The Rejected Family
Capítulo 11
Rejeite a morte
O início.
De frente para as misteriosas cataratas, como se cada gota de água pudesse ser minuciosamente contada, o tempo parecia não avançar.
Os detalhes se destacavam tanto, que muitos cogitaram a possibilidade do fluxo da cachoeira ter sido modelado à mão. O som da queda d’água não era mais ouvido, abafado pela tensão explosiva do grande evento.
No presente momento, toda essa sensação que Muro havia sentido há menos de cinco segundos, parece ter ocorrido há mais de uma hora.
Seus ouvidos voltam a funcionar, com os gritos incontestáveis do desenvolvedor, “que a provação comece!”
Uma multidão desenfreada. Incontáveis participantes correm descontroladamente em direção à cachoeira.
Assumindo a liderança, Xilo e sua equipe disparam para o desconhecido, sendo os primeiros a cruzar as misteriosas águas.
“Hein!? É para pular!?” Muro não sabe o que fazer, sua família é a única equipe que permanece parada.
Saul se levanta e carrega Muro em seus braços, sem pensar duas vezes, “agora que as coisas esquentaram, temos que ir até o fim!!”
“Enlouqueceu!? Me larga, eu consigo andar! Essa é a minha entrada!!”
O tio ignora qualquer ruído reproduzido pelo seu sobrinho, pulando com tudo para dentro da cachoeira.
“Não seja tão convencido, Saul. Vai acabar matando o meu moleque!” Calos se recusa a ficar para trás, seguindo os dois afobados.
Kikyo ordena uma reorganização, “pessoal, todos juntos!”
Aqueles que ficaram para trás atendem ao seu chamado, “certo!”
Todos da família Mamoru se levantam rapidamente, acompanhando os passos apressados de Calos.
Um salto em conjunto, deixando para trás o seu conhecido cotidiano e adentrando no mais imprevisível caminho já trilhado; a equipe de Muro passa pelas cortinas de água da Provação.
Yuki, o desenvolvedor desafiado, apenas observa o início do espetáculo, intrigado.
“Depois de tudo que aconteceu, o número de competidores de hoje é bem surpreendente,” o organizador das provações comenta.
“Nenhum desses rostos importa. Apenas uma equipe merecerá ser lembrada,” Yuki dispensa preocupações fúteis.
Do outro lado da cachoeira, Kikyo e os demais chegam em uma caverna. Mesmo em um cenário novo, a sua atenção é inteiramente atraída por uma imagem de puro espanto.
Todos os corpos daqueles em sua frente estão caídos no chão, inconscientes. Procurando desesperadamente por seus conhecidos, Muro, Saul e Calos são avistados no chão, no mesmo estado dos outros competidores.
Ao lado de Kikyo, seus companheiros vão cedendo um a um. One, Toki, Kelly, Lua, Honda e Lev desabam sobre o solo da caverna, desacordados. Os joelhos da mulher também começam a fraquejar, o cansaço derruba seu corpo.
Logo em seguida, Seiji adentra no local, buscando por respostas, “o que aconteceu aqui?”
Ao visualizar toda a família Mamoru apagada, ele também cai, adormecendo.
“Carinha…?”
A companheira de Seiji, Dinda, é a única pessoa que permanece de pé. A mulher não demonstra nenhuma fraqueza, completamente desperta.
“Seiji?”
O silêncio desta pavorosa situação se estende pela imensidão da caverna, que após uma desconhecida quantia de tempo, parece curiosamente vazia.
Não estando mais no meio de uma multidão, Muro acorda, sem noção dos acontecimentos que acompanharam o seu sono. O rapaz está sozinho, em uma vasta paisagem cavernosa.
Abrindo os seus olhos lentamente, ele consegue enxergar com clareza o lugar, através do auxílio de pedras luminosas, presentes no chão e nas paredes do ambiente.
“Mãe…? Pai…?” Muro procura pelos seus parentes, não obtendo sucesso.
Ainda esperançoso, ele chama por sua família, “pessoal? Onde vocês estão?”
Nenhuma resposta é recebida.
Ah, é mesmo. Nós estávamos na provação. Será que esse lugar faz parte dela? Ele teoriza.
