Ao longo das calçadas de paralelepípedos, pessoas caminhavam de um lado a outro, de loja em loja e de banco em banco – caso fosse debaixo de uma árvore. Itens mágicos eram comercializados nas barraquinhas e lojas das quais as crianças se divertiam com amostras de fogos-de-artifício portáteis. Os sorveteiros também lucravam muito naquele dia escaldante no qual nem as nuvens aguentavam ficar no céu.
O cheiro de fritura, doce, roupas e tecidos estavam emaranhados uns nos outros; artistas de rua se apresentavam e pessoas conversavam em meios às risadas e gritos das crianças, bem como o tilintar de copos e tigelas das barracas de comida... sons e cheiros se entrelaçavam e completavam a aura daquela vívida feira de rua num dia escaldante.
A brisa era tão sufocante que as pessoas andavam com um boné ou uma sombrinha colorida. As pessoas mais preparadas ainda carregavam leques de papel e garrafas de água, além de uma toalha no pescoço ou no ombro para enxugar o suor – bem “ida ao Centro” vibes. Porém, até mesmo os preparados sofriam no calor.
“Primo, eu juro que vou morrer,” Mine disse, ofegante e com as bochechas vermelhas e suadas.
“E a sua sombrinha? Abre ela,” o outro garoto riu, pegando as sacolas das mãos de Mine. Assim que ele pegou a última sacola da mão de seu primo, seu olhar fixou em um ponto e ele arregalou os olhos. Um banco livre!
Ambos se sentaram em um banco perfeito sob a sombra. Finalmente um lugar minimamente salubre!
O jovem alto acomodou-se e tirou o boné, revelando seus cabelos ruivos bem avermelhados. Seu rosto de aparência delicada contrastava com seu porte físico robusto, mas o que mais impressionava eram seus olhos verdes-oliva finos e calorosos, chamando a atenção de todos ao seu redor em união ao seu sorriso tão encantador quanto o de seu primo quase derretendo de calor ao seu lado. O jovem também tinha sardas cativantes no nariz e ombros, além de várias pintas que indicavam o quanto ele trabalhava sob o sol, já que ele ajudava a cuidar das plantas e colheitas de sua mãe. Bom, ele estava acostumado a andar no sol, já seu primo…
“Mashitsu, a garrafinha…” Mine implorou, sentindo seu corpo entrar em combustão.
“Eu te disse para não andar muito no sol…” Mashitsu suspirou e jogou água na cabeça de seu primo. “Você teve sorte de não pegar insolação!” resmungou, molhando mais os cabelos de Mine.
“O sol não é nada para o seu velho primo!” Mine resmungou de volta, ainda com a cabeça posicionada para Mashitsu molhar mais.
“Ai ai…” Mashitsu riu baixinho e pegou uma toalha da sua mochila um pouco surrada. No meio da bagunça que estava lá dentro, Mashitsu acabou percebendo que, apesar de ter lotado a mochila de coisa, ainda parecia faltar umas coisinhas aqui e ali. “Oxe, esqueci de trazer umas coisas de casa…” estalou a língua, um tanto entristecido.
Foi uma verdadeira luta para Mashitsu vir para a cidade. Ele morava na zona rural da ilha que mais parecia uma selva. As cabines de teletransporte ficavam frequentemente indisponíveis por causa dos gnomos da floresta travessos, e os caminhões que transportavam as colheitas dos campos (a famigerada carona) demorava muito para chegar na área metropolitana do vilarejo. Felizmente, Mashitsu encontrou sua vizinha indo para a cidade e pegou carona, levando consigo apenas uma mochila com algumas peças de roupa, água e dinheiro para comprar o que sua mãe precisava.
“A gente compra,” Mine abanou a mão. “Agora me ajude homem! Seu velho primo está quase pegando fogo na sua frente!”
“Toma aqui, mas não ouse reclamar,” Mashitsu colocou seu boné suado na cabeça úmida de Mine, que imediatamente fez uma careta. “De nada” riu, arrumando o boné suado na cabeça de Mine novamente.
