Rejected Family
Capítulo 3
Rejeite o fracasso, Parte 1
De volta para o movimentado cotidiano do Pé da Montanha, Toki, Kikyo e Muro caminham pelas estreitas ruas da capital. Nico se encontra sobre a cabeça da adulta.
Cercados por casas de ambos os lados, não havendo espaço para nenhuma outra construção sequer. As moradias são abruptamente coladas umas nas outras, chegando até mesmo a invadir o espaço vizinho em alguns casos, não possuindo uma divisão física clara entre suas estruturas. Como se fossem agrupadas em imensos blocos de oito casas ou mais, essa disposição acaba restringindo a área da capital a um amontoado caótico de residências, com uma quantidade ínfima de becos e corredores.
Kikyo segura a mão da sua filha, enquanto anda pela região, logo atrás de Muro. O garoto segue deprimido, de cabeça baixa e ombros trêmulos.
“Repul… repul…” ele murmura.
Sua mãe lhe questiona, “Qual o problema dessa vez?”
“O mesmo de sempre. Muro participou de mais uma briga hoje e não despertou seus poderes,” Toki responde por seu irmão.
“Uma briga envolvendo um desenvolvedor… onde você se meteu?” Kikyo pergunta para a filha.
“Ah, foi… uma briga a-amigável. É, tipo uma competição! Aquele bobão adora desafios.”
“Sem frutas para você hoje. Está de castigo.”
“Hein? Muro, seu idiota! A culpa é sua!” A garota faz birra.
Muro se entrega à tristeza, murmurando, “Foi mal. A culpa é sempre minha. Sempre será minha culpa. Afinal, eu não sou um repulsor.”
“Você destruiu o seu irmão,” Kikyo pressiona a criança.
“O-oque? A culpa não é sua, Muro. Eu que causei problemas!”
Toki admite seus erros, ao mesmo tempo que é encarada por sua mãe, um olhar desconfiado.
“Droga. D-digo, foi a Nico!” A garota volta atrás de sua afirmação.
Kikyo observa seu filho, ainda abatido. Ela assume um tom de seriedade, o consolando.
“Você sabe que não é um caso especial. É verdade que o Pé da Montanha é a vila com mais repulsores de toda a montanha, porém também é a com o maior número de habitantes. Há muitos outros nessa mesma situação.”
“Tá tentando destruir as minhas esperanças?” Muro se mantém olhando para o chão.
“É só pensar em todas as pessoas com quem você já comprou briga. Já enfrentou várias, e nenhuma delas tinha esses poderes.”
“Então, tá falando para eu aceitar que nunca vou conseguir?”
Toki sussurra, tentando ajudar a sua mãe, “N-não é desse jeito! Vai piorar as coisas!”
Kikyo respira fundo, se acalmando para tentar confortar o rapaz, que adentra cada vez mais nas pequenas rotas da cidade.
“Escuta, Muro. Nós te dizemos isso todos os dias, não precisa ter pressa. Todos já concordaram em te esperar, portanto, vá no seu tempo.”
“Se todos estiverem velhos quando eu me tornar um repulsor, isso já não vai fazer mais sentido,” ele responde.
“Pode ter certeza que ainda nesse caso todos estarão te esperando.”
A lenta caminhada do rapaz é interrompida. Ele para de se mover, de frente para uma grande casa. Seus ombros — agora rígidos — escondem a sua expressão dos demais diante de suas costas.
“Hehe. Essa foi boa, mamãe,” Toki brinca.
“Você ainda está de castigo, nem tente me persuadir.”
“Ei, isso é injusto!”
No local onde os olhos de Muro se fixam, à beira da estreita rua, encontra-se uma casa erguida por tijolos de barro, cujo seu contrastante tamanho faria qualquer um se questionar como ela sequer estava de pé. Sua fachada, em tons desbotados de branco, juntamente com todo o restante da pintura descascada, marcam a estrutura como cicatrizes, que tanto preocupam o apressado garoto.
