Esfrego os dedos nos olhos, ainda um pouco tonta, e bebo outro gole de água. Todo esse líquido me deixou com uma vontade tremenda de usar o banheiro, então caminho em direção aonde acho que ele deve estar, torcendo para não ter muita fila.
Não tem, e solto o ar com alívio conforme passo pela porta.
O lugar é quase todo de cores escuras, mármore preto nas pias e no chão, e apenas um trio de mulheres retoca a maquiagem diante do espelho. Sofia está entre elas, com as tranças do cabelo amarradas no alto da cabeça e terminando de passar gloss nos lábios. A expressão dela se ilumina quando me vê.
— Procurando pela Connie? — ela pergunta com um brilho de sabedoria nos olhos escuros.
Sempre pensei em Alba como a pessoa do time que vê e sabe de tudo. Mas, pela forma como Sofia me encara, me dou conta do meu erro. É ela quem realmente sabe de tudo. Até do que não deveria.
— Viu ela por aí? — questiono, porque sei que não faz sentido disfarçar agora.
Ela gesticula com a cabeça na direção de uma das cabines. Uma das duas únicas com as portas fechadas.
Como estou bêbada e a minha última preocupação é ser discreta, me abaixo para olhar por baixo da porta quantos pares de pés tem ali dentro. Dois. Se é Ember que está ali dentro, ela não está sozinha.
Um gosto amargo invade a minha boca e eu apoio as mãos no chão para me levantar. Gostaria de não vomitar neste banheiro incrivelmente limpo e chique.
— Não aí — Sofia começa a dizer. — Na outra...
Ela se interrompe quando a porta da outra cabine, bem ao lado daquela que eu estava espiando, se abre. Ember sai dela. Sozinha.
— Rebeca? — Ela me olha, suas sobrancelhas se arqueando. — O que está fazendo aí?
— Ah, só... — Termino de me levantar e estico as mãos atrás do corpo. — Me alongando.
— Meu Deus... — Sofia resmunga, em espanhol, lançando um último olhar na minha direção antes de sair do banheiro.
As outras duas mulheres que estavam se arrumando diante do espelho vão logo depois, enquanto ainda estou olhando para Ember e fazendo uma imitação não intencional de um peixe abrindo e fechando a boca.
— Vai usar o banheiro? — ela pergunta.
— Sim! — Passo por ela, entrando na cabine da qual ela acabou de sair.
Assim que fecho a porta, encosto a cabeça nela, a superfície opaca de vidro me refrescando ao menos um pouco. Depois, realmente esvazio a minha bexiga antes de terminar com uma pedra no rim. Parte de mim fica torcendo para que, quando eu sair, Ember não esteja mais ali. A outra parte, no entanto, ainda sabe o que preciso fazer. Que é: alguma coisa, caramba. Só alguma coisa decente sobre o fato de que ela é gostosa e eu sou meio gostosa também e a gente deveria se beijar um pouco.
Abro a porta e solto um suspiro, não sei se de alívio ou resignação, quando vejo que Ember me espera. Ela está com o quadril apoiado na bancada de mármore onde ficam as bacias das pias. Vou até lá, andando devagar e respirando pela boca.
— Pensei que você tinha ido embora — ela diz quando abro uma torneira e começo a lavar as mãos.
— Pensei que você tinha ido embora.
A porta da cabine que eu espiei antes, imaginando que Ember estaria lá dentro, se abre de repente. Duas jogadoras do FC Porto saem de lá. Elas trocam um olhar divertido, depois uma delas encolhe os ombros para Ember e eu.
Parabéns pra elas que estão aproveitando esta festa de merda. Alguém deveria mesmo.
Ember e eu ficamos em silêncio enquanto elas lavam as mãos. Eu me viro para o espelho e, para ter o que fazer, tiro meu hidratante labial de cereja da bolsa e começo a aplicá-lo nos lábios. Olho de lado para Ember através do reflexo, só para confirmar que ela me observa.
Só quando as outras duas jogadoras saem do banheiro, eu guardo o hidratante e me aproximo de onde Ember está. Dou um pulinho para me sentar na bancada, acomodada em uma extensão de mármore preto entre duas pias de porcelana. Abro a boca para perguntar sobre a mulher com quem Ember estava se atracando, mas ela fala mais rápido:
— Sabia que a sua namorada está beijando a Alba ali fora? — Acomodando-se diante das minhas pernas, ela apoia uma mão em cada lado do meu corpo, seus dedos a centímetros das minhas coxas. — Emily parecia bem bêbada, mas acho que sabia o que estava fazendo quando sentou no colo da nossa capitã.
