The Rejected Family
Capítulo 5
Rejeite o fracasso, Parte 3
“Frutinhas!”
Na densa floresta que contorna a lateral da Vila do Pé da Montanha, Toki segue com sua força de vontade imparável. Motivada por uma proibição, ela sente a adrenalina de ir contra os comandos de sua mãe.
“Eu fiquei de castigo, então tenho que esconder todas vocês, frutinhas.”
Toki esconde as bagas em suas roupas, coletando o máximo possível daquelas valiosas relíquias de sua rebeldia.
Nas proximidades da animada criança, uma pequena cabana de madeira se mantém de pé. Inteiramente empoeirada, a moradia parecia ter mais anos de vida do que a garota. Ignorando completamente todo o cenário ao seu redor, Toki só seria capaz de desviar a sua atenção daquele arbusto caso algo ainda mais divertido a conquistasse.
“Oh, um macaquinho! Você quer comer?”
Uma poderosa distração surge em seu caminho. Pulando sobre os galhos de uma árvore, um macaco se move para perto da criança.
“Esquece, assim vai sobrar menos para mim,” ela se arrepende de sua oferta.
O ágil animal desce ao chão, roubando uma das sagradas frutinhas das mãos de Toki.
“Ei! Devolve! Sou eu quem está de castigo, você pode comer quando quiser!”
“Minha nossa, que barulheira.”
Uma misteriosa voz é acompanhada do som suave de colisão da grama do solo com leves pés descalços. Passos lentos caminham sobre o tecido macio da natureza, se aproximando cada vez mais da garota.
“Vocês escolhidos não deveriam andar sozinhos em lugares assim.”
“O-olá, eu já estou de saída. Não se preocupe,” Toki responde, com sua voz trêmula.
Ainda sem visualizar com quem conversava, suas mãos não conseguiam agarrar mais nenhuma frutinha sequer.
“Seu lugar é em locais claros. Deveria aproveitar melhor essa benção,” o som que manifestava aquelas palavras agora vinha de outra direção.
“V-você gosta de frutinhas?”
“Não me leve a mal. Os que não tem opções acabam tendo que se aproveitar de qualquer oportunidade.”
“M-moço, eu não tenho dinheiro.”
“Dinheiro?”
Todos os tipos de ruídos emitidos naquele local se intensificaram nos ouvidos de Toki. A presença que a assustava estava mais perto do que nunca.
“Não é tão simples assim.”
Cada centímetro do corpo da criança finalmente tinha a mais profunda certeza: quem falava estava atrás dela.
“Um tecido simples e pequeno, mas eficaz. Sua roupa pode servir como um pano ou cobertor.”
A garota encolhe em aflição, agarrando suas pernas como se estivesse escondida atrás de uma muralha.
“Um aconchegante par de meias se encaixaria perfeitamente como boas luvas de inverno. Seus sapatos diminuiriam os desagradáveis calos em meus pés.”
O bater do vento revela um grande manto, que cobre inteiramente o misterioso sujeito, com o auxílio de um capuz sigiloso. Um pequeno objeto é segurado por dentro de sua vestimenta.
“Para os rejeitados, tudo tem uma utilidade.”
“P-Por…”
A cabeça da garotinha se vira lentamente, tremendo ao tentar visualizar o dono da voz que a amedrontava. Jony estava bem na sua frente.
O suor em seu rosto escorre pelos seus olhos, que mesmo com a visão comprometida, conseguia ver nitidamente um inconfundível objeto.
Aquele sujeito portava uma faca.
“Por favor…” Lágrimas se juntam ao suor da criança.
Jony percebe passos em alta velocidade.
“Tsc, você está dificultan—”
Uma colisão avassaladora. Dois braços disputam forças em um impacto direto. Os pés da figura encapuzada afundam levemente no solo lamacento.
Com sua rápida reação, Jony foi capaz de interceptar o ataque de um enfurecido rapaz. Tomado pelo ódio, Muro pressiona o oponente com um golpe de cotovelo, que é bloqueado pelo adversário.