As árvores tímidas moviam-se lentamente com a brisa que fazia algumas de suas folhas secas cair no chão, já enrugadas e quebradiças. Embora a visão fosse ofuscada pelo brilho do sol impiedoso, os arbustos estavam verdes e felizes ao sol; algumas plantas clamavam por chuva e novos brotos de gramíneas luminosas vibravam, embora só aparecessem à noite ao lado de outras flores como uma amarela com pontos pretos que assustavam os gatos que tentavam arranhá-la.
“Ei, Mashitsu,” Mine chamou enquanto observava os arbustos.
“Hm?” Mashitsu fitou-o, arrumando sua mochila nas costas novamente.
“Leve seu velho primo até a sorveteria ali... ou morrerei,” Mine disse dramaticamente, levando braço à testa.
“Você não vai morrer por isso,” Mashitsu balançou a cabeça.
Mine franziu o cenho e fitou seu primo sem criatividade, “Finge que eu vou,” resmungou.
Finalmente na sorveteria, a dupla sentiu uma incrível sensação refrescante causada pelo ar-condicionado que abençoava cada cliente que acabava de entrar na loja.
O calor lá fora parecia um mero pesadelo e a dupla se sentou na única mesa disponível ao lado da janela de vidro – que dava para sentir o vapor quente do sol através dela. Mine acidentalmente encostou o cotovelo no vidro e imediatamente tirou o braço dali num espasmo só. Apesar da proximidade, o bafo quente que vinha do vidro não os incomodava o suficiente.
Mashitsu não pôde deixar de notar as cortinas verde menta que pendiam graciosamente na moldura da janela, que contrastava lindamente com as paredes castanho-acinzentadas claras. Seus olhos curiosos também não puderam deixar de notar as plantas de plástico arrumadas em uma prateleira e um pesar preencheu seu coração, pois plantas de verdade dariam ao lugar um pouco mais de graça. Enquanto isso, Mine arrumava as inúmeras sacolas e certificava de que as compras fossem organizadas de forma a facilitar o transporte posterior.
“Quando é o teste de admissão da universidade?” Mine perguntou, ainda arrumando as sacolas.
Mashitsu engoliu seco, “É-é daqui a uma semana. Vou tentar ‘Herbologia Medicinal’... parece legal,” sorriu timidamente.
“Que nem tia Matsumi?” Mine sorriu e seus olhos brilharam. As bochechas de Mashitsu ficaram levemente coradas de um pouco de embaraço, mas também de orgulho.
“S-sim! Mamãe me disse que eu poderia cuidar da loja de ervas dela, então preciso estudar e trabalhar duro antes disso,” Mashitsu disse determinado e viu uma das garçonetes passar ao lado da mesa deles. “Ah! Moça, você pode nos trazer o especial de hoje?”
A garçonete se virou e anotou os pedidos, saindo até o balcão ao lado de uma criança pequena de vestido rosa e chapéu branco. A criança retirou o lixo das mesas ao lado da outra garçonete, que mandou ela ir brincar, mas a criança se recusou, teimosamente catando mais lixo.
Mine riu, lembrando como Mashitsu era tão teimoso quanto a garotinha quando eles eram crianças. O menino ruivo costumava correr pelos campos e sujar suas roupas com terra e adubo. Seu pai sempre tinha que levá-lo para tomar banho logo após as brincadeiras e Mashitsu acabava se sujando mais ainda quando via o tanque com água e seu xampu do lado. Além disso, o pequeno Mashitsu desenvolveu uma grande curiosidade por trabalhos pesados, principalmente como instrumentos que eram maiores que ele.
Sua mãe sempre morria um pouco ao ver seu precioso e único filho se machucando e sujando, mas quando ela o levava para dentro de casa, o pequeno Mashitsu sempre se escondia atrás de seu primo mais velho Mine, que dizia à tia que estava o observando com atenção (#confia). Quando Mine não estava por perto, ele costumava se esconder atrás de seu meio-irmão mais velho – que dava um jeito de esconder seu irmãozinho e dar banho nele antes de sua madrasta puxar a orelha do pequeno – ou subir em árvores altas para fugir dos gritos de preocupação de sua mãe.
