The Rejected Family
Capítulo 6
Rejeite o comum
“Ei, tio Saul. Por que o Muro é diferente?” Com seus quatro anos de idade, Toki questionava a natureza de seu irmão.
“O que quer dizer?”
“Ele é o único que não faz coisas legais.”
“Ah, você fala dos poderes de um Repulsor. Sabe, Toki, a maioria das pessoas no Pé da Montanha encontram algo que elas rejeitam bem cedo.”
A inquietante paisagem da Montanha das Provações agora é observada há seis anos no passado. Honda sobe pela encosta do relevo primordial, em direção à uma casa. Dezenas de moradias compõem o longo trajeto, todas habitadas por incontáveis moradores, que mesmo assim fazem parte do bairro menos populoso do Pé da Montanha.
Saul e a pequena garotinha, apreciam o local de longe, enquanto supervisionam a brincadeira de Muro, Lev e Lua. As três crianças se divertem com a lama da região.
O relaxado homem de meia idade continua conversando com sua sobrinha, tentando sanar sua curiosidade excessiva.
“Em ambientes como esse, cada uma dessas crianças precisa enfrentar várias adversidades, dia após dia. Eventualmente, elas vivenciam algo que nunca mais querem experienciar.”
“Isso é bom?”
“Isso as torna determinadas a evitar que algo assim aconteça novamente, não importando o custo. Foi assim que todos ganhamos nossos poderes.”
“E o que Muro fez de errado?”
“Errado? Não é isso. Pessoas como aquele garoto só… são difíceis de se encontrar nessas condições.”
“Hein?”
Na comunidade da encosta, Honda adentra em uma desgastada casa de madeira. Passando por toda a sua estrutura interna, ela inspeciona o lar de uma pequena família. Após a avaliação da construção, a mulher retorna com seu julgamento, ditando o que percebeu para os seus habitantes.
“A estrutura não foi abalada. Em condições normais, o lugar ainda pode ser utilizado. Sem problemas.”
“Que ótimo! Obrigada pelo serviço!” A contente moradora agradece.
“No entanto, volto a destacar que as casas da encosta da montanha sofrem com chuvas fortes. É preciso manter o monitoramento.”
Numa altitude um pouco mais abaixo, Muro e Lev se aproveitam do solo lamacento, fruto da chuva de dias anteriores. Os meninos se envolvem em uma intensa guerra de bolas de lama. Lua acompanha os dois em sua árdua batalha, vigiando a disputa sem interagir fisicamente.
“Vocês são realmente dois bobões. Isso é nojento!”
A face de Muro é atingida em cheio por um denso lodo.
“Hahaha. Vê se aguenta essa, Lev!”
A formação de um grande monte de terra úmida, o garoto reúne toda a munição que consegue coletar do solo, criando uma poderosa arma para o combate. Ele arremessa seu melhor recurso na direção do seu adversário, que é atingido em cheio. O corpo do alvo é inteiramente banhado em barro.
“Urgh. Lev, hoje você vai dormir na rua,” Lua fica enojada.
“Um único banho resolve uma jogada fraca dessas. Mas o meu contra ataque vai precisar de um rio para limpar seu estrago!”
“Manda ver!” Muro chama pela disputa.
Lev se empolga, carregando o seu extenso arsenal com várias bolas de lama, “Contra jogada: Cortina de Lama!”
Uma rajada de terra úmida almeja Muro, que desvia da maioria dos projéteis, mas é atingido pelo último lance que encerrava o ataque.
“Até que você mandou bem,” Lev reconhece a habilidade de seu oponente.
Retornando do serviço, Honda se junta às crianças.
Lua questiona sua tia, “como tem tanta lama nesse lugar?”
“Choveu bastante nos últimos dias. É algo normal.”
Novamente, uma voz alheia requisita a atenção da mulher experiente, “senhorita Honda, poderia inspecionar outra casa?”
“De qual estamos falando?”
“É aquela logo abaixo da minha. Parece que tem uma única pessoa morando nela.”
“Qual o problema?”
“A sua base parece levemente solta. Estou receosa que a chuva tenha danificado sua estrutura.”
“Certo, estou a caminho.”
À medida que Honda volta a caminhar pela encosta da montanha, Muro se agacha para pegar mais de sua pesada munição de lama, dando continuidade ao confronto.