“Você é o quinto que vai apanhar hoje. Tá atrasado,” o deboche contrasta com a determinação do garoto, fazendo todos se questionarem se ele realmente estava brincando.
“Não perca seu tempo.”
O impulso da troca de golpes afasta ambos os combatentes. Muro se posiciona em frente à sua irmã, um escudo que espanta o mais cruel dos medos.
“Mas não se preocupe, Toki. Enquanto eu estiver vivo, você vai poder ir para onde quiser.”
“Mu… ro…”
“E todas as vezes que algo assim acontecer… eu vou encher a cara do sujeito de porrada!!”
Jony continua utilizando seu capuz, não sendo possível ver com clareza a sua face. Mesmo assim, todos podem testemunhar a sua inesperada calma.
“Ei, ei, não precisamos ir tão longe,” ele tenta tranquilizar os irmãos.
“Fala isso com uma faca por debaixo da roupa?”
“Eu estava guardando ela. Não ia ferir a criança.”
“Então por que só fez isso agora?”
“Até eu ter certeza que conseguiria o que precisava, não poderia baixar a guarda.”
“Vai deixá-la ir?”
“A vida da garotinha não me interessa, só preciso de suas coisas.”
“Você não vai encostar um dedo sequer na Toki.”
A irmã do rapaz parece inquieta, “cuidado, Muro! Ele é diferente.”
Jony caminha na direção de Muro, enquanto discursa com a leveza de uma conversa entre amigos.
“Não percebem que estão se complicando? Poderiam estar apenas aproveitando as suas vidas abençoadas, mas ao invés disso estão saindo do seu domínio.”
“E o que alguém assim faz nessa floresta?”
“Tudo o que eu faço é pegar o que está ao meu alcance. Seja do jeito fácil… ou em alguns casos infelizes, do jeito difícil.”
O sujeito encapuzado saca novamente a sua pequena lâmina para fora do manto.
“Essa é realmente a sua única arma? Que ótimo. Achei que poderia ter algo mais assustador,” Muro permanece inabalável, encarando o inimigo de frente.
Toki agarra o indefeso macaco — que a acompanhava — e se afasta de seu irmão.
Ainda ameaçadora, a misteriosa figura continua se aproximando, progressivamente.
“Apenas os escolhidos conseguem viver em paz, expostos sobre o sol. Por outro lado, há aqueles que são perseguidos e mortos por eles.”
“Corra, Muro!”
“E por isso, garoto…” Jony estende a sua mão desarmada na direção do rapaz.
“Você…” Muro dá um passo para trás.
O sorriso que tranquilizava todos em sua volta, a postura ereta que jamais havia cedido, o brilho nos olhos de alguém que sempre brincou de herói, toda a essência de Muro se esvai por seus pelos arrepiados.
Jony complementa, “eu rejeito a luz.”
“Um Repulsor!?!?”
Uma nuvem escura começa a se formar a partir do sujeito de capuz. Como uma neblina que continha a mais obscura noite, uma mística aura cerca os arredores. Paralisado, em estado de choque, Muro não consegue mover um único músculo. A misteriosa partícula sobrenatural contornava o rapaz.
“Toki, para trás!”
Sua irmã obedece o seu comando, fugindo com o macaquinho para fora da área escura que se formava. Se assemelhando ao formato de uma imensa bolha, Muro e Jony são imersos no mais profundo breu.
Toki berra, desesperada, “o que tá fazendo aí parado!? Saia daí! É uma rejeição!!”
Os dois combatentes desaparecem da visão da criança, que apenas visualiza a enorme massa de escuridão.
“Onde você está!?” A voz distante da garota mal chega aos ouvidos do seu irmão.
O vazio.
Um incontestável apagão.
A solidão definitiva.
Muro não enxerga absolutamente nada, seus olhos parecem ter sido abruptamente cegados. Nem o mais insignificante feixe de luz é capaz de adentrar onde o rapaz se encontra.
