The Rejected Family
Capítulo 4
Rejeite o fracasso, Parte 2
Depois de uma manhã agitada, toda família Mamoru almoça tranquilamente. Em meio aquele pacífico ambiente, Kikyo deixa a sua moderada refeição de lado e traz à tona o elefante na sala.
“Querem contar o que aconteceu hoje, ou conto eu mesma?”
Toki coça a cabeça, ansiosamente, “er… a Nico realmente nos deu muito trabalho hoje, hahaha.”
Durante a sua risada envergonhada, a garotinha olha para seu irmão mais velho, como quem procura uma luz em meio à escuridão.
“Mas… vocês perderam algo incrível! Muro acabou com homens assustadores!”
“Hein? Você se meteu em confusão? Já é a terceira vez só essa semana,” Calos questiona o seu filho.
Saul continua, enaltecendo o sobrinho, “bom, ele amassou a cara do idiota?”
“Ele saiu voando com um soco! Depois ficou gritando: Eu me rendo! Eu me rendo!” Toki se empolga, agarrando a sua última esperança.
O tio vibra pela vitória, “é assim que se faz, Muro!”
Lua termina rapidamente o seu minúsculo prato, lhe restando apenas participar daquela desinteressante conversa.
“E como aconteceu essa briga estúpida?”
Muro — que mais observava os outros se alimentando, do que comia de fato — abaixa a cabeça, desfazendo por completo o antigo sorriso em seu rosto.
As mãos inquietas de Toki constantemente buscam algo para tocar ou apertar, entrelaçando seus dedos repetidamente, na busca por um alívio para sua visível agitação.
Não conseguindo olhar diretamente nos olhos de seus ouvintes, ela relembra da situação que vivenciou mais cedo, “eu estava correndo atrás da Nico, aí… eu acabei me divertindo demais, então… o homem assustador não estava feliz.”
Sua mãe morde os próprios lábios, de ombros tensos com sua gritante insatisfação.
“Essas ruas estão cada vez piores. Fala sério, na área comercial? É um lugar super movimentado… uma criança não pode nem brincar mais?” Honda se entristece, inconformada com a situação.
“Não, deste jeito não. Vivemos assim há anos, ela foi descuidada,” Kikyo confronta sua irmã.
“Ela é uma criança.”
“Mas aquela atitude foi inadmissível. E sabe o que mais? O sujeito trabalhava para um desenvolvedor!”
Com seus braços tremendo, sem conseguir mais segurar seus talheres e encurralada pelo debate, Toki pede perdão, “d-desculpa…”
O silêncio toma conta do ambiente, onde o único som que chega aos ouvidos daqueles ali presentes é o inconstante ruído do contato entre colheres de madeira e desgastados pratos de cerâmica simples.
Os olhos dos familiares não conseguem repousar em um único ponto, desviando sua atenção sempre que esbarram no rosto alheio.
Em meio à desconfortável atmosfera da sobrecarregada sala de jantar, uma única face permanece plena, encarando a mais constrangida figura.
“O que você faria se a Nico voasse para outra vila?” Kikyo indaga sua filha.
“Eu… iria atrás dela!”
“Isso é impossível. Apenas quem vence a provação pode ir para próxima vila.”
“Mas…”
“Entendeu agora? Não importa se é no topo ou aqui embaixo, há lugares que simplesmente não podemos frequentar.”
“Já basta!” Honda interrompe o sermão incessante.
A conversa cessa brevemente, fazendo com que aqueles que antes dialogavam voltem a comer. Completamente alheio ao debate, Saul se alimentava ininterruptamente, — com os modos de um bárbaro — quando de repente percebe um prato sendo empurrado ao seu lado.
Muro encerra a sua refeição, afastando o utensílio onde estava seu almoço. Ainda de cabeça baixa e fechando os punhos em um ato de força intensa, o rapaz murmura em seu assento.
“Isso vai mudar…”
“Hein?” Seu tio não compreende o que foi dito.
“Tsc, isso vai mudar!” O rapaz repete, com certeza na sua afirmação.
Sua mãe retoma a discussão, “não escutou o que falei? O problema não está nesta vila. Todos os que estão mais acima empurram os seus problemas para baixo. Não vamos resolver nada lamentando por aqui.”
“É por isso que cuidaremos desse problema em outro lugar.”
“Você…” Calos pressente algo.
O garoto mantém a determinação, enquanto é cercado de expressões angustiadas.
“Se morássemos nas outras vilas ao longo da montanha, tudo seria diferente, não? Vencendo as provações, nós poderíamos frequentar qualquer ponto do mundo sem sermos rejeitados.”