Me inclino para frente, sorrindo para ela mesmo enquanto o meu coração começa a bater tão rápido que o sinto na garganta.
— Ela estava fazendo o que eu a aconselhei a fazer.
Meus joelhos roçam em seu abdômen e ela olha para baixo, depois de novo para mim.
— Você aconselhou Emily a beijar Alba?
— Sou uma namorada boa desse jeito. — Dou de ombros. — Sempre me preocupo com a vida amorosa da pessoa de quem eu gosto. Aliás, cadê a sua acompanhante?
Ember dá aquele meio sorriso característico dela.
— Foi para a casa dela, imagino.
— E nem te convidou?
— Convidou, mas eu disse que não estava no clima. — A voz dela vai ficando mais baixa e mais rouca. Dessa vez, é ela quem se inclina um pouco na minha direção, e consigo sentir o aroma de álcool emanando da sua pele. — Por que você não está na casa da sua acompanhante neste exato momento?
— Porque estou aqui.
Ela revira os olhos e passa a ponta da língua no lábio inferior, o gesto capturando a minha atenção de forma magnética.
— Rebeca... Por que você está aqui?
Não é fácil ter uma noção do quão bêbada ela está, Ember é sempre tão calma. Mas, depois daquela noite em que ficamos até tarde vendo um jogo dela e bebendo cerveja, consigo ter uma boa ideia. Ela arrasta as palavras só um pouquinho e sorri com mais frequência, suas pupilas muito dilatadas.
Saber que ela está bêbada não faz com que eu tenha o impulso de me afastar. Deveria fazer, mas eu não presto. O certo seria esperar até estarmos ambas sóbrias para ter essa conversa. O problema é que não sei se eu teria coragem de fazer qualquer coisa sóbria, então digo:
— Estou aqui porque... porque, quando tudo está um caos, você me deixa calma. — É estranho dizer isso com os meus batimentos cardíacos indo à loucura, mas não soa como uma mentira. Até na forma como Ember faz com que eu perca o controle das reações do meu corpo, há uma certa tranquilidade. Ela é minha amiga. Não vai partir o meu coração. — E tudo está um caos agora — completo.
Ela ergue uma mão para colocar uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha. Estou tão inclinada em sua direção que a mecha imediatamente escapa de novo, ficando entre os nossos rostos.
— Quer que eu te acalme? — ela pergunta.
— Por favor.
Com um sorriso, ela acaricia meu rosto, seu olhar preso no meu.
— Sabe, eu gostaria que você visse as coisas pela minha perspectiva por um momento, porque não tenho certeza de que está realmente pedindo o que acho que está. A forma como você comunica as coisas é no mínimo peculiar.
— Como assim? — Solto uma risada sem graça.
Ela afasta a mão do meu rosto, voltando a colocá-la ao lado da minha coxa, só que um pouco mais perto dessa vez, seu polegar roçando no tecido azul-escuro da minha calça. Um arrepio me percorre.
— Bom, primeiro você diz que somos amigas. Depois fala que eu sou sua.
Meu rosto esquenta com a lembrança do que falei em campo. Tinha até me esquecido de que não tive a chance de explicar isso. Agora, com meus pensamentos nublados, nem sei que explicação daria.
— Não, e-eu não quis dizer que você é, tipo, minha mulher.
— Ah, não?
— Não. É que... — Franzo a testa, tentando lembrar do que passou pela minha cabeça naquele momento. Será que tinha alguma coisa na minha cabeça? — Você é a minha jogadora.
— Sua jogadora?
— É. — Porra, o que eu estou falando? — Acho que você joga para mim.
Ember solta uma risada incrédula, e seu hálito é quente contra o meu rosto. Por um momento, parece que ela vai se afastar, mas aí ela faz o oposto: segura nas minhas coxas e as separa, se posicionando mais firmemente entre as minhas pernas. Preciso erguer um pouco o rosto para as nossas testas não se chocarem.
— Não jogo para você, Rebeca. Jogo com você.
Um pouco incentivada pelo gesto dela e por seu tom de voz provocativo, eu reitero:
— Na maior parte do tempo pode até ser assim. — Estreito os olhos, um sorriso escapando. — Mas, de vez em quando, você joga só para mim, não joga? Como se só estivéssemos nós duas em campo.
Ela fecha os olhos bem rápido e, quando os abre de novo, há um novo tipo de determinação nas íris verdes.
— Talvez — admite.
É como se eu tivesse acabado de ganhar um troféu. A adrenalina se espalha pelo meu corpo.
— Viu o vídeo que está hitando no TikTok? — pergunto, meio do nada, mas Ember não se abala.