Se levantando do solo rochoso, Muro caminha pela caverna fria, buscando por informações.
One aparece repentinamente ao lado de seu irmão, sem nenhum rastro de movimento prévio.
“Opa. Tudo certo?” O menino se apresenta.
“One?”
“Parece que eu acabei ficando sozinho. Ainda bem que a primeira pessoa em quem pensei quando acordei foi um aliado.”
“Você podia ter se dado bem mal.”
One demora para compreender a situação, ainda despertando de seu sono.
“Ei, Muro. Onde estamos?”
“Devemos estar no interior da montanha.”
“Mas, cadê os outros?”
“Já que nós dois estávamos sozinhos, provavelmente todos foram separados.”
“Então, quer dizer que estão em algum lugar dessa caverna?”
“Isso também serve para as outras equipes."
Muro avança pelos misteriosos corredores da caverna, sem nenhuma noção do que está por vir. One segue atrás do irmão.
“Nesse caso, que sorte que estou com você. Minha rejeição é inútil para combate.”
“Não se preocupe, enquanto estivermos juntos, vamos estar na vantagem.”
O som de algo em movimento chega aos ouvidos da dupla. À medida que se aproxima, a expectativa de serem apenas passos de um humano começa a perder o sentido, o ruído foge do senso comum.
Uma voz distante comemora, “finalmente, pessoas!”
Um físico que ignora qualquer lógica pensada pela humanidade, seguido de uma movimentação que nem a maior base de dados conseguiria explicar.
A mulher que adentra na visão dos irmãos distorce a estrutura comum de uma pessoa. Seus braços e pernas se esticam demasiadamente, não há nenhuma constância em suas ações. Os membros possuem uma textura mole, como uma enorme massa gosmenta.
Na ausência da rigidez de seus ossos, Kuna rasteja na direção dos garotos.
“É ainda melhor do que eu esperava, dois pirralhos de uma só vez,” a mulher ameaça seus novos oponentes.
One despreza a sua adversária, “caramba, que coisa horrível. Mas acho que você lida com ela fácil, Muro.”
Quieto, o rapaz se encontra perdido em suas emoções, analisando o seu novo desafio.
“Muro?”
“Ei, One. Eu acabei de lembrar de uma coisa. Minha rejeição… ela é bem maneira, sabe? Mesmo assim, se não houver nenhuma outra rejeição maneira perto dela… ela também é meio inútil para combate.”
Com sua mobilidade atípica, a desafiante enfrenta dificuldades para se aproximar dos garotos, “facilitem logo o meu trabalho e venham até mim. Essa caverna é desnecessariamente longa.”
One começa a perder as esperanças em seu salvador, à medida que Kuna avança.
“O que? Tá brincando, né? Você vai amarelar para essa coisa?”
“Ela não parece o tipo de inimigo que eu venceria socando.”
“O que isso quer dizer!?”
“Ei, andem logo!”
Em um piscar de olhos, Kuna estica um de seus braços e ataca na direção de Muro e One, como um chicote, que vai de um lado ao outro da caverna.
Os garotos se abaixam e desviam do ataque.
Um silêncio acompanha o estado de choque da dupla. Porém, seus pensamentos não aparentam estar na mesma página.
Muro se lembra das palavras de Saul, em sua volta para casa.
“Lá haverão diversas oportunidades para você e todos os outros se superarem. Eu irei segurar as pontas até que esteja pronto de verdade,” O tio depositava sua confiança no sobrinho.
No presente, o rapaz reflete, ela parece forte… essa pode ser a minha chance! Não vou deixar nenhuma dessas oportunidades passar em branco!
One corre na direção oposta de sua companhia, deixando todos para trás.
“Muro, eu tive uma ideia! Eu vou correr naquela direção, e você fica aqui parado! Se eu ficar sozinho e pensar em alguém útil, eu posso me teleportar para uma dupla melhor—"
Uma reação impensável. Os olhos do menino apenas conseguem acompanhar a silhueta de seu irmão, investindo contra o inimigo grotesco.
"Isso é sério…?" One não consegue acreditar no que vê.
Aceitando o desafio, a mulher se estica descontroladamente, se agarrando nas paredes da caverna como um polvo que utiliza seus tentáculos.