A preocupação de sua mãe só aumentou quando Mashitsu disse que ia ficar na cidade, mas que iria visitá-la sempre. Porém... Mashitsu não deu detalhes sobre sua estadia, aluguel ou nada, pois nem ele sabia o que fazer, já que veio com a cara e coragem para perguntar para seu primo mais velho sobre o que fazer.
Mine quase teve uns cinco tipos de treco diferente quando Mashitsu foi explicando para ele sobre a sua visita repentina, e teve mais seis outros tipos de treco quando Mashitsu disse que ele ia fazer a prova da universidade logo. Logicamente, Mine deu um belo puxão de orelha em Mashitsu e logo o arrastou para arrumar sua vida, começando pela compra do básico e procurar um aluguel legal.
“Mashitsu, fica na minha casa até a prova,” Mine ofereceu após checar o contrato do aluguel de Mashitsu. “Vou cuidar de você como um primo mais velho exemplar que sou - posou com orgulho”.
“Eu não quero incomodar você…” Mashitsu disse um pouco sem jeito. “Além disso, minha rotina é bem... diferente da sua, então vou incomodar você de manhã-”
“Isso não é um pedido,” Mine ergueu a sobrancelha igualzinho a sua mãe e Mashitsu assentiu com a cabeça.
“Obrigado, primo!" Mashitsu sorriu, exibindo o mesmo sorriso caloroso de sempre... e Mine não conseguiu se aguentar e apertou suas bochechas. “E o trampo na universidade? Tio Kamine disse que você é tutor agora!” os olhos de Mashitsu brilharam.
Papai... seu boca de sacola... Mine esfregou a sobrancelha. “É, tô servindo de tutor de um professor novato. Ah, acho que ele pode ser seu professor também. Addai é o nome dele e- que cara é essa?” franziu a testa em desaprovação enquanto olhava para seu primo.
“Como ele é?” Mashitsu sorriu, meio maroto, meio alegre.
Mine parou por um segundo e se lembrou das palavras de Addai dizendo que ele não era uma pessoa ruim. Mine não pôde deixar de rir um pouquinho ao lembrar especificamente disso.
“Ele não é tão ruim assim. Quer dizer, ele é um pouco bruto e às vezes tem talento para me fazer franzir a testa, mas…” Mine sorriu levemente, “ele pode ser bom às vezes, mas só às vezes”.
Mashitsu ainda sorria para ele do mesmo jeito, mas agora seus olhos ficaram mais brilhantes.
“Enfie essa suposição em você sabe onde,” Mine ameaçou e metade do sorriso de Mashitsu estremeceu.
Na volta para casa, a dupla teve que pegar o metrô já que as plataformas de teletransporte estavam lotadas. O metrô também não estava tão vazio e tranquilo como de costume, e as pessoas estavam amontoadas nos vagões como se fossem sardinhas espremidas em uma lata – e até o cheiro de alguns era o mesmo.
As luzes sombrias, os assentos ocupados, os corredores com várias pessoas em pé segurando-se nas alças suspensas e nas barras de ferro para não cair. Felizmente, Mashitsu encontrou um assento, então pelo menos Mine poderia sentar-se com as malas apoiadas nos pés. A velhinha próxima ficou olhando para Mine (e julgando-o), que não se importou nem um pouco e fingiu estar dormindo cobrindo o rosto com o boné de Mashitsu, que estava parado na sua frente. No caminho, algumas pessoas cutucaram Mashitsu para dar espaço, e outras aproveitaram sua altura para segurar seu braço quando ele se ofereceu.
Se entrar foi difícil, sair também foi uma bagunça. Algumas sacolas de Mine ficaram presas na porta que acabou fechando, e ele teve que usar a boa e velha força bruta para puxar a sacola enquanto seu primo arrumava o resto delas.
A estação fedia a suor e cimento da reforma recente e as pessoas passavam apressadamente nos ladrilhos soltos que rangiam e faziam ruídos abafados. A escadaria estava com um grande volume de pessoas subindo e descendo, pois a escada rolante estava desligada naquele dia.
A dupla de primos ainda ia pegar outro metrô, mas na estação a alguns bons passos dali – e ficar de olho no aplicativo das linhas de metrô da prefeitura. No meio do caminho, Mine começou a superaquecer tal qual um fusca sem manutenção e Mashitsu insistiu em carregá-lo nas costas, porém, ao olharem para o lado, viram um jovem na mesma situação que Mine, só que o jovem já estava desmaiado de calor.
