Mine estava com seus horários apertadíssimos naquele dia (não que isso não acontecesse em outros dias, mas enfim). Se não fosse pela garrafinha de elixir em uma mão e uma garrafinha de chá gelado na outra, ele não teria conseguido manter o ritmo e a postura para cumprir seus compromissos.
Bom, apesar do ritmo intenso, ele sempre encontrava um personagem familiar em suas andanças – mesmo que ele quisesse ficar bem longe dele. Quando isso acontecia, eles se entreolhavam e desviavam o olhar como se não tivessem visto um ao outro, o clássico “ninguém (se) viu”.
Com o passar do tempo, eles continuavam a se encontrar cada vez mais. Era como se o universo estivesse forçando que eles interagissem – cof cof não era a autora não gente, #confia.
A cada encontro inesperado, suas expressões começaram a mudar e – antes de desviarem o olhar – eles começaram a se encarar com irritação, afinal, quem estava seguindo quem?! Alô departamento dos encontros inesperados, eles já entenderam que deveriam interagir, mas naquele tanto de vezes já era humilhação demais.
Algumas vezes eles apenas encaravam um ao outro silenciosamente. Outras vezes, um dava uma bufada e outro retribuía com outra bufada e ainda uma virada dramática a la Severo Snape de Harry Potter.
Apesar de terem já reclamado com o tal departamento dos encontros inesperados... a frequência e coincidência inexplicável permanecia.
“Pelo amor de Deus, o que você quer de mim?!!” Mine, já começando a sentir sua pele pinicar de tanta emoção que estava sentindo, iniciou seu julgamento. “Vá andar no outro corredor, sei lá, mas me deixe em paz!”
“Ei! Você roubou minha fala!! Eu quem exige saber o que você quer de mim!!” Addai irritou-se.
Eles pareciam ter saído de um filme de faroeste. Um em cada lado, observando todos os macro e micro movimentos do seu “perseguidor”, só faltava aquela bola de feno rolando no chão que o cenário clássico do faroeste ficava perfeito. A arma eram as mãos abertas em forma de “??”, combinando com as expressões desenhadas em seus rostos.
Antes que a batalha (ou melhor, a discussão) começasse, alguém se aproximou.
“Olha só! Vejo que vocês se tornaram amigos!" A pessoa disse animadamente, parecia que ela estava realmente feliz.
Mine e Addai rapidamente olharam para a pessoa e começaram a desarmar o barraco, chutando todos os paus e lona da barraca.
“Sr. Shire, olá~” Addai acenou, endireitando sua postura como Mine, que até espanou o casaco e arrumou sua bolsa nas costas.
Ele, Sr. Shire, estava tão alegre como sempre. Seus cabelos loiros com fios grisalhos e, especificamente, uma única mecha castanha na franja, contrastavam como seu rosto jovial e sorridente, suave e sereno como seus olhos azuis com pupila levemente avermelhada.
O professor vestia um longo casaco escuro de algodão grosso – um verdadeiro inferno portátil no verão, mas não vamos julgar (ainda) – com desenhos gravados em cinza claro, mas com certa transparência, assemelhando-se a marca d’águas em arabescos. Ele carregava uma bolsa de couro marrom no ombro esquerdo e um colar com pingente bastante intrigante que acabara de enfiar dentro da blusa social branca por debaixo do casaco, já que sua mão havia esbarrado nele quando foi apertar a mão de Mine e Addai.
“Estou feliz em ver vocês se dando bem,” Shire sorriu um sorriso sincero e alegre. “Você sabe como é difícil para um novato se encaixar, né Mine?”
“Sim, Sr. Shire,” Mine sorriu de volta, cobrindo de vez todos os vestígios de suas expressões antes medonhas e extremamente amargas.
“E estou muito grato por isso,” Addai curvou-se e tanto ele quanto Mine começaram a se revirar por dentro e engoliram cada frase nojenta que pensaram em proferir quase que involuntariamente.
