Bem quando a dupla de professores entrou na cafeteria minuciosamente escolhida, perceberam que era impossível sentar-se e conversar, imagina relaxar. Ela estava tão lotada que tinha fila para pegar uma mesa. Não entregando os pontos e persistindo, Mine arrastou o outro professor resmungão pelo Centro Mágico. Eles caminharam pelas ruas, becos e avenidas principais em busca de uma cafeteria aberta.
Mas por que eles não foram na cafeteria da universidade? Bom, com os boatos sobre o tal Poço dos Desejos, a direção simplesmente decidiu fechar a instituição nos finais de semana e passaram a ter horários restritos à noite então... é, não tinha muito o que se fazer além de ir caçar um lugar.
Em suas andanças, eles passaram num lugar legal e decidiram parar para ver o cardápio do lado de fora quando um atendente informou que eles estavam tendo um tipo de evento de Dia dos Namorados antecipado e apenas casais eram permitidos. Addai até se propôs para fingir, já com os pés doloridos e cansaço aparente, mas Mine rapidamente puxou o colega para longe e deu uma brevíssima puxada de orelha nele para ele pensar melhor antes de falar qualquer baboseira.
É, teriam que procurar por um outro lugar.
A dupla passou por mais ruas de paralelepípedos e árvores frondosas que exibiam folhagens novas entre as mais antigas e escuras. Passaram também na frente de uma loja de artigos de crochê, da qual Addai ficou um tempo na vitrine e, quando finalmente decidiu entrar, Mine o puxou para fora dizendo que havia encontrado o lugar perfeito.
A cafeteria parecia nova por ali e tinha uma atmosfera diferente. Ao entrar na loja, parece uma casa comum. Mas não só parecia uma casa como também era, ou melhor, já foi uma casa como qualquer outra e se transformou numa cafeteria acolhedora. As paredes, pintadas em tom verde claro com toques de amarelo, as plantas vibrantes penduradas e com flores de cores tímidas entre as folhagens e um preguiçoso gato peludo com um laço davam ares mais que agradabilíssimos.
“Bem-vindos!” veio uma garota sorridente e o gato pulou em seu ombro. “Mesa para dois, certo?”
“Sim,” Mine sorriu, ainda maravilhado com a casa enquanto Addai fitava o laço do gato.
“Então, sigam-se!”
Passando por um longo corredor decorado, eles chegaram ao salão principal cuja decoração combinava com a sala de entrada e as grandes janelas de vidro dava visão para um jardim escondido em que as pessoas apreciavam o entardecer. Ainda, tinha um cantinho que parecia uma biblioteca, com duas estantes cheias de livros usados esperando ansiosamente para serem devorados pelos visitantes. O cheiro do pó de café forte batido com leite, adicionados as essências exclusivas dos baristas, enchia o ar e superava o cheiro dos pães e tortas do balcão principal.
“Me chamem se precisarem,” a garçonete sorriu e o gato pulou de seu ombro para a mesa. “Este é Babette, nossa querida mascote. Ela é dócil e acho que ela gostou de vocês,” acariciou a cabeça da gata e Babette soltou um miado quando a garçonete entregou o cardápio para Addai.
“Obrigado,” Addai assentiu, pegando o cardápio.
"Prazer em conhecê-la, Babette," Mine sorriu, e o gato aninhou-se em sua mão.
“Por que os gatos gostam tanto de você?” Addai coçou suavemente as costas de Babette.
“Eu tenho meu charme,” Mine disse orgulhosamente.
"… é sério?"
“Ah, vai,” Mine cruzou os braços. “Umbra também gosta de mim,” disse ainda mais orgulhoso.
Addai riu baixinho e despreocupadamente. “Não posso negar isso,” um sorriso sincero esboçou em seu rosto. “Ah, eu trouxe um livro para você. Um momento.”
Mine piscou algumas vezes até a imagem daquele sorriso desaparecer e finalmente captar o que Addai acabara de dizer. “Logo você me dando coisas grátis?”