Diante de olhos que remetem a inocência de uma criança e da postura ereta de alguém que nunca se deixa abalar, Lua tenta trazer Muro para realidade, “você sabe no que isso implica…”
“Se nós estivéssemos em uma cidade mais acima, Toki talvez pudesse brincar por aí sozinha, seja na montanha ou nas ruas. Nico poderia voar para onde quisesse!”
“Muro…” Kelly fecha parcialmente suas pálpebras, com pena do seu neto.
“Ei, Lua. Já imaginou tomar um banho como aquele todo dia? Tia Honda, o que acharia de não ver mais os insetos morando na sua janela? Tio Saul, não gostaria de almoçar sempre que quisesse? Dizem que quanto mais alto alguém chega, mais as possibilidades se expandem.”
Sua mãe contraria o animado rapaz, “Muro, nós não vivemos mal aqui. Está tudo bem.”
“É mesmo? Então acho bom todos vocês aproveitarem muito esse lugar enquanto puderem.”
Ele se levanta, empurrando o seu prato na direção de Saul, que agora possui dois almoços à sua disposição.
Como um furacão, — que puxa tudo ao redor em torno de seu centro — todos os olhares da sala lotada são agrupados em um único ponto, sendo quase impossível desviar a atenção.
“Porque eu vou levar todos vocês até o cume!!!” O garoto afirma.
“Ele falou...” sentada, Toki olha para cima, observando seu irmão, com um contagiante brilho em seus olhos.
Muro exclama a sua declaração final, “a cidade dos nobres, onde todos viveremos em paz! Quando eu me tornar um repulsor, venceremos as provações e subiremos por todas as vilas da montanha!!”
As palavras ditas naquele momento reverberaram em sua mente durante todo o restante do dia, que agora é marcado pelo melancólico por do sol, sob o qual caminha o solitário jovem.
Segurando dois baldes, ele caminha em direção a um grande poço de água, enquanto se lembra de uma conversa com sua mãe.
“Muro, precisamos de mais água para a noite. Pode cuidar disso?”
“Claro, sem problemas.”
“Ah, mais uma coisa, na volta traga a sua irmã para casa. Ela deve estar saindo da escola nessa hora.”
No presente momento, — olhando na direção do que lhe foi requisitado — a Montanha das Provações toma completamente a sua visão.
Afastado das principais ruas do Pé da Montanha, o poço central da vila é localizado em uma área sem outras construções, concedendo uma visualização clara e direta do relevo primordial.
O momentâneo foco de Muro se perde na imensidão da massa rochosa, enquanto observa as dezenas de vilas que a cercam em todo o seu comprimento.
Sua completude não pode ser compreendida a partir de uma única perspectiva, possuindo vilas em todo o seu contorno. Do outro lado da montanha, as cidades que o rapaz não pode ver atiçam o seu mais genuíno desejo, como se estivessem chamando calorosamente pelo seu nome.
Com uma vista que vai do inalcançável cume à mais baixa cidade, a realidade volta para os olhos de Muro, que agora encara sua única entrada para aquele almejado mundo, a Cachoeira das Provações.
Não há mais casas separando o garoto das misteriosas águas que caem em cascata. Entre ele e a estonteante paisagem há apenas um caminho livre de qualquer interrupção. Mesmo assim, seu corpo permanece parado, como se soubesse que não pode seguir naquela direção.
Muro solta ambos os baldes no chão, largando eles abruptamente, “mas que droga… por que justo eu estou atrasando a gente? De todos os outros, eu provavelmente sou o que mais quer chegar no cume.”
Ao murmurar para si mesmo em profunda insatisfação, sua raiva fecha as suas pálpebras, evitando enxergar sequer mais um vislumbre daquele intangível cenário.
“Porque se eu chegar no cume… aqueles que ficaram a vida toda esperando eu me tornar um repulsor vão finalmente poder ir atrás dos seus próprios sonhos.”
Memorando aqueles que o aguardavam, o rapaz revive breves lembranças de quando tinha dez anos.
Suas memórias o levam até uma noite atípica, com nove dos dez membros da família reunidos na sala de jantar. Todos ali presentes estavam de pé, como se estivessem esperando ansiosamente por alguém.
“Será que ele vai conseguir dessa vez?” Perguntava a pequena Toki.
“Ele acabou de descobrir do que é capaz,” Honda também se questionava sobre as expectativas daqueles ao seu redor.
Neste dado momento, Kikyo se enfurece, “Perderam a noção!? Ele ainda não tem controle sobre si mesmo. O que vamos fazer se meu filho acabar se perdendo!?”
“É, isso está demorando demais. Vai atrás dele, Muro,” Lua passa a responsabilidade para seu irmão.
