Minha prioridade sempre foi eu mesmo, meus desejos e ambições, os humanos dizem que essa foi a causa da minha perdição. -#####
O barulho do bater de espadas, os gritos de guerra, os gemidos de dor, era tudo o que Kale escutava. O seu coração batia rápido, os olhos arregalados e alertas e seu corpo cheio de adrenalina.
Seus movimentos eram ágeis, estava cansado, mas não iria parar no meio de uma batalha. Kale era um soldado, ele tinha uma arma na mão e iria usá-la.
Com sua espada levantada ele avançava cada vez mais, corpos inimigos eram deixados nos lugares aonde ele passava, quando seu braço cansado se erguia ele rugia pela luta, o ódio se repassando cada vez mais, mesmo que aquelas pessoas com quem ele estava lutando não tivessem feito nada diretamente para ele.
Não era assim que a guerra funcionava. Seu corpo estava cheio de suor, e sua cabeça começava a palpitar, teve aquele momento, aquele curto e breve momento em que ninguém estava ao seu redor, nenhum inimigo para lutar, nenhum para matar. Nesses períodos ele ficava tão cansado que tudo o que queria era parar.
Mas então lembrava o porquê estava ali, o motivo de fazer tudo aquilo, e esse pensamento o enchia de força de novo.
Ele pegava a espada e a transformava em uma parte de seu corpo, a manejava como um especialista, rodopiando, cortando e enfiando, seu corpo sentindo a euforia e o prazer de ter aquele poder em suas mãos.
Ele fez aquilo por horas, até estar exausto, até se ajoelhar em um campo de batalha vazio, apenas cheio de cadáveres. Depois dessas batalhas, Kale se sentava por horas, até sentir que seu corpo estava disposto a se levantar novamente.
Seus olhos se enchiam de lágrimas todas as vezes que abria os olhos, porque ele odiava matar, tirar uma vida, mesmo sabendo que era muito bom nisso.
Com sua mente ainda enevoada, Kale escutou uma voz. Uma voz que ele não queria escutar, um tipo de assombração, uma visão apenas da sua cabeça.
-Está tudo bem, filho. – Kale se virou para quem tinha dito, sua mãe estava lá, Kale paralisou, porque ele sabia bem no fundo de si que sua mãe estava morta, tinha ido e não voltaria mais. Seu coração se encheu de dor, e aquelas lágrimas caíram mesmo que ele não quisesse.
Ele também sentia raiva. Como ela ousava? Voltar para assombra-lo depois de tanto tempo.
-Você fez o que teve que fazer para sobreviver. – Ela falou com olhos suaves e doces, cheios de amor e dor, por ver o filho dela todo coberto de sangue. – Não foi sua culpa. Nunca é sua culpa. Você é forte demais para qualquer um quebrar.
O queixo de Kale trincou, ele a olhou com raiva para ela, sussurrou com uma voz rouca de tanto gritar na batalha.
-Até você? – Ele perguntou. – Sou forte o suficiente para não ser quebrado por você?
A mãe dele o olhou com pesar, tristeza, ela não falou nada, apenas olhou para o filho. A raiva invadia o coração de Kale cada vez mais, ele a olhou com tanta violência que até ele mesmo se surpreendeu.
-Eu não vou te perdoar. – Ele sibilou as palavras. – Não importa o que faça. Você já morreu.
Lágrimas caíram dos olhos da mãe. Kale respirava com dificuldade.
....
Um barulho alto o acordou.
Levantou da cama ofegante, com a mão sobre o peito e lágrimas nos olhos.
Tinha sido um sonho. Um pesadelo. Algo que o atormentava todas as noites, e nenhum remédio ou chá poderia diminuir essa dor. Ele se sentou na sua cama, a cabeça rodopiando e os pensamentos rápidos demais.
Ele ainda estava meio dormindo, acordou assustado e todas as suas capacidades mentais não tinham voltado ainda.
Ele odiava aqueles pesadelos, eles traziam de volta a memória coisas que ele queria esquecer. Ver sua mãe, todas as noites, era um golpe duro e pesado que partia seu coração.