As duas moradias vizinhas cercam a residência, não havendo nenhum espaço entre elas, quase como se fossem unidas em apenas uma construção, sendo separadas somente por paredes internas e pela visível diferença de altura que as destacam umas das outras.
A casa da família Mamoru é a de maior comprimento e largura de sua rua, podendo ser reconhecida de longe, mesmo naquela caótica organização da capital, que atinge números exorbitantes de pessoas por metro quadrado.
Perante paredes que parecem usar todas as suas forças para se manter de pé e um teto forrado com telhas quebradas e gastas, como se estivesse ameaçando desabar a qualquer momento; Muro sorri.
“Bom, você sabe como as coisas funcionam. Vou cuidar do almoço, você cuida do resto,” Kikyo fala para o seu filho.
“Certo!” O garoto responde, seguindo a sua mãe.
“Ah, mais uma coisa... nem mais um piu sobre aquele papo do Cume, sabe como todos vão reagir.”
“Você ouviu essa parte!?!?”
Kikyo abre a porta da frente do seu lar, com Toki logo atrás dela.
“Muro! Chegou em boa hora,” Uma voz grossa chama a atenção do rapaz, que adentra em sua agitada casa.
“Tio Saul! Precisa de ajuda?”
“Ah, com esse pacote? Nem um pouco!” O homem sorri ao ver seu sobrinho, enquanto carrega o peso de um grande pacote fechado, que possui a sua altura.
Os músculos dessa relaxada figura transparecem pelo seus braços de maneira anormal, como se pudessem pular para fora deles a qualquer momento. O restante do seu corpo não acompanha este físico exagerado, com seus outros membros possuindo uma estatura desproporcionalmente comum, um simples homem de meia idade.
“Esse é só o meu novo saco de pancadas. Sabe como é, acabei quebrando o antigo. Hahahaha,” ele complementa, dando uma leve risada.
Na cozinha, Kikyo ouve a situação de longe, à medida que lava os talheres que comprou mais cedo. Não há nenhuma parede separando-a do cômodo no qual Saul se encontra, a sala de jantar.
“Você de novo gastando nosso dinheiro com besteira,” ela comenta.
“O que posso fazer se só vendem esses materiais fracos? O último até que durou bastante, aguentou cinco socos.”
Kikyo o ignora, dirigindo a sua atenção para outro jovem.
“Lev, por que você ainda está aqui? Já está na hora de ir buscar o seu primo na escola. Sabe que não pode deixar ele esperando sozinho,” ela o indaga.
O requisitado garoto coça a cabeça ansiosamente, tropeçando enquanto caminha pela cozinha, diante da irregularidade do piso.
“D-droga. Já está na hora? Assim eu vou… e-eu vou me atrasar!” Se desespera à medida que perambula de um lado para outro, acabando por esbarrar em uma bancada de preparo.
Alguns tomates apoiados na determinada mesa caem pelo chão áspero, sobre desgastadas tábuas de madeira.
Toki faz escândalo, “ei! Minhas frutinhas!”
“Deixe isso comigo. Vá logo, Lev,” Kikyo ordena, perdendo a paciência.
“S-Sim senhora!”
O garoto inexplicavelmente desaparece do local em uma velocidade inacreditável, não sendo possível sequer ver a sua silhueta. Deixando apenas vento para trás, Lev se retira com a porta da frente aberta, saindo por ela sem que ninguém sequer conseguisse notar a sua passagem.
Muro, ainda disposto, se oferece para ajudar, “então, precisam de mim na cozinha?”
“Você deveria ir logo lá para cima. Hoje as coisas estão bem barulhentas,” seu tio responde.
A porta de entrada da casa se fecha abruptamente.
“Voltamos!” Algo escapa dos olhos de todos ali presentes.
Como um rastro de poeira que chega na sala de jantar em milissegundos, Lev retorna com um pequeno menino ao seu lado.