“Vejo você nas aulas noturnas Addai,” Shire se animou e ajustou a alça de sua bolsa por cima do ombro. “Ah! Minhas aulas!!!" Ele se assustou quando casualmente viu de relance o horário em seu relógio de pulso. “Vejo vocês por aí!!”
Enquanto Shire ainda estava no campo de visão deles, a atuação continuava lindamente – bons atores da Globe, sim sim – eles até davam a real impressão de que eram verdadeiros amigos! Um orgulho para a instituição!
No entanto, quando Shire finalmente desapareceu, eles se entreolharam com expressões vazias por um momento. Afinal, atuar cansa, né?
“...”
“...”
“... Cê não vai dizer nada?” Mine cutucou o braço de Addai.
“... Nós não somos amigos,” Addai decidiu.
“Sim, pelo menos concordamos com isso,” Mine assentiu.
Eles usaram desinfetante para as mãos – o famigerado álcool em gel que não era daqueles grudentos – para desinfetar as áreas que se tocaram.
Uma gotinha de água caiu bem na ponta do nariz de Mine.
Eles olharam para o céu e uma poderosa rajada de vento esvoaçou suas roupas. O vento estava tão forte que Mine quase perdeu um papel solto que tinha na bolsa parcialmente aberta.
Ah... as nuvens de chuva. Elas pareciam densas e os trovões falavam por si. Os alunos mais próximos iam tirando seus guarda-chuvas das bolsas e já se preparavam para o dilúvio, enquanto outros ficavam para trás e dentro dos prédios, decidindo esperar a chuva passar ou amenizar, e, ainda, outros se aventuravam a sair com um (pobre) caderno ou casaco na cabeça para protegerem o campo de visão dos respingos.
Mine vasculhou sua mochila, mas não tinha guarda-chuvas. Ele até deu uma bela sacudida nela, para ver se seu guarda-chuvas estava escondido em algum lugar, mas obteve só insucessos.
Addai, por outro lado, já tinha o seu em mãos. Era simples tal qual o seu dono, preto como qualquer guarda-chuvas que você compra até no supermercado. Pelo menos ele tinha um e Mine, nenhum.
“... Ei, me dá uma carona no seu guarda-chuva já que infelizmente estamos indo na mesma direção,” Mine pediu, já sentindo mais gotas de chuva caírem em si.
“Ohoho~” Addai caçoou em uma risada bem cínica. “Não era você quem me disse para estar preparado pra qualquer coisa?”
“A... vai-” Mine deu uma longa suspirada antes de perder a compostura. “Deixa quieto. Eu vou na chuva mesmo,” ele resmungou e pegou seu casaco, já cobrindo sua cabeça.
“Tenha uma boa chuva~” Addai acenou alegremente e a chuva se intensificou. “Ahaha! É melhor você correr~”
Mine mostrou o dedo do meio e saiu correndo para a chuva, sentindo a cueca começar a molhar com a intensidade do dilúvio – ainda bem que sua bolsa era de couro, senão...
Ele tinha certeza de que não choveria naquele dia, já que a previsão do tempo também dava certeza de que o sol queimaria impiedosamente a cabeça das pessoas. Bem, erm... todo mundo estava errado.
Quando Mine se virou para trás, ele só tinha uma certeza naquele dia: o carma funciona. O guarda-chuvas de Addai tinha se virado todinho, virando uma tulipa preta com o vento forte que também atrapalhava a corrida de Mine até a banca de revistinha ali perto (já que não ia rolar, de modo algum, ir até a estação com aquele dilúvio).
Mine riu tanto que suas bochechas ficaram vermelhinhas, e os alunos que também estavam abrigados ali com ele, acabaram presenciando a luta do homem versus o guarda-chuva teimoso.
No final, os dois ficaram ali esperando a chuva passar.
Addai estava tão molhado quanto Mine e teve que até tirar seu casaco molhadíssimo e pesado.
Vocês acharam que Mine não ia provocar o outro professor? Lógico que ele o provocou até rachar o bico e quando Addai espirrou, ele riu ainda mais, mas acabou espirrando também
E não é que acabaram resfriados? Os dois?
Um belo resfriado para tolos.
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