Ele se levantou e foi encher um copo de água em uma mesinha esquerda da sua cama.
Então, a porta bateu de novo.
Kale se virou em direção ao som.
De novo?
Ele entendeu, então, o que o tinha acordado, não foi o pesadelo que o fez levantar, mas um barulho forte que o tirou do seu sono. Alguém estava o chamando.
Quando entendeu isso, Kale foi rapidamente para a porta a abrindo.
Encontrou Bath, um dos aprendizes designados para Kale instruir, parecendo nervoso e ansioso.
Isso fez com que Kale ficasse alerta na hora, aquilo não era comum, não o chamavam no meio da noite como Bath estava fazendo.
-O que houve? – Kale perguntou.
-Mestre Mori o convoca para o Salão do Concílio imediatamente. – Bath falou, Kale se virou e colocou rapidamente um robe por cima de sua calça e blusa simples, das roupas que usava para dormir.
Bath usava um lampião para ter luz naquele lugar escuro, e quando Kale começou a se mover Bath foi junto iluminando o caminho.
-Por que estou sendo chamado? – Kale perguntou preocupado. Será que a saúde do Mestre tinha piorado?
-O Mestre Superior recebeu uma visita... – Bath começou.
-Essa hora da noite? – Kale perguntou andando pelos corredores, esse era um ponto negativo para a Biblioteca, o lugar era tão grande que levava tempo até se locomover de um ponto para outro.
Kale teria que atravessar metade da Biblioteca para chegar no Salão do Concílio. Os dois andavam rápido descendo escadas centenárias, apenas com uma fonte de luza capaz de iluminar toda a escuridão.
-Aparentemente era uma emergência. – Barth respondeu. – O Mestre Superior Dihara foi para o Salão e chamou os Mestre de sua confiança.
Kale e Bath desciam as escadas, os barulhos dos pés e das corujas ao longe sendo os únicos sons, tirando a voz de Bath.
-Eles estão lá a horas. Eu ouvi discussões e brigas. Tem algo de errado. – Kale franziu as sobrancelhas e andou mais rápido, preocupação com Mori enchendo suas veias.
-Mestre Mori pediu para te chamar para escrever uma ata oficial.
Kale se virou para Bath confuso.
Atas? Atas só era utilizadas para registrar reuniões importantes para o reino, onde mais de um dos três poderes principais participavam. Se o Mestre estava precisando de realizar uma ata no meio da noite, realmente deveria ser algo grave.
Kale e Bath já estava chegando ao local. Aquela parte da Biblioteca não tinha nenhum dormitório, só continham salas que estavam vazias pois todos estavam dormindo.
Quanto mais se aproximavam, mais Kale ouvia gritos e indignação.
Kale parou em frente da porta junto com Bath, o lugar estava escuro, saindo luz apenas do lampião de Bath e pelas frestas das portas.
-Não sabe quem está lá? – Kale perguntou, se preparando para entrar. Ele se arrependeu de não ter vestido suas vestes oficiais.
Kale estava praticamente de pijama, com certeza alguns veriam como falta de respeito. Se não fosse uma situação tão urgente Kale voltaria, mas ele não tinha mais tempo.
-Eu vi um bando de homens com robes prestos entrar. – Bath falou.
Kale paralisou, virou para Bath com olhos arregalados. Robes pretos eram específicos, todos de Astoria sabiam quem eram as pessoas que os usavam.
Apenas os devotos. Os religiosos que viviam pelos deuses.
-Tenho quase certeza que o Sacerdote está aqui. – Bath sussurrou. Kale engoliu seco. Dois dos maiores líderes do país estavam no mesmo lugar discutindo.
Kale entraria em um cômodo com algumas das pessoas mais importantes do reino. Pessoas que estavam brigando. Com gritos e indignação.
O Sacerdote estava ali.
O homem que falava com os deuses pessoalmente.
Kale ficou pálido.
Talvez devesse ter contado para Mestre Mori que ele era ateu.
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