“Muro!” O garotinho recepciona seu irmão mais velho.
“One! Como foi a escola?”
“Chata.”
“Entendo.”
Kikyo segue atarefada, preparando a comida ao mesmo tempo em que alerta Lev, novamente.
“Agora a Toki está atrasada. Leve-a para se arrumar, Lev.”
“O que!? Ela também?”
O garoto some instantaneamente com a criança, subindo longas escadas em um piscar de olhos. Concedendo um delicado caminho para o segundo andar, aqueles degraus tremem com a velocidade do garoto, rangendo em protesto mesmo após o mais simples passo.
A voz distante de uma raivosa moça — vindo de cima — é ouvida por todos na sala, “Mãe! A vovó tá aprontando de novo!!”
“Muro!” Kikyo convoca seu filho.
“Tá, tá. Pode deixar.”
Ele sobe logo após o comando, manchando as suas mãos na ferrugem do corrimão. Passando rapidamente por aquela grande escada, — que parecia poder desabar a qualquer momento — Muro se depara com algo curioso no fim do caminho. O rapaz enxerga o seu próprio corpo se movendo bem em sua frente, virando o corredor na sua direção.
“Vovó!” Muro chama por quem está adiante.
“Gostei da sua roupa hoje, boa escolha!” Kelly – a avó de Muro – fala, assumindo a aparência do garoto, se movendo como uma cópia perfeita do seu visual.
“Você precisa voltar ao normal. Espere aqui, vou procurar um espelho para resolver isso.”
O rapaz adentra em um extenso corredor, que parece ter sido largado no vazio, não possuindo nada além de várias portas em suas laterais e um alto suporte de chapéus. O segundo andar da grande casa é como um único caminho que conecta os quartos de todos que ali habitam, cumprindo apenas esta específica função, porém com uma eficácia que beira a perfeição.
Um senhor de meia idade se encontra no local, ao lado da última peça que falta para completar o seu estilo costumeiro. O experiente adulto almeja um charmoso chapéu, mas é atrapalhado por um significativo obstáculo.
Seu objetivo se encontra no topo de um alto suporte, colidindo diretamente com a sua fraqueza de um metro e quarenta e oito centímetros.
“Por que eles colocam essas coisas tão alto?” Calos resmunga, tentando se esticar para alcançar o objeto.
Muro o interrompe velozmente, “Não, não. Sem se esticar.”
Ele corre na direção do seu pequeno pai e pega o chapéu para o necessitado, evitando que ele se esforce para alcançá-lo.
“Oh! Valeu pela ajuda, moleque. Às vezes eu penso que colocam essas coisas aí só para me sacanear.”
“Sem problemas, pai. Só tome cuidado, você não pode se esticar dentro de casa.”
“Isso não aconteceria se esses idiotas facilitassem as coisas. Vamos, me ajude a derrubar esse suporte!”
“Foi mal, agora eu tô com pressa. Prometo resolver isso depois!” Encerra a conversa, enquanto corre em direção à porta do quarto de sua avó.
Seguindo por todas aquelas paredes vazias, Muro chega na entrada do cômodo desejado. Ao girar a rígida maçaneta, — que mal consegue exercer a sua função — a entrada permanece bloqueada, o aposento de Kelly está trancado.
“Fala sério…”
Durante o breve período de desapontamento, uma voz agitada é ouvida pelo corredor, “ahhhh! Sai daqui, seu inseto nojento!!”
Uma raivosa moça percorre o extenso caminho até Muro. Seus longos cabelos assanhados e pele úmida ampliam o seu notável estresse.
“Ei, Lua! Chegou em boa hora!”
“O que tá fazendo parado aí!? Se livra dessa coisa!”
A jovem está sendo perseguida por uma persistente vespa amarela, correndo ativamente pelo local.
Muro tenta se comunicar, enquanto ela se aproxima cada vez mais, “Espera! Eu preciso da sua ajuda!”