Em alta velocidade, através de uma perseguição puramente caótica, ela chama pelo combate, “isso, é assim que se faz!!"
Com poucos minutos de provação, Muro inicia o seu primeiro confronto. O rapaz começa a sua batalha contra Kuna.
Distante de qualquer confusão, Seiji anda calmamente por outra área da caverna. Não havendo ninguém em seus arredores, ele escuta gritos distantes, que chegam nele ecoando pelo local.
As coisas parecem estar começando. Se eu não encontrar ninguém da minha equipe, logo serei eliminado, seu raciocínio lhe apressa.
Com o uso dos seus simples poderes, Seiji materializa um pão em suas mãos.
Bom, o que mais eu esperava? É o ciclo natural das coisas, afinal…
As memórias do sujeito são preenchidas pelas falas de empolgação de Muro.
“Quando eu estiver no cume, vou acabar com esse jogo e esperar por vocês!!” O rapaz afirmava.
Ao relembrar o momento, Seiji demonstra um leve sorriso.
Como será que ele está agora? Sua família deve ser forte, mas…
“Velhote?” A voz de uma moça convida a atenção do homem.
Lua — que caminhava sozinha — cumprimenta Seiji, se aproximando dele.
“Você é aquele velhote que nos deu comida, não é?”
Ao se virar para ver a jovem, o sujeito reconhece a sua aparência, "você… é da família daquele carinha?”
“Sou irmã daquele idiota barulhento.”
Se entregando sem nenhuma resistência, Seiji abre os braços, preparado para a derrota.
“Se esse é o caso, pode acabar comigo e seguir em frente. Vai poupar tempo e esforço para os mais fortes.”
Surpresa com a atitude indesejada, Lua revira os olhos.
“Enlouqueceu? É óbvio que não vou encostar em você.”
O homem olha para as suas próprias roupas, sentindo o cheiro de suas vestes sujas.
“Ah, tem razão. Faz um tempo que não tomamos banho. Nesse caso, jogue uma pedra em mim. Assim os espectadores vão entender a sua vitória.”
“Não é isso, bobão. Francamente… por que ele só se mete com gente estranha?”
A jovem sorri, ao mesmo tempo em que se aproxima do sujeito. Seus ombros relaxados e sua postura desleixada fazem com que qualquer possibilidade de hostilidade seja desconsiderada.
“Você é aliado do Muro, certo? Isso já é motivo o suficiente para não encostarmos um dedo na sua equipe.”
Estendendo o braço na direção de Seiji, a moça movimenta o seu membro contra o corpo do homem, porém ambos se atravessam, não conseguindo se tocar mesmo que suas posições estejam sobrepondo uma à outra.
Ela conclui o argumento, “viu? Meu corpo já te rejeita.”
Sentindo um genuíno conforto, Seiji sorri. A confiança lhe permite encarar a expressão de tranquilidade de sua companheira.
Uma rápida observação chama a sua atenção para o físico inofensivo da jovem, que não parece preparada para lutar.
“Ei, amiga do carinha. Sua equipe é realmente forte?”
“Hum… Nós somos muitos, e temos um objetivo que não nos permite fraquejar. Acho que nunca estivemos em uma situação como essa antes. Então, não sei ao certo, mas…”
Face a face com seu novo aliado, um olhar que penetra as suas mais concretas intenções, Lua se livra de qualquer vestígio de dúvida que pudesse existir sobre a afirmação iminente.
“Nós vamos chegar até o Cume. Entenda isso como quiser.”
Após ouvir palavras de incontestável honestidade, Seiji emite um aviso, “sabe, eu participo das provações há mais de quarenta anos. Por mais que as regras sejam sempre muito abertas e os desenvolvedores só se preocupem com o espetáculo…”
A alegria que o sujeito emanava desaparece, seu rosto é de plena seriedade.
“Os participantes costumam não passar dos limites com seus adversários.”
“Está falando sobre ferir os inimigos?”
Os dedos do homem percorrem uma cicatriz, localizada em sua perna.
“Essa primavera trouxe umas equipes bem assustadoras, é melhor tomarem cuidado,” ele alerta.