Mine pulou das costas do primo com uma garrafa de água em uma mão e com sua sombrinha na outra.
“Ei!” Mashitsu deu alguns tapinhas na bochecha do jovem enquanto Mine tentava cobrir todos com a sombra de sua sombrinha de sapinho. “Senhor! Você está bem?” chamou quando o jovem abriu os olhos e, ainda bem tonto, tossiu.
“A... Água... água…”
“Aqui,” Mashitsu ofereceu a garrafa de água que Mine deu, “você pode ficar com ela, venha para uma sombra melhor,” ajudou o jovem a se levantar e Mine os acompanhou.
A sombra tinha que ser suficiente, mesmo que a árvore ainda estava jovem. Mine, ainda superaquecido tal qual o fusca sem manutenção, encostou em Mashitsu que o segurou e colocou em suas costas como antes.
“Obrigado…” o jovem suspirou após devorar a garrafinha de água.
“Aqui, fique com a sombrinha,” Mashitsu deu a sombrinha de Mine para o jovem, que arregalou os olhos.
“Ah, não, não posso aceitar isso…”
“Eu insisto. O sol está forte e estou com o boné do meu primo, então não se preocupe!” Mine sorriu.
“Ah... terei que aceitar então,” o estranho jovem riu, “obrigado novamente”.
Depois que a dupla seguiu seu rumo, o jovem misterioso levantou-se e examinou a sombrinha de sapinho. Ele riu para si mesmo ao se lembrar das pessoas aleatórias que pararam para lhe oferecer ajuda. O jovem sentiu-se grato pelo gesto gentil e seus pensamentos vagaram longe, talvez pelo calor, talvez por outro motivo.
Perdido em suas próprias reflexões, ele se assustou quando alguém se aproximou por trás e lhe deu um forte tapa nas costas.
“BELI- Bella~ hehe~” ele riu, engolindo sua amargura.
“Azazel... onde você arrumou essa coisa excêntrica aí?” Bella cruzou os braços, olhando para o jovem dos pés à cabeça.
“Uma boa alma me deu isso, olha que adorável,” Azazel exibiu o guarda-chuva.
Os olhinhos de sapo que se destacavam eram o charme do item, e Azazel não pôde deixar de sonhar acordado enquanto olhava para o design adorável do guarda-chuva..., mas Bella não ficou muito satisfeita com a coisa toda, pois sentiu algo estranho.
“Azazel, há algo neste guarda-chuva,” Bella avisou.
“Eh? Você só está com ciúmes porque um humano foi gentil comigo e não...”
“Seu idiota!” Bella exasperou quando o guarda-chuva emitiu uma aura nebulosa, dando um tapa na mão de Azazel que derrubou a sombrinha.
O sapinho, antes verde claro, ficou preto, e os olhos, que antes tinham a íris preta, ficaram amarelos e pareciam piscar, focando primeiro em Bella e depois em Azazel. Antes que os dois pudessem rastrear esse feitiço, a ilusão passou tão rapidamente quanto uma folha que voou em uma rajada de vento.
“Quem te deu isso?” Belial perguntou, perplexa.
“Um cara baixinho de cabelo verde…” Azazel respondeu, também perplexo.
“Evite-o,” Belial determinou, “ele está sendo rastreado, ou melhor, ele está sendo vigiado”.
“O quê?” Azazel perguntou, confuso. “E o que isso tem a ver conosco, sua doida? É problema dele, não nosso” e quando ia pegar a sombrinha de volta, Belial chutou o item para longe.
“Quem lançou esse feitiço... é esse cara aqui,” Belial colocou seu dedo indicador na testa de Azazel, brilhando um ponto vermelho luminescente.
Azazel piscou algumas vezes, e um sorriso começou a esboçar em seu rosto. “Interessante...” riu, sentindo as ervas daninhas da curiosidade preencher a monotonia. “Por que aquele cara tá na cola do pequenino?” Azazel pegou o guarda-chuva com um feitiço de levitação e quebrou o feitiço.
“É um aviso. Ele está nos dizendo que o garoto é dele”.
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