“O que é isso…?”
“Eu te disse, deveriam ter ficado onde pertencem.” As palavras ditas por Jony ecoam pelo ambiente obscuro.
“Onde estamos?”
“Esse não é o seu lugar. Você é patético aqui.”
“Isso é coisa sua? São seus poderes?”
“Se o seu senso de direção for destruído, não importa o quão bom você é lutando.”
Um corte rápido rasga a pele do braço de Muro.
“Argh!! Como…?”
“Meu corpo já está acostumado com esse escuro. É fácil te achar.”
A faca golpeia ambos os joelhos do garoto, fazendo-o despencar no chão.
“Aargh!!! Argh!!!”
Do lado de fora da área obscura, Toki apenas escuta gemidos de dor, seguidos do som de contínuas facadas.
“Muro!!! Sai de dentro dessa coisa!! Muro!!!”
Jony perde a paciência com os gritos da garota.
“Silêncio, criança estúpida!” Ele arremessa uma faca na direção da voz apavorada.
Muro, de joelhos no chão, não é capaz de fazer nada além de observar seu oponente. Perplexo diante da humilhante situação, seus músculos se contraem involuntariamente.
A respiração do rapaz é interrompida com uma simples resposta de seus ouvidos.
“AHHHHHHHH!” Toki soltava o mais profundo berro.
O irmão para de se mover. Pálido, um gelo que vem do fundo de sua alma. Ele tenta falar, mas não consegue sequer completar uma sílaba, ofegante ao presenciar o verdadeiro terror.
“Parem de reagir, e tudo correrá bem,” o homem — agora sem seu capuz — permanece em frente ao garoto caído.
É inútil. Não importa o que eu faça, a mente de Muro expressa o que sua boca não consegue dizer.
Eu nunca perdi uma luta antes. O motivo disso, é porque eu nunca havia enfrentado um Repulsor, ele compreende a dura verdade.
“Alguém que foi escolhido nunca venceria uma batalha dessas. Volte para o seu lugar, junto com o que restou da criança,” o inimigo alerta.
O suor frio banha o rapaz, prestes a ficar completamente sem ar. Seus pensamentos também começam a ceder para a insanidade.
Sem falas, sem raciocínios, sem mobilidade. O progressivo desespero vai chegando em seu ápice. Muro está perdendo o controle…
“Já chega!!!”
Uma vívida voz se opõe a Jony.
“Vamos! Apareça, malvadão!!”
No exterior da bolha de escuridão, a faca ensanguentada cai sobre o solo. Levemente manchada de sangue, uma das pequenas patas do macaco era a causa da irritação de Toki, que agora chamava pela briga.
“Macaco Maluco: modo mortífero!”
Com suas pupilas emitindo um brilho amarelado, a criança proporciona uma abrupta transformação no corpo do primata.
Patas capazes de sobrepor uma carroça. A altura de uma árvore, cuja sombra faz tudo ao redor parecer minúsculo, cobrindo metros em sua extensão.
O rabo da ameaçadora criatura assume a forma de uma foice, com sua ponta capaz de quebrar uma pedra ao meio. Tendo suas feridas regeneradas, o mamífero se prepara para o combate.
O ar volta lentamente pelos pulmões de Muro, que mesmo naquele aterrorizante breu, finalmente permite que seus ombros toquem no chão, relaxados com o dissipar da agitação.
Jony despreza a resistência dos irmãos.
“Aproveite a sua sorte e deixe as coisas fluírem. Assim como eu, precisam entender que há locais que simplesmente os rejeitam.”
“Do que você tá falando…?” A boca de Muro volta a se abrir.
“Mas que droga cara… só entregue tudo e desapareça!”
O rapaz — ainda no chão — é chutado brutalmente, sendo atingido da cabeça aos pés.
A voz de Toki alcança o confronto, “Muro!! Eu não consigo vê-lo! Me diga onde ele está!”