— Qual deles?
— Você sabe qual deles.
O sorriso dela aumenta e, puta merda, lá vem as covinhas. Percebo que menti. Ela não me acalma. Não mais, não quando está sorrindo para mim desse jeito. De onde eu sequer tirei que ela me acalma?
Ela levanta de novo uma mão para acariciar o meu rosto e seus dedos deslizam pela minha bochecha, me deixando a ponto de me desfazer em grãos de areia bem aqui, nesta bancada de um banheiro chique.
— Eu vi o vídeo — ela confessa. — Alguma daquelas meninas que nos levou os sorvetes deve ter filmado. Como essas coisas viralizam rápido, não é?
— Muito rápido — falo com uma lufada de ar.
— É por causa do vídeo que você realmente estava me procurando? Tipo, de verdade? — O movimento da mão dela para, seus dedos entre a minha mandíbula e a parte de trás da minha orelha. Fico arrepiada só de pensar no toque dela ali, naquele ponto tão sensível. Ela se aproxima mais ainda, sua boca a centímetros da minha, e sussurra: — Porque, sendo bem sincera, Rebeca, não parece que você está calma comigo.
Seguro a nuca dela e a beijo. Rápido, antes que eu mude de ideia. Antes que ela mude de ideia sobre o que pensa estar fazendo comigo.
No instante em que minha boca encontra a dela, eu sei que estou fodida. Nossos lábios se encaixam perfeitamente e ela corresponde de imediato ao beijo, abrindo a boca para deixar minha língua roçar na dela, segurando a minha coxa com uma mão e o meu rosto com a outra enquanto sigo agarrando sua nuca e puxando-a para mim.
Sinto um gosto de cerveja muito fraco. Mas, acima de tudo, sinto o gosto dela. Ele parece tomar conta de mim, escorrendo pelas minhas veias no lugar do sangue, novo e ao mesmo tempo familiar. Nunca a beijei antes e, ainda assim, reconheço o gosto dela como se tivesse beijado.
Solto um gemido baixo contra seus lábios, e, em resposta, ela segura mais firme na minha coxa. Primeiro, era como se eu estivesse a beijando, mas agora é ela quem me beija, quem toma conta da minha boca como se soubesse exatamente como eu mereço ser provada e tocada. Onde os dedos dela encostam, ela parece deixar uma marca.
E eu sei que, mesmo que a minha memória não grave tudo sobre este momento, meu corpo vai se lembrar.
Então o som da porta do banheiro sendo aberta nos sobressalta.
Um grupo de meninas entra de uma vez, conversando alto, e Ember e eu nos afastamos de imediato, como se tivéssemos levado um choque. Meu corpo vibra com eletricidade pura.
Atrás do grupo de meninas, vêm Emily e Alba.
— O que vocês estão fazendo aí? — Alba pergunta.
O cabelo dela está bagunçado, seus lábios estão inchados, então acho bem corajoso da parte dela vir questionar o que nós estamos fazendo.
— Nada — Ember diz rápido. — Eu só estava acalmando a Rebeca.
Emily vem até mim, franzindo a testa.
— Está chateada por causa do que aconteceu com o Stephen?
Sério que ela não percebe que não estou nem um pouco chateada? Não está escrito na minha testa "acabei de beijar Cornelia Ember"?
— Hã, é — digo, passando uma mão no cabelo bem quando Ember se afasta. — Isso.
— Não se preocupe, amiga. Eu não acredito que você jogou bebida nele. Mas, se jogou, apoio cem por cento.
— Quê? — questiono, meio lerda. Emily olha para trás, para Alba, que só ergue os ombros. — Ah, esquece. Não importa o que estejam dizendo, eu não ligo.
Desço da pia com um salto e começo a andar até a porta. Dou uma última olhada na direção de Ember e meu coração dá uma pirueta no meu peito. Isso com certeza vai fazer nossas próximas noites vendo jogos serem bem estranhas. Ou bem interessantes.
— Acho que vou para o hotel. — Quando faço a próxima pergunta, meu olhar continua somente em Ember. — Vocês vão ficar aqui?
Alba e Emily murmuram que vão ficar mais um pouco, mas sigo esperando a resposta de Ember.
— Acho que vou ficar para beber um pouco de água e comer alguma coisa, tentar ficar mais sóbria antes de ir embora. — Ela está com o cenho franzido e um olhar meio atordoado. Meu corpo todo começa a esfriar. — Boa noite, Rebeca.
Não dou boa noite de volta.
Com o peito ardendo, me viro e saio logo dali.
Talvez o beijo não tenha sido tão bom assim para ela. Não como foi para mim.
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