“Você não deveria baixar a guarda, Lev. É hora do meu último ataque.”
A técnica secreta do garoto conta com um método peculiar para sua execução. Uma recheada esfera de lodo é colocada diretamente entre os seus lábios. De boca cheia, Muro se prepara para um disparo preciso.
“Credo! Eu vou vomitar!” Lua se sente enjoada.
“Oh, você vai apostar tudo nesse golpe! Pode vir!” Lev aguarda ansiosamente para fazer uma recepção.
Como um balão, que estoura soltando todo o seu ar, toda a lama contida na boca do garoto é expelida na direção de quem o enfrenta. Porém, um evento imprevisto acontece. A terra cuspida se espalha pelo ar, com uma de suas partes rumando para Lua.
“Não!” Ela esperneia.
Os projéteis atravessam o seu corpo, de maneira sobrenatural. Nem uma única partícula sequer é capaz de tocar a garota.
“Já chega! É a minha vez!”
“Ei, isso é trapaça!” Muro se desaponta com sua irmã.
Repentinamente, um tremor acaba com qualquer entretenimento que pudesse ocorrer na região. O solo vibra com tamanha intensidade que é capaz de derrubar qualquer pessoa de pé. Honda para de se mover, presenciando a casa para onde ela se deslocava desabar bem em sua frente.
A moradia se despedaça, resultando na separação de diversas partes de sua estrutura, que caem pela montanha, deslizando na direção de Muro e dos demais.
“Corram!” Honda ordena.
“Ainda tinha uma pessoa lá dentro!” Informa a desesperada moradora.
“Apenas corra!!”
Fugindo para longe do acidente, elas descem pela encosta da montanha. De maneira desastrada, Honda tropeça no trajeto e é deixada para trás, no meio do desabamento.
Mais à frente, Lev se entrega ao nervosismo, “isso é ruim. E se eu não conseguir?”
Em meio à sua confusão mental, ele dispara em uma velocidade sobre-humana, escapando completamente do problema em menos de um segundo.
“Ei, Lev! Não me deixe aqui!” Lua corre com todas as suas forças, tentando se manter fora da área de risco.
Simultaneamente, Toki e Saul conseguem ver todo o desastre, em uma distância segura.
“Tudo vai cair!! Cuidado!!!” A garotinha grita, assustada.
“Minha nossa… isso é péssimo para todas aquelas famílias.”
“Meu irmão ainda está lá! Você tem que ajudar!!”
“Não se preocupe, Toki. Eu já te disse isso mas… esse tipo de gente é difícil de se achar nessas condições.”
“O que?”
Diante da tragédia, Lua procura pelo seu irmãozinho. Paredes destruídas, dezenas de cadeiras e incontáveis tábuas de madeira são lançadas pelos ares. Uma densa onda de poeira torna difícil a compreensão sobre o que está acontecendo. Para alguns, a visão soa como o fim dos tempos, que encerrava um ciclo de poucos, porém valiosos momentos de ternura. O aconchegante lar de uma família despencou em pedaços, tudo o que restou para todos ao seu redor foi tentar sobreviver, sem olhar para trás.
“Muro! Cadê você!? Precisamos fugir!”
Lua corre em direção ao solo, quando de repente enxerga um vulto passando ao seu lado.
Ela fugia, salvando sua pele de qualquer perigo que pudesse pôr em risco a sua vida.
O menino de dez anos retornava, avançando diretamente para o desabamento.
Os olhos da garota demoram para assimilar a verdadeira imagem que é captada, sem conseguir acreditar nas ações da reconhecida figura. Muro corre no sentido contrário ao da sua irmã, sem sequer percebê-la. Seu rosto não desvia sua atenção nem por um milésimo de segundo.
“Hein..?” Lua se assusta.
Um foco capaz de parar a mais insignificante gota de suor, fazendo com que aquele líquido jamais caísse. Uma concentração que parava a própria respiração por minutos subsequentes.
O garoto investia contra o caos, almejando a casa responsável por todo o acidente.
Seu tio discursa sobre o momento da catástrofe, explicando suas conclusões para a pequena Toki.
“Quando se está em paz, é mais fácil de se preocupar com os outros ao seu redor. Interagir com todos exibindo um enorme sorriso no rosto.”
Ambos observam Muro, que desvia de inúmeros destroços, se movendo sem hesitar uma única vez.