Em meio aos acertos diretos que marcam cada parte do seu corpo, Muro levanta o seu tronco, ficando de joelhos.
“Vamos, Muro!! Eu vou acabar com esse esquisitão!” a criança continua.
A pele do garoto — antes gelada — agora ferve como um caldeirão, com sua indignação borbulhando para que todos pudessem senti-la de longe.
Mas que raios você está fazendo…? Ele se questiona sobre as ações de sua irmã.
“Por que tá calado!?!? O que tá acontecendo aí!?!?”
Muro é repetidamente socado por Jony, que mira na face de seu oponente. Um golpe atrás do outro, os ataques o fazem fechar os olhos, tentando manter uma concentração implacável.
Não… isso está errado, sua raiva queima pelos seus ossos, no desejo de causar danos ao responsável por aquele ódio crescente… ele mesmo.
Juntando todas as forças que lhe restaram, Muro soca o chão.
“Toki!!! Eu não aceito ser protegido!!!!!”
Jony percebe algo, se espantando, “isso foi…”
Após ser chutado novamente, o rapaz agarra a perna de seu agressor.
Ele continua, “porque enquanto eu existir… você vai poder ir para onde quiser!!!”
Muro aumenta ainda mais a força de seu agarrão, segurando o único fio de esperança que ele encontrou durante toda a luta.
"Da floresta até o Cume, eu vou te levar para todos esses lugares!!"
“Enlouqueceu?” Seu inimigo não compreende o ganho de ânimo.
“Seu desgraçado… Agora eu sei onde você está. E é por isso que sou eu quem vai amassar essa sua cara!!”
Toki não entende a situação, “o que?”
A garota perde brevemente a consciência, sua cabeça cai sobre o seu corpo. O mesmo ocorre com Muro, simultaneamente, um efeito inexplicável.
Ambos despertam segundos depois do evento sobrenatural.
Diretamente das cordas vocais do rapaz, um grito de dor ecoa pela região, “UAAAAAAAAAHH!!”
Enquanto isso, da boca de Toki saem palavras ditas por Muro, “eu vou te proteger! Eu vou proteger todos vocês!!!”
Com a noção de alguém que esteve dentro da bolha de escuridão, a mente de Muro se utiliza dos poderes de Toki, direcionando um ataque na direção do berro. O enorme macaco investe contra o inimigo com suas patas esmagadoras. Os corpos de Muro e Jony são lançados pelos ares, o impacto é avassalador.
O mamífero usa o seu rabo para pegar o garoto no ar, que enfim solta a perna do adversário, relaxando seus esgotados músculos.
Banhadas pela luz do sol, suas pálpebras se abrem em meio ao céu azul. Cores vibrantes como nunca antes, preenchem a imagem da imensurável montanha das provações.
Pelos olhos de sua irmã, Muro encara o seu próprio corpo em uma altura que ele nunca foi capaz de presenciar.
Isso é realmente possível… Ele finalmente pôde concluir.
Limitado por suas próprias crenças, Jony volta para a floresta que dizia ser seu lugar. Ofuscado pela luz que ele nunca foi permitido enxergar, Jony cai no chão, derrotado.
“Uma rejeição…” o sujeito desmaia, sem seu capuz.
São e salvo, o corpo de Muro chega ao chão, carregado pelo gentil primata.
“O que…”
Os irmãos relaxam, perdendo a consciência, enquanto desabam em meio à relaxante grama.
A garota se levanta, retomando a consciência, “o que aconteceu? Eu tinha saído do meu corpo?”
“Foi mal, Toki. Parece que eu não suporto ser protegido.”
“Muro, você…”
A criança corre na direção do rapaz.
“E aquela história de: Modo mortífero? Está dando nome para as suas transformações?”
Esbarrando impulsivamente contra seu irmão, o calor de um abraço genuíno restaura as suas faculdades mentais.
“Você conseguiu, Muro…”
De um canto da boca ao outro, o sorriso da garota faz a aguardada ficha cair.
“Você é um Repulsor!”
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