogo. Só quero ganhar de Ember. E ganho.
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