One aparece repentinamente ao lado de Muro, sem nenhum rastro de movimentação ou sequer emitir algum som.
Calos comemora o feito do seu filho mais novo, “esse é o meu garoto! Manda ver!!”
“Incrível, One!” Toki se empolga.
Kikyo ainda não sabe como reagir, “então ele teleporta sempre que fica sozinho? Como deveríamos chamar isso?”
“Meu garoto rejeita a solidão! Impressionante, não?” Calos clareia a mente de sua esposa.
“Que maneiro, One!” Lev parabeniza o garoto.
Lua ergue suas sobrancelhas, “Não é nada demais.”
One sente toda a felicidade que o cerca, se animando com novas possibilidades, “com isso nós já podemos participar das provações?”
Saul acaricia a cabeça de One, tentando conter sua animação.
“Ainda não, todos os membros de uma equipe precisam ser repulsores para participar.”
Muro se entristece no canto da sala, como se estivesse isolado no meio de uma festa.
Saul continua, “com isso falta apenas o seu irmão. Logo, logo estaremos desafiando as provações. Vocês mal podem esperar para ver o titio aqui destruir as outras equipes.”
“Por que vocês não vão sem mim?”
Vindo de alguém que quase não possui forças para falar, a voz rouca de Muro chega gradualmente ao entendimento de todos. O silêncio subsequente é acompanhado por uma expressão de completo choque, vindo diretamente da mãe da criança.
Muro desenvolve o seu infeliz pensamento, “quem atinge cem méritos nas provações pode ir para a próxima cidade mais baixa da montanha. Quanto mais subirem, melhor será a vida de todos. Por que continuam aqui?”
“Ficou maluco?” Lua questiona aquele absurdo.
“Como você pode sequer cogitar uma coisa dessas?” Honda não acredita no que ouviu.
Kelly interfere na discussão, “isso é impossível, Muro.”
“Vovó, Kelly, você é a mais velha aqui. E se eu demorar demais?”
“Que coisa horrível de se dizer, moleque” Calos se decepciona com seu filho.
Kelly encara seu neto com máxima seriedade, sem nenhum resquício de dúvida em seu semblante.
“Isso não é uma opção.”
“Não vamos deixar ninguém para trás. Você não deveria nem pensar em algo assim,” Honda a complementa.
Muro insiste, “Mas vocês não sabem quando—”
“Muro, isso não vai acontecer,” seu pai afirma firmemente, não deixando espaço para qualquer incerteza.
Kikyo chama por todos da família, prestes a falar o que não passará de uma mera formalidade para algo já decidido desde o seu nascimento.
“Por que não fazemos uma promessa para esclarecer as coisas? Nós só participaremos de qualquer provação e subiremos a montanha com todos nós na mesma equipe.”
“Eu achei que isso nem precisasse ser dito,” Lua coloca em palavras o pensamento daqueles ali presentes.
“Assim todos podem relaxar, sem qualquer tipo de dúvida.”
Aquilo que Muro testemunhava naquele momento seria lembrado por cada músculo que o constituía. Mesmo se algum dia ele viesse a ficar inconsciente, seria impossível impedir que aquele corpo protegesse cada um daqueles sorrisos, que lhe acalmavam em toda a sua completude naquele mísero instante.
“E então?” Kikyo aguardava pelo veredito do juramento.
Todos os membros da família responderam, mas soaram como um único garoto ansioso, que finalmente tinha um momento da mais absoluta afirmação.
“Fechado!”
Com dezesseis anos cheios de memórias e baldes cheios de água, a mente de Muro volta a se focar no presente.
“Realmente esperaram por todos esses anos. Vocês deveriam estar vivendo as suas próprias vidas, pessoal… e é por isso que eu vou cuidar de vocês até que isso seja possível.”
O rapaz avista Toki, correndo agitadamente pela vila, sozinha. Toki? Ele tenta compreender o que vê.
Muro larga ambos os baldes que carregava, seguindo a criança em direção a uma floresta.
A aula dela já deve ter acabado. Mas por que está indo para lá? Deveria me esperar na escola.
A alegre garota adentra na misteriosa floresta, localizada ao lado da vila. Seu irmão a perde de vista, atrapalhado pelas incontáveis árvores e arbustos da região.
“Onde estão… onde estão…” Toki cantarola consigo mesma.
Ela para de correr, em frente a um carregado arbusto, repleto de bagas.
“Frutinhas!”
A criança consagra sua aguardada vitória, enquanto passos desconhecidos se aproximam. Diante de olhos sem luz e uma lâmina imersa em escuridão, a coleta continuaria, incessantemente.
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