“Considere como um suborno para não me cobrar demais hoje,” Addai riu, entregando um livro encapado com papel laminado.
Mine pegou o item com um olhar curioso e desembalou o livro. Seus olhos arregalaram assim que ela conseguiu ler o título do livro.
Os olhos de Mine se encheram de vida, vigor e cores. A euforia envolvente e confortável rapidamente inundou seu coração e fez com que o sangue fluísse cada vez mais por todo o seu corpo, deixando suas bochechas levemente coradas. Em seu rosto, um sorriso apareceu na mesma velocidade em que ele começou a folhear as páginas.
Como Addai sabia que eu estava procurando esse livro?
Curiosamente, o livro era aquele que Mine procurava sem parar. A capa dura com acabamento dourado e encadernação em couro deu o charme que seu conteúdo merecia. Ele dedilhou a capa e a lombada, sentindo desde a suavidade do couro, as imperfeições do dourado e os desenhos em relevo até as páginas com um peso um pouco mais duro.
“Muito obrigado!” Mine sorriu novamente, fazendo com que seus cílios se tornassem protagonistas de seu sorriso.
Seu sorriso era cristalino como sempre, traduzindo seus sentimentos nos contornos literais de seus lábios, que se curvavam para cima e se alargavam em um grande e caloroso sorriso de forma quase poética.
Desde quando Mine era tudo isso?
“N-não foi nada,” Addai tossiu, ignorando seus próprios batimentos... mas não conseguia ignorar seus próprios pensamentos.
O sorriso de Mine era simples, mas reconfortante, porém... era uma cena rara de se testemunhar. Geralmente Addai via os resmungos, as brigas e intrigas e as palavras ácidas. Era como se o Mine que estava em sua frente fosse uma pessoa totalmente diferente e isso... era tão injusto. Suas emoções, antes confusas, foram substituídas por emoções feias que poluíam sua mente e coração com um rio turvo de cores vermelhas e perturbadoras, manchando e distorcendo o que antes era puro e cristalino. E esse rio queria transbordar.
"Por que você sorri mais para os outros do que para mim?" Addai perguntou, tentando esconder o rosto atrás do cardápio. “Sei que às vezes sou rude, mas isso não significa que não seja uma boa pessoa.”
Mine, pego de surpresa, fitou Addai em visível confusão. “O que você-”
“Nad. É bobagem.” Addai cortou com sua voz ligeiramente dando toques de irritação.
Mine piscou algumas vezes e Babette começou a ronronar, pedindo mais carinhos. O que foi isso? Que comportamento é esse?
Mine ainda encarava Addai e percebeu que suas pupilas haviam ficado um pouco mais finas do que antes. Seja o que for, isso estava dando um leve incômodo em Mine mesmo que Addai continuasse a agir como se nada estivesse acontecendo enquanto comiam e durante a reunião...
..., mas aquilo ainda o incomodava de certa forma.
“Ei,” Mine tocou nos nós dos dedos de Addai, sentindo sua textura um pouco rude e quente. “Sobre antes... você é um pé no saco, não uma pessoa ruim, ok? E-Eu... eu também não sou muito legal às vezes, mas você não é uma má pessoa, entende? É diferente,” ele tentou explicar sem deixar suas bochechas avermelharem, mas falhou no último objetivo.
Addai lentamente fixou seu olhar em Mine, revelando seu rosto um tanto corado, talvez por perceber o conteúdo da pergunta ou o tom utilizado. Vê-lo daquela forma era um pouco estranho. A forma como os olhos de Addai se estreitaram foi infantil, tentando ao máximo deixar claras as suas microexpressões.
Você... só tava emburrado? Mine não pôde deixar de pensar com carinho nas expressões inocentes de Addai, denunciando uma outra parte que Mine pensou ser inexistente naquela pessoa confusa. É, Addai não era uma pessoa ruim. “Então, vamos voltar para a nossa chatice?” riu baixinho, pegando alguns papéis de sua mochila.