Caminhando solitariamente pelos túneis da imensurável caverna, Honda presencia o terror da provação. As poucas pedras luminosas ao seu redor não são suficientes para lhe tirar do vazio da escuridão. De pernas trêmulas, ela procura pela sua família, ofegante.
“P-pessoal? Onde estão vocês? Por que ninguém vem logo me buscar?”
Sem conseguir enxergar onde pisa, ela tropeça constantemente. Sua força de vontade é o que a mantém de pé, mesmo que ela não queira continuar.
“Ei, isso é sério…”
Mais um tropeço. Ao finalmente tomar coragem para analisar o que há no chão, Honda se depara com algo que a deixa pálida.
Seus pés pisam em um cadáver.
“AHHHHH! Pessoal!!!”
Desesperada, ela corre por incontáveis túneis. Cada vez mais cadáveres preenchem o solo cavernoso.
“O que é isso!?!? Isso é real!?!? Alguém me tira daqui!!!”
Uma bifurcação, Honda se encontra diante de um grande espaço na caverna. Dois túneis distintos — que levam à direções opostas — compõem uma extensa área.
A atenção da mulher apavorada é guiada lentamente por uma pilha de corpos, caídos aos pés de um humano.
Depois de desviar o olhar inúmeras vezes, Honda visualiza as mãos ensaguentadas de um homem, parado em cima de suas vítimas.
“Isso… é impossível… alguém… por favor…”
Também avançando por um corredor repleto de cadáveres, Saul frequenta lugares que já foram presenciados por outros competidores.
“Droga, apareçam logo! Que lugar ridículo! Achei que tinha ouvido uma voz nessa direção,” ele se inquieta.
Um rastro de sangue cada vez mais intenso, a quantidade de corpos derrotados vai aumentando ao longo do trajeto.
Olhando bem para o ambiente, Saul repensa a sua opinião sobre o lugar, é bem melhor do que eu imaginei! Finalmente!! Hahaha, o tédio chegou ao fim!
Repleto de empolgação, ele ri abertamente, à medida em que avança pelo percurso perigoso.
Um som de perfuração é ouvido, o rasgar da pele humana. Um golpe brutal ocorreu na rota à sua frente.
“Seja quem for, apareça!! Eu prometo pegar leve!” Saul clama pela luta.
Chegando em uma bifurcação, o homem se depara com um cenário já visto por uma familiar. Uma pilha de corpos com alguém no topo, desta vez com um significativo diferencial.
Perfurada em seu peito, Honda possui a mão de um sujeito atravessando o seu corpo. Pendurada em um dos braços do agressor, ela não consegue se mover, enquanto litros de sangue escorrem na direção do solo cavernoso. Pac destroça os ossos da sua vítima.
“Querida…”
Os músculos de Saul crescem desproporcionalmente, seu físico não faz sentido com sua estatura. De frente para aquele que torturava a sua esposa, o homem supera os limites da espécie humana.
Lua e Seiji continuam a sua conversa, longe do local da ação, "eu entendo a preocupação, velhote. Mas acho que não teremos problemas. Nós realmente temos muita sorte."
À medida que o calmo diálogo ocorre, as lágrimas incolores de Honda se misturam com o vermelho de seu sangue.
“Essa é uma provação onde vence a última equipe que possuir um membro de pé. Acontece que a tia Honda…” Lua dá sequência ao discurso.
Na sala dos cadáveres aterrorizantes, a mulher mencionada pela sua sobrinha atribui um sentido àquelas palavras de confiança.
Honda cospe sangue na cara de Pac, obstruindo a visão do oponente. Um berro sai de sua boca.
“Buaaaaah!! Isso dói demais!!!” Com ferimentos letais, a voz de Honda deixa Pac surpreso.
Finalizando sua conversa, em outra zona da caverna, Lua conclui, “ela rejeita a morte.”
Em meio ao caos, o tronco de Honda começa a se regenerar. O buraco em seu peito é fechado, deixando o braço de seu agressor preso dentro do ferimento que ele mesmo fez.
A expressão no rosto de Saul exclama uma profunda empolgação, “hahahahaha! Você achou um cara bem maneiro, hein!?”
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