Em uma tentativa de agarrar o braço da sua irmã mais velha, a mão do garoto acaba atravessando por completo o corpo alvejado, não conseguindo tocá-lo, mesmo estando diretamente sobre ele.
“Ei, jogue essa mão pra lá! Eu acabei de tomar um belo banho, e você veio da rua. Deve estar imundo!”
“Ah, qualé!?”
Lua atravessa completamente o corpo de Muro, passando por ele como se não houvesse nada em seu caminho.
A vespa agora vai impulsivamente na direção do rapaz, que desvia da investida e acerta o inseto com um chute certeiro.
“Você tem um espelho em algum lugar?”
“Fique longe do meu quarto, pirralho!” Lua foge para longe, descendo as escadas sem olhar para trás.
“Ei, isso é importante!” Fala sozinho, deixado para trás com a pobre vespa, que cai no chão, nocauteada.
Mesmo após ser ignorado, Muro ergue a cabeça, continuando em direção as últimas portas que restam em seu caminho. Muito bem, agora sobrou apenas eu, ele pensa, decidido.
One subitamente aparece em frente ao rapaz, sem nenhuma movimentação prévia. A repentina aparição deixa seu irmão mais velho ainda mais desanimado.
“Até você, One?”
“Ah, vacilei. A mamãe me pediu pra jogar o lixo fora. Pelo visto, eu acabei ficando sozinho.”
Muro respira fundo para se acalmar.
“Tá tudo bem, você não tem controle. Agora que está aqui, tem algum espelho no seu quarto? Preciso de um para fazer a vovó Kelly voltar ao normal.”
“Espelho?”
“Use isso,” uma voz trêmula sai da última porta do corredor.
À medida que o som de seus passos se aproxima, ouve-se o gotejar de um líquido caindo no chão. Andando lentamente na direção dos garotos, uma mulher prossegue com seus braços ao longo do corpo, uma movimentação movida à exaustão.
“T-tia Honda!?!?” Muro a identifica apenas pela voz.
Dos pés a cabeça, a irreconhecível figura está coberta de sangue, com cacos de vidro fincados por todos os seus membros.
“Aqui, use esse pedaço de vidro. Contanto que ela consiga se ver, vai ter o mesmo efeito,” oferece o material com uma invejável calma, mesmo diante daquele deplorável estado.
“O que você estava fazendo!?!? Como pode ter tanto sangue!?!?!?” Pergunta o rapaz.
“Aquele inseto… é assustador…” sua tia responde, com a cor dos seus olhos se esvaindo à medida que ela toca no delicado assunto.
“Quantas vespas você matou!?!?”
“Não se preocupe, esse sangue é meu. Eu acabei tendo mais dificuldades que o normal para acertar aquelas coisas. Eu também quebrei a minha janela, o que significa que logo vão aparecer mais.”
Diante do deprimente estado de Honda, seu sobrinho opta por deixá-la em paz, “bom, só tenha mais cuidado na próxima. E… apareça na sala de jantar, hoje é o dia do almoço.”
“Relaxa, eu só preciso limpar isso antes.”
Após conseguir obter o caco de vidro das mãos da mulher, Muro se satisfaz em meio ao conturbado dia a dia da família Mamoru.
Depois de uma manhã agitada, todos os dez moradores daquela casa almoçam tranquilamente. Um respiro aguardado por todos ali presentes, que devoram toda a comida disposta naquela apertada mesa, não havendo espaço nem para mais uma alma sequer.
“Finalmente! Esse é o único dia da semana que presta!” Calos devora qualquer coisa comestível em seu alcance, aproveitando cada grão do seu prato.
Em meio aquele pacífico ambiente, Kikyo deixa a sua moderada refeição de lado e traz à tona o elefante na sala.
“Querem contar o que aconteceu hoje, ou conto eu mesma?”
Toki coça a cabeça, ansiosamente, “er… a Nico realmente nos deu muito trabalho hoje, hahaha.”
Comments (0)
See all