Após algumas xícaras de café e algumas páginas folheadas, Mine e Addai continuaram a longa troca de informações e ensinamentos. Ao longo da conversa, Mine começou a perceber que Addai não era apenas gentil, mas também bastante decente.
Às vezes infantil? Sim, claro. Às vezes, um pé no saco? Sim claro. Às vezes um incômodo? Sim, sim e sim. Mas entre o rosto emburrado, o nariz franzido e as palavras um tanto amargas e ácidas que saíam de sua boca, seus olhos o traíam e diziam o contrário de vez em quando, assim como a nuca e as orelhas – as primeiras a sucumbir a qualquer mudança na cor de seu rosto.
“O que foi?” Addai perguntou, bebericando a segunda xícara de café.
Mine soltou um risinho, daqueles que só sai o arzinho pelo nariz e sorriu. “Nada de especial, é que seu rosto é tão feio que chega a impressionar.”
Addai o fitou incrédulo e começou a resmungar. “Hmpf, vá dizer isso para aquelas mulheres ali. Eles estão me devorando com os olhos”, resmungou incomodado, e Mine riu de volta.
Quando Addai olhou para a xícara de café de Mine, ele não pôde deixar de notar o estado das mãos de seu colega de trabalho. Após uma inspeção mais detalhada (vulgo uma encarada mais longa), ele viu que as pontas dos dedos tinham uma série de curativos, variando de coloridos a simples e lisos. No entanto, apesar dessa tentativa de encobrir quaisquer ferimentos ou hematomas, alguns curativos não conseguiam esconder a pele avermelhada e rasgada que aparecia por baixo deles.
Era evidente que as mãos de Mine já tinham visto dias melhores, e Addai não pôde deixar de se perguntar o que havia causado tantos danos. Uma mão tão delicada quanto a dele certamente sofreria com calos vez ou outra, mas aquilo ali... era triste.
Addai pegou uma das mãos mais machucadas de Mine. “Por que seus dedos têm tantos curativos?” perguntou enquanto analisava cuidadosamente cada dedo.
Só aquele pequeno gesto foi o suficiente para deixar todo o sistema ‘Mine.exe’ com bugs. “A-Ah... é-é q-que...” começou a se complicar.
Talvez o outro dia estivesse muito escuro e Addai não conseguisse ver nem sentir a textura diferente nas pontas dos dedos contrastando com a suavidade predominante na palma das mãos de Mine. Seus dedos eram finos, mas alguns tinham calos de tanto escrever, e suas articulações pareciam um pouco mais desgastadas. Sua palma tinha desenhos claros e precisos – uma delícia para os praticantes de quiromancia – e no canto havia uma cicatriz desbotada. Ele virou a mão um pouco mais e examinou as costas, identificando uma pinta solitária quase perto do pulso, que uma pulseira desbotada e esfarrapada insistia em decorá-la.
“Ei... tá tudo bem aí?” Mine perguntou.
“Hm hm,” Addai assentiu com a cabeça e removeu um dos curativos do dedo de Mine.
“Ugh...”
“Desculpa,” Addai rapidamente disse, mas Mine acenou com a cabeça para ele não se preocupar.
“Tudo bem, Eles só estão... bem, muito doloridos, então é normal coçar e arder um pouco.”
“O que aconteceu?” Addai tocou cuidadosamente o hematoma.
As feridas tinham formatos e texturas diferentes. Algumas delas tinham bordas mais duras e outras tinham sangue seco que manchava um pouco as unhas – que certamente haviam sido roídas. Na lesão maior, o dedo ficou um pouco inchado que os demais, e uma área vermelha-arroxeada dava sinais de que a recuperação demoraria mais alguns dias.
“Tô acostumado, não esquenta,” Mine sorriu despreocupado.