“Porém, quando a situação aperta, é comum pensarmos apenas em como queremos sair daquilo. Por isso, as rejeições costumam depender somente das emoções do próprio repulsor.”
O solitário morador — que habitava a moradia detonada — é avistado em uma drástica queda, em meio aos restos do seu lar. A determinada mente de Muro finalmente localiza seu objetivo.
“Parece que o caso do garoto é diferente. Por isso, vai precisar ser mais paciente, ok?” Saul complementa.
Através de um salto que desafia a mais específica lógica, o morador é alcançado. O pequeno menino mal consegue carregar metade do peso da vítima, levando ambos a rolar ladeira abaixo, juntamente aos escombros da construção. Sem que mais detalhes pudessem ser testemunhados, o deslizamento cessa, com pilhas de objetos acumuladas no solo.
Uma cabeça sai debaixo de numerosos destroços, como se estivesse chegando na superfície após mergulhar em um lago.
“Isso foi… intenso demais,” Honda se apresenta entre os sobreviventes, coberta de sangue.
Junto aos demais habitantes da encosta, Lev e Lua estão em território seguro, sem muitos danos.
“Sobrevivemos,” Lua suspira, aliviada.
“Onde estão?”
Lev procura por mais sobreviventes, prestes a perder a calma. O som de uma intensa movimentação na pilha de escombros traz de volta a sua esgotada sanidade.
Nenhum argumento racional consegue explicar como, mas com o fim do acidente, Muro e o apavorado morador se encontram vivos, deitados no reconfortante solo.
Toki não sabia ao certo o que pensar, mas as palavras saíam diretamente de sua boca.
“Ele conseguiu…”
Percorrendo o longo trajeto de seis anos, as memórias da garota guiavam a sua reação, que pode definitivamente fazer a mesma afirmação.
Em seus dez anos de idade, Toki compreende o antigo sentimento mais uma vez.
“Você conseguiu, Muro… Você é um repulsor!”
O rapaz se levanta com dificuldades, cambaleando após os resultados de sua grande batalha com Jony. Ele caminha na direção do seu oponente, caído na grama pontuda.
“Ei, o que tá fazendo?” Sua irmã lhe questiona.
Muro retira os seus sapatos, cujas únicas marcas contidas neles eram referentes ao seu último combate. Diante dos pés cheios de calos que atormentavam o sujeito deitado, os calçados são gentilmente colocados sobre sua pele.
“Você não comprou essas coisas hoje?”
“Sim, eu te disse. Sua aventurinha com a Nico acabou atrasando a minha escolha.”
“E por que está se desfazendo deles?”
“Não é óbvio? Ele precisa mais disso do que eu.”
Muro se afasta do sujeito. Toki se junta ao seu irmão, andando lado a lado. Ambos seguem na direção oposta à de Jony, se distanciando do homem. Os lábios do derrotado se movem, tentando se comunicar uma última vez com a dupla.
“Ei, garoto. Se algum dia você realmente chegar ao cume… me deixe saber, ok?”
Muro continua caminhando, sem parar para conversar.
“Claro, e por que isso?”
“Talvez, enquanto eu estiver usando os seus sapatos, eu possa realmente andar por locais aos quais eu não pertenço.”
Um silêncio prepara uma última dúvida do homem, quase desmaiando devido ao cansaço. Sem sequer saber se aqueles com quem conversava ainda estavam ali, sua pergunta chega aos ouvidos dos demais.
“Ei garotinha, você é alta?”
Ela se vira para Muro, sem saber o que responder.
“Hã?”
Seu irmão percebe algo a respeito do sujeito sem capuz.
“Não.”
Com um semblante deprimente, Muro deixa o local, juntamente com sua irmã.
Jony murmura para si mesmo, “no fim, isso tudo foi para nada. As roupas nem caberiam em você, Mi. Será que o garoto também era baixo? Seria um grande azar.”
O pôr do sol ilumina a volta para casa do rapaz, que se apoia na garota para manter o equilíbrio. Seus joelhos quase não se flexionam, dependendo da força máxima de sua companhia para se locomover.
“Aguenta firme, Muro. Estamos quase na vila.”
Os músculos do garoto não sustentam seu novo passo. Seu corpo despenca no chão.
“Muro! Ei!! Acorda, Muro!!”
Com a voz da criança ficando cada vez mais distante, o rapaz desmaia, apagando por completo.
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