“Mesmo assim, você deveria parar de fazer isso,” Addai assoprou a ponta do dedo mais machucado, curando-o com um feitiço. “Como estão os demais?” perguntou, já tirando os curativos antes que Mine dissesse que estavam bem (machucados).
Ambas as mãos de Mine estavam cobertas de curativos e levou algum tempo para Addai retirar cuidadosamente cada um deles e curar os dedos.
Por que ele se incomoda em fazer isso? Mine se pegou pensando, observando Addai, que estava determinado a curar cada machucado.
Esses gestos eram tão estranhos que Mine sentia sua pele pinicar. Não que eles fossem ruins, mas quando você está acostumado a um certo padrão de condutas não muito salubres ou dignas, vivenciar tais experiências trás um certo desconforto no meio do conforto. Um tanto paradoxal, mas isso incomodava Mine de tal forma que, antes que Addai pudesse prosseguir para a segunda mão, ele tocou no braço de seu colega.
“Você… não precisa fazer isso se não quiser… sabe?” Mine disse, envergonhado.
Apesar dessas palavras saírem com certa tenacidade, não foi o suficiente para que Addai entrasse no script que Mine havia feito em sua mente. Muito pelo contrário, Addai bufou e fitou Mine, “mas eu quero. Agora fique quieto,” resmungou e assoprou os demais dedos machucados.
Enquanto Addai terminava de curar os dedos de Mine, que tagarelava coisas aleatórias para se distrair do embaraço, Babette foi dar um passeio. Ela foi até o balcão para subornar o barista e encontrou uma fila curta com cerca de três a quatro pessoas. Entre essas pessoas, uma em especial arrepiou os cabelos.
“Babette, o que foi?” o barista perguntou ao ver os pelos da gata arrepiados.
“Relaxa, os gatos me odeiam” a mulher que estava sendo atendida pelo barista sorriu desconcertada e a gata rosnou ainda mais. “Obrigada pelo café,” agradeceu e a gata não tirava os olhos dela.
Enquanto a mulher se dirigia para a saída, ela notou alguém familiar na multidão e seus olhos se encontraram por grande ironia do acaso.
“Bella!” Mine sorriu e acenou para a mulher, que sorriu de volta.
“Olá, camarada da madrugada,” Bella o cumprimentou de volta.
Addai deu-lhe uma olhada lenta e minuciosa. A expressão em seus olhos sugeria que ele não tinha intenção de ser gentil com aquele estranho que acabara de aparecer. Bella encontrou seu olhar e ofereceu um sorriso sem graça.
"Oh! Prazer em conhecê-lo, meu nome é-”
“Eu não me importo,” Addai se recusou a apertar a mão dela, fixando o olhar em seus olhos.
“Seu bruto!” Mine deu um tapa na testa de Addai. “Cumprimente-a apropriadamente! Bella, este é Addai, minha dor de cabeça diária na universidade.”
"Hum... prazer em conhecê-lo, Sr. Addai", ela sorriu. “Erm... eu irei então. Caso contrário, a gata vai querer pular em mim e me arranhar todinha.”
"Eu me pergunto por quê," Addai ainda não havia quebrado o contato visual. “Tenha um bom dia”, disse de uma só vez, pois Mine lhe deu um beliscão doloroso na coxa.
"Até mais, Bella," Mine sorriu e acenou.
Do lado de fora do café, a respiração de Bella ficou pesada e ela começou a sentir a pele enrijecer. Arrepios surgiram na parte de trás de suas pernas, forçando-a a parar de andar, então ela teve que se sentar no banco mais próximo. Felizmente, seu rosto pálido estava meio que escondido pela maquiagem, mas seus ombros tensos e tensos podiam dizer que algo estava errado.
“Quem era aquele cara?” ela murmurou para si mesma.
Quando ela se levantou, um deslumbrante felino de pelagem escura olhou para ela com um olhar atento. Seus delicados bigodes tremiam enquanto observava atentamente cada movimento dela, nunca perdendo de vista.
Comments (0)
See all